sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

CRÓNICA DE RUI GOMES DA SILVA


"A vida, o futebol, as ideias, os clubes podem esperar para todo o sempre quando somos surpreendidos pela morte como nunca.

Jiménez,... Boavista,... VMC's,... incentivos,... vídeoárbitro,... túneis (nas suas mais diversas e feitios),... eram temas possíveis desta página de hoje, no jornal A Bola, que uma tragédia fez adiar.
Porque a vida, o futebol, as ideias, os clubes podem esperar para todo o sempre quando somos surpreendidos pela morte como nunca.
Cresci a ouvir o meu pai contar, vezes sem conta, a tragédia que ceifou a vida de todos os 31 passageiros e dos 4 tripulantes do avião que transportava a equipa do Torino, no desastre aéreo contra a Torre de Superga, em Turim, a 4 de Maio de 1949.
História tanto mais impressionante - para quem, então, nessas histórias de uns anos antes, descobria, como eu, os desafios e os encantos dos jogos com grandes equipas europeias - quando aconteceu envolvendo, de forma muito próxima, o Benfica e a festa de despedida de Francisco Ferreira.
O primeiro desastre aéreo de que eu haveria memória e, infelizmente, não o último!
Como aprendi a gostar de futebol e a ouvir que a final da Taça dos Campeões Europeus de 1968, em Wembley, onde perdemos com o Manchester United representou, de algum modo, a compensação divina pelo desastre sofrido pela equipa inglesa, 10 anos antes, a 6 de Fevereiro de 1958, em Munique, onde faleceram 17 dos 38 passageiros do avião que se dali não conseguiu levantar.
Uma recompensa materializada nos 4-1 finais, com que Best, Stiles, Laws, Charlton & Cia, nos venceram, mas que atingiu o seu ponto máximo naquele golo não marcado no último minuto do tempo regulamentar, por Eusébio, que nos daria o terceiro título de Campeões Europeus...
Porque achamos sempre - já que os outros desastres aéreos desportivos andam longe da nossa realidade mais próxima, como o de 8 de Dezembro de 1987, em que morreram todos os jogadores do Club Allianza Lima (sobreviveu apenas o piloto entre 37 passageiros e 6 tripulantes), ou o de 27 de Abril de 1993, em que o mesmo sucedeu a todos os jogadores da selecção da Zâmbia (vitimando 25 passageiros e 5 tripulantes) - que isso não acontece a equipas de topo!
Muitas vezes, nos voos que nos levam aos jogos de vida ou de morte das competições europeias ou naqueles em que vamos acompanhando deslocações particulares da equipa, nos questionamos sobre essa possibilidade, logo afastada com a ideia que, indo ali quem sabemos ir,... isso não acontecerá.
Ou - simplesmente - para jogar nos Açores ou na Madeira...
Até percebemos que isso... pode acontecer.
A uns, muito poucos (como eu), caindo e sobrevivendo!
A outros, infelizmente, caindo...


Como, agora, com a Associação Chapecoense de Futebol!
E se a notícia, em si, é chocante, por brutal e desumana (embora saibamos ser a morte o que temos de mais certo), eu, que sempre fiz minha a ideia que «um homem não chora», começo a admitir a possibilidade de poder haver... excepções.


Não pela morte, em si - devastadora, inconformável e irreparável - mas pela onda de solidariedade que mereceu a tragédia.
Se «os campeões não morrem»,... «no dia em que o mundo chorou pela Chapecoense», confesso-me rendido aos sentimentos do futebol.
Desde a mensagem de Luís Filipe Vieira, expressando a solidariedade do Benfica, como «clube de valores, de afectos e de paixão...», passando pela disponibilidade de cedência de jogadores de outros clubes brasileiros e estrangeiros (onde se inclui o Benfica), até ao pedido, assumido por alguns emblemas que, durante três anos, a Chapecoense não possa descer de divisão.
Ou o desejo do Palmeiras, já campeão, ao pedir para jogar o último jogo (contra o Vitória da Baía, o do consagração do título alcançado) com as cores da Chapecoense, numa homenagem que tem já a anuência da respectiva marca de equipamentos, como prova provada que, também no futebol, há sentimentos para além do dinheiro...
E - sendo o futebol apontado como um dos exemplos maior da luta por títulos a qualquer preço - que dizer desse pedido do Atlético Nacional de Medellin, que nunca, nas anteriores 15 edições conquistou a Copa Sul Americana (a Liga Europa da América do Sul) para que o título fosse atribuído à Associação Chapecoense de Futebol, o pequeno clube de Chapecó, Santa Catarina?
E se a linha que separa a vida da morte é tão ténue, que dizer da mera opção de Caio Júnior (que o destino não quis que pudesse ver a «história acontecer»), o treinador com tantas ligações a Portugal, como referiu João Alves, no seu emocionado depoimento, à qual Marcelo Boeck deve a vida, possivelmente depois de ter ficado muito triste por não ser incluído na lista de convocados... para a tragédia?
Ou a prova de que, se as escolhas das equipas que entram em campo podem significar defesas, pontapés, cabeçadas, golos, tristeza, alegria, derrota, empate, vitória,... houve, pelo menos neste caso, uma opção que valeu a vida...
Porque, como diria o próprio Marcelo Boeck,... «os amigos dos meus filhos já não têm pais»!!!
Os pais dos amigos dos filhos do pai que jogava com os pais deles!
Ou a forma mais sentida para nos convocar, a todos para que (parafraseando, embora noutras circunstâncias bem menos difíceis, a declaração de John Kennedy, em Berlim, a 26 de Junho de 1963) possamos, hoje, afirmar... «somos todos Chapecoenses!!!»"

RGS in a bola

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