sábado, 11 de março de 2017

"FOI O PRESIDENTE DO BENFICA QUE DISSE QUE EU UM DIA SERIA O SEU SUCESSOR"


O director desportivo do Benfica, Rui Costa, explica assim a ligação do clube ao empresário Jorge Mendes: "é uma questão de os melhores clubes do mundo trabalharem com o melhor do mundo".
Ambiciona ser presidente do Benfica?
Isso é uma coisa que me é dita desde que entrei para director. Essa pergunta e essa frase que as pessoas dizem, que honestamente é algo que me deixa contente porque é sinal de confiança em mim, vieram do nosso presidente. Foi ele que um dia disse que eu seria o seu sucessor. Não é uma coisa que se pondere neste momento. Acho que todo o benfiquista, toda a gente que gosta de alguma coisa, sonha um dia ter o cargo mais alto dessa mesma coisa. É normal. Mas não é uma coisa que se possa pensar neste momento. Primeiro, porque temos um presidente que está a conduzir o clube com os resultados que estão à vista e não há como duvidar do projecto e do trajecto que tem sido feito. Não há que pensar numa mudança porque ninguém a quer. Depois, porque estou tão envolvido naquilo que tenho de fazer, de forma a contribuir para o sucesso do Benfica, que não posso pensar num horizonte de 40 anos quando este presidente já não o for.
O amor à camisola ainda existe?
Existe.
Neste momento, há jogadores no Benfica que ainda têm amor à camisola?
As pessoas confundem muito o que é o amor à camisola. Amor à camisola é representar com toda a nossa força o clube em que estamos a jogar. Eu não posso pedir a um estrangeiro que chega ao Benfica este ano que tenha o mesmo sentimento pelo clube que eu tenho. Isso deixou de existir.
As pessoas confundem o lado emotivo com o profissional.
Exactamente. Eu representei profissionalmente quatro clubes, o Fafe por empréstimo, o Benfica, a Fiorentina, o Milan e voltei ao Benfica. E, se há coisa de que me orgulho mesmo muito, é de hoje ir a Fafe e ser visto como um dos meninos que passou por lá e talvez ter o título maior de todos os jogadores que por lá passaram que é o de campeão do mundo de sub-20. Representei o Benfica e a ligação que tenho ao clube é esta, representei a Fiorentina e, se for hoje a Florença, tenho a certeza de que serei bem recebido, e da mesma forma em Milão. Onde é que quero chegar com isto? Eu, pelo facto ter chegado à Fiorentina sem nunca ter ouvido falar do clube, deixei de o representar bem? Isso é amor à camisola ou não? Amor à camisola tenho pelo Benfica, porque se não estiver a jogar vou para a bancada com a bandeira. Mas deixei de ter o mesmo comportamento com a Fiorentina que tive com o Benfica? Ou com o Fafe? Ou com o Milan? Não, e é por isso que sou bem recebido lá. Se for a qualquer destas casas, tenho as portas abertas. Quando uma equipa não ganha, o adepto vai buscar muito o amor à camisola e diz que no passado é que havia esse amor. Então vamos por outro lado. No passado, havia as transferências para o estrangeiro? Então, se calhar, o máximo era aquilo. É muito subjectivo estar a falar do amor à camisola porque há duas reacções que os adeptos têm quando a sua equipa não ganha: é falta de amor à camisola e é "os jogadores não correm". Isto é a primeira coisa que salta ao adepto de bancada e eu mostro dados de jogos do Benfica onde perdemos, em que os jogadores correram bem mais do que em jogos que ganharam. Repito. Não posso exigir a um estrangeiro que chega hoje ao Benfica o mesmo sentimento pelo clube que eu tenho, porque eu nasci cá dentro. A única coisa que posso e tenho de exigir é que eles tenham o maior respeito pela sua profissão e pelo clube que estão a representar e que dêem tudo por isso.
Enquanto director desportivo, qual foi o jogador que lhe custou mais perder?
Esta é a minha nona época como director e tivemos o privilégio e alegria de ir buscar grandes jogadores mas, pelo sucesso do clube, também tivemos aqueles dias em que tantos desses excelentes jogadores tiveram de partir por questões financeiras relacionadas com o clube ou com o próprio jogador. Há um pelo qual eu tenho um carinho especial, os outros não me levam a mal por isso, que é o Aimar. A alegria que senti a vê­-lo chegar..., até porque era o meu sucessor aqui enquanto camisola… Procurei escolher um sucessor à altura e quis, a todo o custo, que no ano em que eu deixasse de jogar a minha camisola fosse para um jogador de nível, tão bom ou melhor do que eu, e a escolha de toda a estrutura recaiu em Aimar. Lá está. Não podia pedir a Aimar que tivesse o mesmo amor que eu ao Benfica, mas tenho a certeza de que ele, até partir, deu tudo o que tinha por este clube. Isso é representar um clube, tanto pessoalmente com profissionalmente.
Mas o Aimar acabou por se reformar e houve outros que saíram no apogeu.
Há uns que não deviam começar a carreira e outros que não se deviam reformar… O Aimar era um daqueles que nunca se devia reformar. E que guerra a gente às vezes tinha, o Aimar hoje não está em condições, está machucado… ponha-me o Aimar em campo que ele, machucado, dá espectáculo na mesma. É um daqueles jogadores que transmite algo que outros não conseguem. Depois, temos feito subir à equipa jovens de grande talento e que – porque, infelizmente, Portugal é um país vendedor – duram pouco tempo cá. E não é só no Benfica que isso acontece. É o normal no futebol português e é uma pena, porque só temos oportunidade de ver durante pouco tempo esses talentos no nosso país.
Por falar em transferências, a ligação do Benfica ao empresário Jorge Mendes é inevitável?
Fala-se tanto do Jorge Mendes. O Jorge Mendes ganha os prémios de melhor empresário do mundo e trabalhar com os melhores do mundo é sempre uma vantagem. Não é uma questão de ser evitável ou inevitável, é uma questão de os melhores clubes do mundo trabalharem com o melhor do mundo.
Acha que o Benfica tem tirado vantagens por trabalhar com ele?
Obviamente.
O Sporting e o Porto são rivais ou inimigos?
São rivais. Eu vivi sempre o desporto com uma intensidade tremenda, mas sempre a ver a situação desportiva. São dois clubes que procuram anualmente o mesmo que nós e nunca tive inimigos nem num lado nem no outro.
O futebol italiano teve um período de apogeu e depois enfraqueceu. Este envolvimento em que os clubes estão, por um lado o "fair-play" financeiro, por outro as diferenças evidentes de orçamento que existem, como é que esta história vai terminar? Será na tal Superliga europeia?
Há que ter algum cuidado com essa Superliga europeia. O nosso presidente, ainda há pouco tempo, referiu isso e eu vou fazer eco da voz dele. Os clubes portugueses e não só, também os países da dimensão de Portugal em termos de futebol, terão de ter atenção a esta liga europeia, saber como ela é criada e em que moldes. É um risco que o futebol português corre. Espero que os países como Portugal, a Holanda e a Grécia, por exemplo, possam ter a mesma oportunidade que outros de lutar por esses objectivos e não serem quase excluídos das competições principais. Quanto ao futebol italiano, teve uma quebra grande em termos financeiros, um pouco pelo aparecimento dos novos ricos ingleses e de outros clubes como o Paris Saint-Germain. E onde se consegue perceber a quebra do futebol italiano, além de ter diminuído a fornalha de bons jogadores italianos em termos qualitativos e quantitativos, é constatar que, até aos anos 2000, a imagem que se tinha era esta: Espanha e Inglaterra ficam com os estrangeiros que Itália não quer, salvo raras excepções como Real Madrid, o Barcelona ou o Manchester United. Hoje é ao contrário. Todos os que são Bola de Ouro vão para Espanha ou Inglaterra. E onde se percebe que algo se está a passar é quando o Zidane sai da Juventus para o Real Madrid. O Zidane era Bola de Ouro, era quase impensável, fosse por que dinheiro fosse, um clube italiano perder um jogador para uma liga concorrente. Depois mete-se o "calciocaos", a Juventus na segunda divisão, as duas milanistas com menor fulgor e começa a perceber-se a queda do futebol italiano. Não penso que seja duradoura e creio que Itália vai procurar esta igualdade novamente. Não é um processo fácil, a menos que comecem também a surgir investidores no futebol italiano, mas acredito que este fosso não irá durar muito tempo.
Como é que um jogador se sente enquanto bem transaccionável?
Não gosto muito de usar a expressão "vamos vender este ou comprar aquele". Gosto mais de "vamos transferir o jogador A ou B", do que "vamos comprar ou vender", porque o jogador não é carne humana. Tem de haver algum respeito por isso. Mas, no fundo, trata-se de uma linguagem simplista e não de uma linguagem ofensiva. Até porque, no momento em que uma equipa está a pensar numa transferência, o jogador também está. Nem sempre se chega a consensos, por vezes o clube quer uma transferência que o jogador não quer ou o contrário, nem sempre é fácil, mas há que encarar isso como fazendo parte da nossa profissão. O clube tem de escolher aquilo que acha ser melhor para si, seja fazer a aquisição, a cedência ou a transferência de um jogador, e o jogador, nesse preciso momento, também está preocupado em saber qual é o seu o futuro.

In Negócios

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