domingo, 21 de maio de 2017

UM AZAR DO KRALJ


Pelas velhas tecnologias: memórias de um videoadepto tetracampeão (por um Azar do Kralj)
Agora que as contas estão encerradas, Vasco Mendonça e Nuno Dias escrevem sobre os tempos que passaram e devolvem a glória a quem de direito: aos plantéis dos vários campeões nacionais
Numa altura em que muito se discute a introdução de novas tecnologias no futebol, importa dizer duas coisas: em primeiro lugar, o videoárbitro parece ser uma ideia interessante. Os árbitros cometem erros e parece-me que eles serão os primeiros interessados em reduzir o número de decisões erradas. Mas calma. Não se julgue que o comentarismo desportivo tem os dias contados. Os erros continuarão a acontecer. Folclore não vai faltar. Nunca falta. Quando não há, inventa-se. Em segundo lugar, uma convicção que alguns acharão ingénua ou devolverão sob a forma de insulto. Já estamos habituados, por isso aqui vai. Nenhum videoárbitro jamais irá pôr em causa o essencial: 99 em cada 100 campeões são justos vencedores. Não haverá nova tecnologia que nos salve deste corolário, e ainda bem.
Esta é uma ode à velha tecnologia. A melhor. Existe há muito, pelo menos desde que me lembro. Ando aqui há 35 anos e passei os últimos 29 a ver futebol. Ainda me lembro. Foram muitos serões de Domingo Desportivo sentado ao lado do meu pai a ver os golos da primeira, às vezes da segunda divisão. Pouca conversa de peixaria, tempo suficiente para acomodar a poesia de Gabriel Alves ou José Nicolau de Melo, e muitos golos, mesmo que fossem poucos. No final, cada um tirava as suas conclusões e ia dormir. Não havia Facebook nem Twitter nem fóruns nem anónimos nem influenciadores nem colunistas. No dia seguinte, talvez se falasse disso no café. Não havia especialistas de pacotilha. Hoje, são mais que muitos. Experimentem dar um pontapé numa pedra da calçada e o mais provável é sair de lá um sábio do futebol. São demasiados. Já só falta decretar a morte dos especialistas.
No início, tecnologia era coisa pouca. Videoárbitro? Juízo. Só existia uma verdade: a do videoadepto. Se seguirem as instruções de configuração, funciona lindamente. Tem espaço ilimitado de armazenamento no cérebro, uma velocidade de processamento razoável, e muitos poucos ecrãs azuis. O videoadepto funciona ligado a uma televisão ou ligado às suas memórias. Não recebe um tostão por isso e não é necessária uma petição para a introduzir novamente no futebol português. Basta algum bom senso. Permitam-me por isso que rebobine até ao início do século e partilhe as minhas memórias de justíssimos campeões, ordenadas cronologicamente.
SPORTING CLUBE DE PORTUGAL
Campeões em 99/00. Peter Schmeichel à baliza, um dos meus jogadores favoritos. Para além disso, reforçaram-se bem. M’penza, César Prates, André Cruz. Não eram génios, mas resolveram muitos problemas juntamente com Iordanov, De Franceschi ou o mítico Beto Acosta. Lembro-me bem do festão que foi em Lisboa. Último jogo em Paranhos, vitória por 4-0. Bela equipa, dadas as circunstâncias. Interessante como um plantel que talvez pareça inferior a muitos outros, com um treinador menos sonante, foi ainda assim capaz de conquistar o ansiado título, mesmo após uma derrota com o Benfica. Só um parêntesis: não sei se aquilo que vou dizer é verdade, mas o melhor de todos eles era Pedro Barbosa. Ninguém disse que as memórias de um videoadepto eram rigorosas.
Campeões novamente em 2001/02. Que banho de bola. João Vieira Pinto e Jardel, uma das melhores duplas da história do futebol português, jogavam de olhos vendados. O pézinho esquerdo de Hugo Viana, o futebol de Pedro Barbosa, Ricardo Quaresma a despontar. Não me lembro se passearam, mas tinham equipa e futebol para isso. Mais uma noite de festa em Lisboa. Na altura custava um bocadinho ver os meus amigos sportinguistas celebrar. Por falar em sportinguistas: os adeptos do Sporting Clube de Portugal chateiam-se muito com o Kralj porque nós gostamos de brincar com algumas figuras da vida actual do clube, mas a verdade é que os sportinguistas são uns adeptos do caraças. Têm um amor ao clube que nem todos teriam ou tiveram quando a sua equipa ganhou menos vezes. Têm uma dedicação enorme ao clube. Têm uma paixão dos diabos. São rivais lisboetas e isso ultimamente tem dado para o torto. É uma parvoíce. Nós também brincamos, mas ao contrário de que alguns pensam, não para incendiar. Alguns sportinguistas talvez pensem que tudo isto é uma provocação para terminar com uma piada sobre x anos sem ganhar um título. Nada disso. Lamento.
BOAVISTA

Até ao joelho era canela, até ao golo só dava Boavista. Vi muito pouco equipas em Portugal com esta vontade de compensar em garra o que por vezes faltava em graciosidade. Intimidaram todos os seus adversários sem deixarem de jogar à bola. Foi das coisas mais bonitas que aconteceu no futebol português. Pena não haver um campeonato mais competitivo que permita a outros serem campeões. Clubes como o Sporting de Braga ou o Vitória de Guimarães merecem uma festa igual à que aconteceu no estádio do Bessa.
FUTEBOL CLUBE DO PORTO

O que dizer? Ganharam tudo o que havia para ganhar, tri, tetra, penta, e fora do país fizeram-no mais do que uma vez. Mentiria se dissesse que não os invejo pelas conquistas que obtiveram nas últimas décadas. Muito se fala sobre a fruta, mas as minhas memórias de videoadepto do FC Porto são os seus muitos grandes jogadores: os carecas todos (quero lá saber da história do doping), Kostadinov, Drulovic, Domingos, Jardel, Hulk, James, Falcão Deco, Maniche, Deco e finalmente Deco. Aquela espécie de penálti contra o Mónaco na final da Champions é um dos meus golos favoritos. Pareceu fácil. Nem num jogo a brincar conseguiríamos fazer igual. O Porto ganhou demasiados títulos para os contabilizar aqui um por um. Teve o Apito Dourado e mais uns mil casos em muito parecidos com aqueles que agora se atribuem ao Benfica. Tudo discutível, tudo folclore. Podíamos passar os próximos 10 anos a falar sobre isso e seria irrelevante. O Porto criou uma dinâmica vencedora visível no campo. Foi dominador. Celebrou várias vezes no estádio da Luz de uma forma humilhante para o Benfica. Pior que o ceguinho, só aquele que não quer ver. Perderam fulgor nos últimos anos, e ainda bem. Afinal de contas, isto é um texto de um benfiquista. Mas eles, Porto, são mesmo a tal nação de que os próprios adeptos tantas vezes falam, e são os maiores representantes do futebol português fora de portas nos últimos 30 anos. Não viram o mesmo? Rebobinem. As velhas tecnologias só falham se nós quisermos.
SPORT LISBOA E BENFICA

Campeão sem saber ler nem escrever no ano do Trapattoni. Uma das noites mais felizes da minha vida. Não jogámos muito, mas chegou para ganhar. E foi tão bom, depois de tantos justos campeões e tantas equipas nossas recheadas de justos vencidos.
E depois mais um título, e depois outro, por entre vitórias consecutivas do Porto. A verdade é que faltou quase sempre um danoninho ou um iogurteira inteira para lá chegar. Fomos encontrando bodes respiratórios, como dizia o outro. E agora olhem: não há bode que nos valha nem nós precisamos dele, porque somos tetracampeões nacionais. Pela primeira vez na história do clube. Limpinho limpinho. Sem espinhas. Com elevada nota artística. Com estrutura, sem estrutura. Como preferirem. A nós, benfiquistas, só nos resta voltar a invadir a cidade que nos viu nascer e fazer a festa. Talvez o videoadepto um dia aceite e reconheça tudo isto, mesmo que a festa não seja sua. Continuo a acreditar que as velhas tecnologias são as melhores.

1 comentário:

  1. Tenho batido palmas a muitos dos post´s do "Um azar do Krajl".
    Sobre este, direi que nem o tal Marques da agremiação corrupta lavaria tão bem o que foi o reinado da dita!

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