sábado, 3 de junho de 2017

PARA QUEM INTERESSA MESMO O FUTEBOL


"O Benfica receberá, em direitos televisivos, cerca de cem vezes mais do que o Nacional, mas menos de metade do último classificado inglês...

O tema foi abordado de forma exaustiva na última Quinta da Bola, n'A Bola TV, e julgo que vale a pena regressar a ele. Trata-se de uma questão crucial para o futebol português e que se prende com o financiamento dos clubes profissionais nesta pré-história nacional de livre e desregulada concorrência, de ausência de normas capazes de equilibrar minimamente a competição, de defender o espectáculo, de criar mais interesse, mais público, mais espectadores e tornar, enfim, sustentável o negócio do futebol e oferecer-lhe outra perspectiva cultural.
Percebemos que a realidade inglesa nada tem a ver com a realidade portuguesa. Mas para termos uma ideia comparativa entre o paradigma de uma grande organização profissional de futebol que é a liga inglesa e a realidade de uma organização que é apenas a soma avulsa das mais egoístas vontades dos seus principais clubes, como é o caso da Liga portuguesa, vale a pena fazer notar que o Benfica, campeão nacional pela quarta vez consecutiva, maior clube português em associados e adeptos e mais gerador de audiências no futebol português, receberá, na próxima época desportiva, qualquer coisa como 40 milhões de euros em direitos televisivos. Sendo que este valor representa menos de metade dos direitos televisivos que o Sunderland último classificado da Premier League e que disputará na próxima época a divisão secundária irá receber.
E dirão justamente os leitores mais atentos: mas a dimensão do futebol inglês, que vai distribuir este ano pelos seus clubes profissionais, mais de 2 mil milhões de euros não se pode comprar com o futebol português. Verdade. Mas o que mais impressiona na natureza e na filosofia de negócio do futebol em Inglaterra, para além da dimensão única dos valores, é a maneira como eles são distribuídos. Cinquenta por cento do bolo total é dividido por todos de igual maneira. Depois 25 por cento é repartido consoante as audiências que cada clube gera e os outros 25 por cento dependem da classificação. Parece justo, parece óbvio e parece ser determinante para o necessário equilíbrio competitivo.
De facto, a relação da diferença total de valor de direitos televisivos entre o que recebeu o primeiro classificado, o Chelsea, e o último, nesta época o Sunderland, é apenas de 1,6. A diferença, em Portugal, entre o campeão, Benfica, e o último classificado, o Nacional, que desceu de divisão, passa a ser de 40 milhões para menos de 400 mil euros. Estamos a falar de cem vezes!
Obviamente que a rica e até esplendorosa realidade inglesa não é exportável para a pobre realidade portuguesa, mas podem e devem ser exportáveis os princípios: «Tudo pelo futebol, nada contra o futebol», sabendo-se que o futebol não é apenas o jogo.
O jogo, aliás, é o que mais tem de estimável o futebol português. Mérito indiscutível dos seus principais protagonistas. Além disso, a capacidade de gestão em alguns clubes, por onde passa a boa estratégia da formação de jogadores e de pesquisa de novos talentos.
O resto é a indigência. Do universo disciplinar, que procura apenas copiar os vícios da justiça civil e se cobre de ridículo em cada processo, à impunidade de uma agressividade selvagem de dirigentes e de claques, passando por uma cultura generalizada de desrespeito pelo adversário e pelo espectador, preferindo o benefício de quem fica em casa a ver o jogo na televisão, o que sugere, aliás, uma dramática capitulação dos interesses do futebol aos interesses de outras poderosas entidades que ganham dinheiro com o futebol.
Como mudar isto? Não acredito na autoregulação do sector, mas acredito na mudança pela urgência da necessidade. Em breve.
(...)"

Vítor Serpa, in a bola

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