quinta-feira, 12 de outubro de 2017

DEZ ANOS À FRENTE E OUTRAS QUESTÕES


Há frases que são ditas para produzir um determinado efeito. Quando Luís Filipe Vieira enunciou que o Benfica tinha dez anos de avanço sobre os seus rivais – falando, claro, da organizaçao e da forma como o clube estava estruturado – isso visou dar conta da excelência do trabalho produzido no consulado do atual presidente mas, não nos iludamos, mostrar também a fragilidade das organizações dos adversários que teriam sido (e foram) incapazes em muitos domínios de se modernizarem ou, "simplesmente", de acompanharem o passo do Benfica. Vieira, nesse desenho, quis enfatizar outro ponto: o futebol, sejam jogadores, seja a equipa técnica, é instrumental. O primado é o da macroestrutura e o centro é ele mesmo. Esta época, mesmo que acabe bem, revelou que o líder das águias estava enganado ou que, no mínimo, minimizou a importância do futebol e da microestrutura que está diretamente ligada ao plantel, sendo a equipa técnica uma parte relevante desta equação. Julgo que a mudança de algumas peças e a forma como essa mudança sucedeu está na base de várias decisões erradas.
Como entender, por exemplo, o que está a acontecer com a baliza do Benfica? Como classificar a situação ridícula de um guarda-redes, apresentado como o futuro do clube, que vem da bancada do Atlético de Madrid (não do banco), treina no Seixal e acaba em Braga? E, ainda na baliza, como entender – senão como uma necessidade – a recente contratação feita na Grécia? Será isto um procedimento de um clube com uma organização à prova de bala?
A mesma questão é válida para a posição -chave de defesa central porque não é preciso ser um analista de exceção para entender que o Benfica tinha um problema e estava a acreditar excessivamente, como em anos anteriores, nos jovens que tinha em casa e nos valores seguros do plantel. Está à vista o resultado desse exercício de fé.
Sobre a equipa há estes dois casos exemplares amplamente discutidos. Mas não são os únicos. A ideia que fica é a de que Luís Filipe Vieira minimizou os perigos, não levou a sério o esforço e o método dos adversários e tendo colocado o foco na questão do passivo nem sequer nesse domínio conseguiu resultados assinaláveis. O Benfica tem boas contas, mas seria expectável que tivesse contas muito melhores.
Subsiste a pergunta: está ou não o clube "dez anos à frente"? À frente está. Os resultados são o barómetro e os resultados falam por Vieira, mas, como na canção, dez anos é muito tempo. Se o Benfica estiver, por exemplo, duas épocas em branco tem que começar (quase) tudo outra vez. Ao menos aos olhos dos adeptos. E a receita também vem, em grande medida, dos adeptos. O futebol é implacável. Há cinco anos o FC Porto ainda era a força dominante em Portugal e veja-se como tudo mudou. Pode mudar outra vez.
O valor da marca FPF
Com Portugal presente desde o início deste século na fase final de todas as grandes competições não falta dinheiro à FPF. Mas o dinheiro em si não chega para criar uma organização de topo. A Federação tornou-se uma organização profissional e sofisticada, capaz de encontrar soluções criativas e que tornem mais fácil o trabalho coletivo. Agora é simples falar da operação Andorra num avião da Força Aérea, mas nunca ninguém o tinha feito. A FPF é agora uma organização inovadora e com capacidade de mobilização, que entendeu que o futebol toca o coração das pessoas. Incluindo o de Madonna. E alimenta essa dinâmica coletiva num quadro em que há mais praticantes, mais provas e em que os ramos ditos secundários – futebol feminino, futsal ou futebol de praia – se afirmam. Se pensarmos que Fernando Gomes é hoje um dos principais executivos do futebol mundial, na UEFA e na FIFA, paramos na questão habitual: tudo isto está a ser construído apesar das velhas e intestinas guerras do futebol doméstico que Gomes, em concreto, está a tentar eliminar. Um feito.
Messi. Sublime, como só ele, no decisivo embate com o Equador, Lionel Messi calou os críticos das suas atuações pela selecção argentina e, literalmente, colocou o país no Campeonato do Mundo da Rússia. Mesmo sendo jogos com enquadramento distinto, fez lembrar o feito de Cristiano Ronaldo há quatro anos contra a Suécia no playoff que nos levaria ao Brasil’2014. Será uma bênção para os adeptos poderem ver na Rússia um artista de talento tão invulgar quanto Messi. E foi sobretudo esse aspeto que o presidente da FIFA quis destacar. Não vale a pena ver na entrevista de Gianni Infantino uma polémica que não existe.
Ronaldo. Batido em cima da meta pelo letal polaco Robert Lewandowski, Cristiano Ronaldo marcou 15 golos nesta fase de apuramento e revelou, em todos os jogos, sem exceção, a sua capital importância para a equipa e para o futebol português. Por quantos mais anos teremos Cristiano Ronaldo a este nível? Em quantas mais fases finais? A questão tem que entrar no nosso horizonte porque, mesmo com muito talento emergente, houve um futebol em Portugal antes de Cristiano Ronaldo e haverá outro depois dele.
Nuno Santos, in Record

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