terça-feira, 12 de dezembro de 2017

POLVO-TROCA TINTAS!!!


"Interessante reler os relatórios dos inspectores da Polícia Judiciária durante aquele que ficou conhecido como Processo Apito Dourado. Na mesma época, três árbitros em meninos-bonitos para o clube do costume e garantiam, resultados convenientes.

Diz uma velha pilhéria que, passeando um belo dia pelo Chiado, Cesário Verde, ouviu a seguinte provocação: 'Lá vai o Cesário Vermelho!'
Teve resposta na ponta da língua: 'Lá vai o troca-tintas!'
Quando alguém resolve escrever um livro chamado Polvo Encarnado, além de ter obrigação de o escrever sem erros de ortografia e sintaxe, que são às dezenas, deveria ter cuidado de não se transformar num troca-tintas.
Mas cada um se enfia nos buracos que lhe apetece, como está bem de ver.
Quando se fala em polvos no futebol português, vale a pena perder algum tempo a estudar aquele que ficou conhecido como Processo Apito Dourado.
É prestar atenção à investigação feita, mesmo que certas manigâncias de pormenor tenham empurrado as decisões judiciais para becos sem saída, sempre tão convenientes para determinados magistrados que gostam de assistir a jogos nos camarotes presidenciais, e num desses camarotes em particular.
Vamos, hoje, trazer às memórias mais esquecidas certas conversas escutadas entre o presidente do FC Porto, Pinto da Costa, e Pinto de Sousa, nas quais, segundo os inspectores da Polícia Judiciária, foi claro o entendimento entre ambos sobre qual seria o melhor árbitro para dirigir a final da Taça de Portugal da época 2002/2003 que opôs o FC Porto à União Leiria.
Perante a clareza dessas escutas, os investigadores ficaram com a certeza de que quem de facto nomeara o árbitro Pedro Henriques para essa final fora Pinto da Costa, exercendo a influência que detinha sobre o presidente do Conselho de Arbitragem da FPF. Uma escolha que valeu mesmo, como se pode ver pela leitura das sessões de conversações, a manipulação da classificação dos árbitros de forma a que Pedro Henriques pudesse ocupar uma posição 'nomeável', já que é prática serem escolhidos para a final da Taça de Portugal os árbitros mais bem classificados no final de cada época.

Não ficou por aqui...
As escutas continuam aí para que não queiram fazer-lhe ouvidos moucos.
Em Agosto desse ano, no início da época seguinte, e para o jogo da Supertaça que punha frente a frente, de novo, FC Porto e União Leiria, vencedor e finalista vencido da última Taça de Portugal, o processo repetiu-se, sendo agora o árbitro Pedro Proença o favorito do presidente do FC Porto para dirigir o referido encontro. Pedro Proença viria a estar em foco pelos piores motivos ao validar o golo da vitória (1-0) do FC Porto num lance muito polémico no qual Costinha carregou o guarda-redes leiriense Helton.
Também já no decorrer dessa época, o percurso do FC Porto na Taça de Portugal foi considerado suspeito pelos investigadores. Veja-se o que reporta um relatório intercalar da responsabilidade do inspector Casimiro Simões em relação à matéria.
FC Porto - Maia (17/12/2003): «Este jogo, da 5.ª eliminatória, foi arbitrado por Nuno Almeida, da Associação de Futebol do Algarve. O presidente do Conselho de Arbitragem escolheu este árbitro depois de auscultar o presidente do Futebol Clube do Porto. De facto, Pinto da Costa deu o seu aval à nomeação, referindo-se a Nuno Almeida como sendo 'um bom árbitro'. O nome de um dos árbitros assistentes, Paulo Januário, foi também escolhido de comum acordo com Pinto da Costa. O dirigente portista até acrescentou: 'Está bem, ajuda!' O FC Porto venceu por 3-0».
Rio Ave - FC Porto (11/2/2004): «A contar para os quartos-de-final da Taça de Portugal, realizou-se este jogo que foi arbitrado por Martins dos Santos, auxiliado por António Perdigão e António Neiva.
Na véspera do jogo, Adriano Pinto, presidente da Associação de Futebol do Porto, ligou para o árbitro Martins dos Santos e de forma algo 'encapotada' averiguou se Martins dos Santos estaria preparado para beneficiar o FC Porto (...) Martins dos Santos tranquilizou Adriano Pinto: 'Diga aos nossos amigos que... o senhor para mim é como um pai, e, como tal, eu não me esqueço... (...)'»
Fica ainda a ideia de que Martins dos Santos foi nomeado para a inauguração do Estádio do Dragão (a 16/11/2003) como prémio de anteriores benefícios ao Futebol Clube do Porto. De facto, nas vésperas da inauguração do estádio, segundo Adriano Pinto, os dirigentes do Futebol Clube do Porto teriam eventualmente pensado num árbitro para arbitrar o jogo inaugural. No entanto, alegadamente, teria sido Adriano Pinto a chamar os dirigentes portistas à razão e, com 'justiça', pedir que fosse Martins dos Santos a inaugurar o estádio: «A certa altura eu zanguei-me, porque não queriam... deixar o senhor inaugurar o campo. (...) Tive de dar um murro na mesa para voltar a ser você (...) Eu sou contra a ingratidão, você sabe bem disso...»
O FC Porto venceu a partida por 2-1.
Após o jogo, Lourenço Pinto, advogado e amigo de Pinto da Costa, foi jantar com o árbitro Martins dos Santos. Pinto da Costa, sabendo que Lourenço Pinto estava com Martins dos Santos, ligou ao advogado para soltar uma 'piada' sobre a actuação do árbitro, uma 'piada' em que Pinto da Costa deu a entender que estaria à espera que a sua equipa fosse beneficiada: «Esse senhor, hoje, devia ter marcado quatro penalties  a nosso favor...»
No dia seguinte ao jogo, Martins dos Santos esteve a falar com Carlos Carvalho, da Associação de Futebol do Porto. A propósito da sua pontuação nesse jogo, Martins dos Santos soltou o seguinte desabafo: «O que eu queria era que me corresse bem o jogo... (...) Que me corresse bem e que ganhasse quem ganhou.»
Nestas coisas de polvos, é bom ter memória.
Haverá sempre alguém pronto a recordar momentos que deveriam ter ficado como exemplo do que é controlar um edifício como o do futebol.
Cá estaremos para que não caiam no esquecimento..."

Afonso de Melo, in O Benfica

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