terça-feira, 23 de janeiro de 2018

O MILAGRE DA MULTIPLICAÇÃO DOS CRAQUES


Rui Vitória demorou a estabilizar mas uma vez chegado a uma fórmula constante, a um onze-base como dantes se dizia, a equipa inverteu o sentido de uma época que chegou a parecer condenada ao insucesso. A frase que acaba de ler não é de hoje, escrevi-a vai para dois anos – está em livro, é fácil confirmar - a propósito da forma como o Benfica chegou ao primeiro título com Rui Vitória na Luz. Enunciava então as cruciais inclusões na equipa de Renato Sanches e Pizzi, na linha do que voltou a acontecer agora, desta vez com Krovinovic a juntar-se a Pizzi, o que, somado a um quase tão relevante regresso de Grimaldo à competição regular, fez multiplicar o talento no onze encarnado. Acrescentei então também como “evidente que o técnico encarnado aposta muito na liberdade criativa das suas individualidades quando em posse de bola, entregando a opção ofensiva à capacidade de decisão dos seus jogadores”. Nada de particularmente novo está pois a acontecer. Rui Vitória é o mesmo, entre méritos e deméritos, e segue o método de ensaio e erro como um chefe de cozinha que apura o tempero, até que os resultados se aproximem mais do exigível. Claro que pelo caminho se vão perdendo pontos e provas, mas na mais longa, o campeonato, e principalmente se os adversários o permitirem, há sempre mais tempo para entrar nos eixos.
A constatação está feita: o Benfica melhorou, algo evidente aos olhos de todos. Vale a pena buscar as causas desse crescimento, quase um imperativo moral para quem tantas vezes denunciou a menor qualidade de jogo coletivo das águias. Já aludi no parágrafo anterior ao mais relevante, o aumentado do número de jogadores no onze principal que tomam boas decisões com bola. Com o regresso de Grimaldo e a inclusão de Krovinovic, sem que tivessem de sair da equipa nem Jonas nem Pizzi, o jogo encarnado passou a ter um critério que era impossível sem eles, que os craques verdadeiros, os que têm talento criativo, decidem melhor e improvisam soluções. Na ligação com Grimaldo e Krovinovic, também Cervi melhorou muito, e numa equipa que obriga os adversários a preocuparem-se com o corredor esquerdo, até Pizzi e Salvio (e André Almeida) foram beneficiando de mais espaço e melhoraram o rendimento. Não, ainda não me parece que haja mudanças evidentes no processo coletivo, mesmo se se, com mais um médio, melhorou o equilíbrio defensivo e se tornou mais eficaz a reação à perda de bola. É mesmo possível que Rui Vitória, ele próprio, acabe por se sentir melhor no trabalho com base neste sistema (1x4x3x3) que foi o que mais usou nas experiências vividas em Paços de Ferreira e Guimarães. Essencialmente a melhor receita começa sempre por ser a de colocar os melhores jogadores em campo, por maioria de razões num campeonato desequilibrado como o português e quando se tem à disposição qualidade muito maior que a dos opositores (o que é válido para qualquer dos três grandes e até para o Braga). Os talentos verdadeiros reconhecem-se e mais depressa chegam às melhores rotinas. E é particularmente significativo que seja com jogadores criativos e todos abaixo de 1,80 m – Grimaldo, Pizzi, Salvio, Krovinovic, Cervi e Jonas (e mais Zivkovic, Rafa ou João Carvalho como opções) que o Benfica constrói a recuperação na temporada, quando tantos adeptos e analistas reclamavam mais músculo e centímetros. Aliás, mesmo Rui Vitória foi dando recorrentemente sinais de preferência por jogadores mais poderosos e acelerativos, fosse no lançamento estapafúrdio de Buta, na aposta prematura em Diogo Gonçalves ou na insistência em Samaris quando em situações de vantagem.
A equipa recuperou a confiança, os adeptos voltaram a acreditar e o calendário aliviado da presença europeia e nas taças até parecia favorecer teoricamente o tetracampeão. Só que, quando tudo apontava para uma segunda metade de época de bom nível em contraste com a carreira produzida até Dezembro, surge o choque com a lesão grave de Krovinovic, o homem que - associado aos golos de Jonas – é bem o símbolo dessa revolução na temporada das águias. O jovem croata decide bem em quase todos os lances, trava e pensa quando tal se impõe, acelera e rompe quando há espaço, passa com qualidade e no tempo certo. Normalmente ainda não tocou na bola e já sabe que destino lhe vai dar. Não há muitos assim. Não é difícil prever, apesar do infortúnio, esteja dentro de um ou dois anos a jogar numa equipa do mais alto nível europeu. Claro que o Benfica tem outras soluções no plantel, que esta pode ser a oportunidade de João Carvalho ou mesmo de Zivkovic a colocar o talento em zonas mais interiores. Serão esses, muito mais que Samaris ou Felipe Augusto, e mais uma vez pelo que podem dar de qualidade com bola, que podem tornar menos dramática a perda de jovem croata.
Carlos Daniel é jornalista na RTP e escreve no Bancada às segundas-feiras.

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