quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

TRÉS TRISTES CASOS!


"Poderíamos escrever páginas infinitas sobre o Processo Apito Dourado, a maior bandalheira do futebol português, para usar a terminologia de um presidente de clube profundamente envolvido nesse caso. Durante algumas semanas descrevemos aqui momentos de uma investigação que trouxe à superfície elementos vergonhosos. Terminemos com três casos demonstrativos do que é tráfico de influências no seu sentido mais puro.

À medida que as investigações prosseguiam, ficava claro para a Polícia Judiciária que a pedido do presidente do FC Porto, Jorge Nuno Pinto da Costa, Valentim Loureiro usava a sua influência junto dos juízes da Comissão Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional para obter decisões favoráveis a casos pendentes. E, ao lermos o processo, deparamos com exemplos significativos como o 'caso Deco', o 'caso Maniche' e o 'caso Mourinho/camisola de Rui Jorge'.
Expliquemos cada um desses casos.
'Caso Deco' - No final 29 de Outubro de 2003, Valentim Loureiro dá a entender a Pinto da Costa que estará pronto a interceder para reduzir a pena do jogador Deco, expulso no decorrer do jogo entre Boavista e FC Porto, disputado no dia 27 de Outubro, e durante o qual, num momento de irritação, atirou uma bota na direcção do árbitro da partida, Paulo Paraty.
Escrevo o inspector Casimiro Simões no seu relatório: 'A 30/10/2003, Valentim Loureiro pediu ao dr. Emanuel Medeiros, da LPFP, que lhe descobrisse o nome do juiz a quem tinha sido entregue o processo disciplinar de Deco. Valentim Loureiro pretendia saber se o relator era 'algum gajo assim acessível'.'
Entretanto, Pinto de Sousa falou com o árbitro do jogo em questão, Paulo Paraty, tendo-o convencido a evitar colocar a expressão 'agressão' no relatório do jogo. Paraty terá garantido que utilizaria o termo 'comportamento incorrecto', tendo em seguida Pinto de Sousa transmitido a Pinto da Costa o teor desta conversa.
'Nas sessões 1431 e 1434 do alvo 1A596, o presidente da LPFP falou mesmo com o juiz desembargador a quem foi distribuído o processo. Valentim Loureiro deu-lhe conta da conversa que tivera com Pinto da Costa e depois combinaram encontrar-se pessoalmente para falarem da pena a aplicar a Deco. Pelo teor da conversa, fica a ideia de que o juiz não iria decidir nada sem conversar primeiro com Valentim Loureiro. Na sessão 1435 do alvo 1A596 (Apenso VI, fl. 107), Valentim Loureiro contou ao seu filho João Loureiro que Pinto da Costa admitia perfeitamente uma punição de 2 ou 3 jogos de suspensão para Deco, por se tratar aliás da pena mínima prevista para este tipo de situações. E acrescentou que iria discutir pessoalmente o assunto com o juiz desembargador que tinha o processo. Deco viria a ser efectivamente suspenso por 2 jogos.'
Este caso fez com que o presidente do FC Porto se desdobrasse em manobras junto de determinada Comunicação Social, promovendo através de jornalistas amigos a ideia de que Deco, aborrecido com a situação em que se vira envolvido, estaria disposto a recusar a chamada à Selecção Nacional.

Mas houve mais...
'Caso Maniche' - No dia 5 de Janeiro de 2004, Valentim Loureiro contactou um juiz desembargador da Comissão Disciplinar da LPFP, Gomes da Silva, procurando saber como iria ser decidido o processo disciplinar intentado pelo Sport Lisboa e Benfica contra o presidente do FC Porto. Argumentava o Benfica que o presidente do FC Porto tinha aliciado o seu jogador Maniche numa altura em que este ainda tinha contrato válido com o clube da Luz.
O juiz garantiu-lhe que o processo seria arquivado e que Pinto da Costa já sabia dessa decisão. Constatou a investigação que, no decorrer de uma sessão de agradecimento, Pinto da Costa ofereceu a Valentim Loureiro um valioso relógio em ouro.
'Caso Mourinho' - No dia 4 de Fevereiro de 2004, Valentim Loureiro contactou o juiz desembargador que presidia à Comissão Disciplinar da LPFP, fazendo-lhe o pedido para que recebesse Adelino Caldeira, administrador da SAD do FC Porto, no sentido de poderem conversar sobre o processo disciplinar movido contra José Mourinho, treinador do FC Porto e acusado, no final de um encontro entre Sporting e FC Porto, em Alvalade, de ter insultado e rasgado a camisola do jogador do Sporting Rui Jorge.
O juiz concordou sob a condição de o encontro entre os três não ser divulgado. Acrescenta o inspector Simões: 'Pela hora da sessão (14h06), pode presumir-se que Valentim Loureiro realizou este telefonema a pedido de Jorge Nuno Pinto da Costa. De facto, a sessão 10476 do mesmo alvo indica-nos que Valentim Loureiro e Pinto da Costa se encontraram à hora de almoço'.
Vejamos o que se escreve no relatório da Polícia Judiciária: 'A 2/2/2004, três dias após o jogo, Adelino Caldeira, jurista do Futebol Clube do Porto, tomou conhecimento de que um delegado da LPFP, identificado como 'Paulino', de Braga, destacado para acompanhar o jogo acima referido, elaborava um relatório a descrever em pormenor a história da 'camisola'. Adelino Caldeira avisou de imediato o presidente do Futebol Clube do Porto avisando-o de que, se o delegado fosse ouvido pela Comissão Disciplinar da LPFP e corroborasse o conteúdo do relatório, o treinador do Porto arriscava-se a ser punido com uma sanção disciplinar pesada. Para obstar a essa eventual penalização, Adelino Caldeira aconselhou Pinto da Costa a arranjar uma maneira de convencer aquele delegado a declarar que não teria testemunhado nenhum dos factos e que se limitara a relatar o que alguém lhe havia contado. (...) A 5/2/2004, Adelino Caldeira informou o presidente do Futebol Clube do Porto de que afinal o delegado alterara a sua versão inicial: que no relatório havia declarado que não tinha presenciado nenhum dos facto e que tinha sido um dirigente do Sporting a contar-lhe os pormenores da situação. Adelino Caldeira e Pinto da Costa concluíram: 'Melhor do que isto é impossível!'.
Ficaram, para que nunca ninguém se esqueça, registadas nessas escutas as expressões utilizadas por Pinto da Costa em relação ao roupeiro Paulinho, do Sporting.
A baixeza das ditas leva a que não as traga até aqui.
Até para a bandalheira devia haver limites..."

Afonso de Melo, in O Benfica

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