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sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

CRÓNICA DE RUI GOMES DA SILVA


Só é vencido quem desiste de lutar.
No Porto, começam a perceber que não se trata de um problema de arbitragem mas de Direção.
MÁRIO SOARES
Um homem de grande coragem, que teve uma vida feita de muitas lutas. Ou, adaptando as palavras de Paul Éluard - conhecido pelos seus poemas contra o nazismo, durante a 2.ª Guerra Mundial - um homem que, na esperança, nasceu para conhecer e para chamar a "liberdade".
Fazendo história, ainda que muitos não o tenham reconhecido, como, aliás, bem lembrou o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, numa adaptação feliz da citação de Karl Marx, no seu discurso de homenagem, nos Jerónimos.
Figura ímpar, um dos políticos mais marcantes do século XX (a par de Francisco Sá Carneiro), destacando-lhe um reconhecido humanismo e uma apaixonante vocação pela política pura!
Um estadista!
Que sempre privilegiou o diálogo e o entendimento, contríbuindo para um país mais justo e uma Europa mais unida. Ou nas palavras de Sophia Mello Breyner Andersen, em "naquele tempo... retrato", um homem que tinha «uma forma especial de ser corajoso», «era uma coragem sem crispação e sem excitação: raciocinava, relativizava, desdramatizava e ria dos ridículos e das manhas dos adversários». Talvez também por isso tenha tido um papel tão fulcral na nossa democracia e, até, na construção da própria Europa. Além do legado, da referência e do exemplo, deixou-nos, talvez, a maior lição de todas: só é vencido quem desiste de lutar. Na política, como na vida, mas, também, no futebol, que faz partes da nossa vida. Acreditando, muito, no que queremos, enquanto requisito essencial para a construção do futuro. Para que também nós possamos «trazer um novo mundo ao mundo». À sua família, as minhas sentidas condolências.
E um forte, enorme e muito especial abraço ao João, com quem já partilhei outras lutas (até... pela vida).
Estratégia para disfarçar a incompetência
Nas últimas jornadas tem sido várias as queixas sobre a arbitragem. Perante as desgraças e os desaires de cada um, esse tipo de queixas, a cada ponto perdido, tem sido um clássico. Essencialmente para tentar disfarçar o mais variado tipo de erros. Para que, enquanto se fala disso, fazem de conta que ninguém vê ou percebe de futebol. A ambição de perpetuação do poder origina, por vezes, o recurso aos mesmos truques. Que, inevitavelmente, se alia à recorrente agressividade, para encobrir muitas fragilidades. Com ameaças de morte a árbitros, que, embora inadmissíveis - em si e por si - servem, também, para desviar atenções. Mas o mais curioso é que ninguém ameaçou de morte os árbitros que alegadamente prejudicaram o Porto e o Sporting em jornadas passadas. Cingindo-se, antes, aos árbitros que iam arbitrar o Sporting, o Porto e o Benfica na última jornada, em que tínhamos uma importante deslocação a Guimarães. Jornada essa fundamental para Porto e Sporting, porque achavam que o Benfica ia perder pontos.
Como se enganaram.
Fazendo tábua rasa da velha máxima, nesta vida, que o poder, no futebol, emana do relvado.
E como não há estratégia que resista às derrotas (ou aos empates que sabem a derrotas) em campo, nunca alcançarão o que, de forma tão sufocada, anseiam. Apesar dos reias problemas existentes entre eles começarem a ser desvendados. No Porto, começam a perceber que não se trata de um problema da arbitragem, mas de direção.
como, um dia, também descobrirão no Sporting (só espero que depois de reeleger este presidente).
A decisão do TAD
Em setembro do ano passado a Comissão de Instrutores da Liga recebeu um despacho da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da FPF, em que me era determinada a instauração de um processo disciplinar no O Dia Seguinte, da SIC Notícias.
Essa mesma comissão da Liga propôs à FPF a suspensão do meu processo disciplinar, por entender que devia esperar pela decisão do Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), que se encontrava a apreciar a ação de impugnação das normas em causa do Regulamento Disciplinar e do Regulamento de Competições da Liga. Entretanto, deixei de ser membro dos orgãos sociais do Benfica e, por isso, de ser considerado agente desportivo (coisa que, aliás, não era, deixando, assim, de ser o que nunca fui!). A Liga não contente com o sentido das decisões que foi conhecendo, achou que, não só o TAD não teria competência para conhecer da legalidade ou ilegalidade dos regulamentos administrativos de si emanados (mas apenas de atos e omissões), como também existia «falta de interesse em agir da Sic,, por as normas em causa não lhe serem aplicáveis.
A Liga esqueceu-se, no entanto, que essas normas, no que concretamente diz respeito à SIC, não só prejudicariam direta ou indiretamente a estação, como ainda violariam os direitos à liberdade de imprensa e programação. Porque, de facto, essa alteração limitaria a liberdade de escolha dos participantes em programas, com efeito aniquilador, aliás, na liberdade editorial. Com repercussão, por exemplo, nas receitas publicitárias, variáveis em função da média de share.
Mas o mais caricato da situação prende-se com o facto de a Liga estar convicta de que a participação regular de dirigentes como comentadores, em programas televisivos, perturbaria a conformação do futebol, a valores e princípios éticos, afetando, inclusivamente, a realização das competições por ausência de patrocinadores.
Nada mais patético!
Eram, ainda, temidas pela Liga a existência de uma crispação e de uma falta de serenidade no meio desportivo, que poderiam afetar o comportamento de toda a gente!
Esqueceram-se que sempre esteve em causa a liberdade de expressão e de informação, enquanto direito fundamental. Que não tem no entender do TAD, uma «função constitucional promotora de conteúdos vinculados pela «sensatez», «serenidade», «fair play», «contenção verbal», ou «manutenção do prestígio das instituições».
A liberdade de expressão acompanha a liberdade de pensamento e traduz-se numa manifestação da dignidade da pessoa humana. O entendimento da Liga colide com a liberdade pessoal de cada um em participar em acontecimentos com repercussão social e aí manifestara sua opinião.
Para o TAD essas normas contendem com a liberdade de expressão, na sua dimensão de proibição de censura. Ora, proibir o discurso público sem qualquer fundamento ou base legal ou, numa visão mais ténue e aflorada, condicioná-lo a tipos de conteúdo previamente determinados é censura, e, por isso, inconstitucional.
Afetando, ainda, a liberdade de programação. Uma decisão espectável e sensata.
Agradeço, por isso, à SIC (muito especialmente ao Ricardo Costa, ao Pedro Cruz, há Daniela Horta Monteiro e, não menos importante, ao José Guilherme Aguiar, ao Rogério Alves e ao Paulo Garcia), a todos o que decidiram bater-se, em sede própria, pelo desaparecimento da ordem jurídica portuguesa de uma norma injusta, ilegal e com um destinatário em concreto.
Como agradeço ao Benfica ( a Luís Filipe Vieira e ao Paulo Gonçalves), por terem sustentado essa mesma leitura!
E quem se bate, assim, por princípios, merece um enorme sentido de reconhecimento.

Rui Gomes da Silva, in a bola

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