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segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

NINGUÉM QUER TER UM FILHO ÁRBITRO!



"Árbitro não devia ser ouma profissão, mas uma condenação. Crimes graves, pena de prisão ou, no máximo, dez anos de árbitro de futebol.

Cristiano Ronaldo quer que o seu Cristianinho seja, como ele, jogador de futebol, mas não o autoriza a ser guarda-redes. Um pai tem, pelo menos, a legitimidade de sonhar com um bom futuro para os seus filhos e Cristiano tem todas as boas razões do mundo para desejar que o seu filho seja como ele.
Já a minha mãe queria que eu fosse médico e como eu gostava muito de contentar a minha mãe fui para medicina, vesti bata, entrei na faculdade, no Santa Maria, mas passei mais tempo com a propaganda revolucionária nas mãos e a fugir do capitão Maltês, do que com o bisturi nas aulas de anatomia e isso foi necessariamente fatal para as minhas aspirações e para os sonhos da minha mãe, que se teve de contentar com um filho que seguiu o exemplo do pai e se tornou jornalista.
Há muitos casos, em que os filho optam pelas profissões dos pais. Muitas vezes porque, perante a imensidão da incerteza preferem escolher o que já conhecem; outras vezes, porque os caminhos se tornam mais abertos. Um advogado com escritório tem sempre espaço para o filho licenciado em direito, tal como um médico com consultório tem sempre uma sala disponível para um filho que se formou em medicina, ou um arquitecto tem sempre um cantinho para a mesa de trabalho, uma régua e esquadro para emprestar ao seu filhinho arquitecto.
O que eu, de facto, não conheço é um árbitro a desejar que o seu filho lhe siga as pisadas e que estude para a profissão de juiz de leis de jogo de futebol, como é sabido, profissão de maior risco do que para-quedista ou especialista em minas e armadilhas.
O defeito - admito - pode ser meu, de conhecer pouca gente no mundo, mas a verdade é que ainda não me deparei com uma senhora lavada em lágrimas porque o seu filho não passou no exame para um honroso e glorioso começo como árbitro das distritais.
Pelo contrário, conheço casos em que há miúdos que pedem ao pai e à mãe para se sentarem, porque têm uma coisa muito importante para lhes dizer. Os pais ficam lívidos, assustam-se muito, não sabem o que pensar daquela solenidade, ficam muito quietos e ouvem com a maior atenção os seus filhos. E eles, sérios e directos, dizem: «Pai... Mãe... tenho pensado muito na minha vida e já decidi. Quero estudar para árbitro de futebol». Aí, a mãe sofre um desmaio, ou até mesmo um enfarte do miocárdio e, enquanto não acorda, o pai atira à cara do filho: «Estás doido! Antes me dissesses que querias ser assaltante de bancos ou que te ias casar com o solitário vizinho do primeiro andar. Estás parvo, ou quê? Árbitro de futebol? Mas tu endoideceste de vez?» Entretanto, a mãe acorda e além de repetir, com pouquíssimas variantes o que antes tinha sido dito pelo marido, acusa o filho de só lhe querer mal porque ele sabe bem o que toda a gente chama às mães dos árbitros.
Aliás, muito sinceramente, não entendo o que pode levar um homem, ou uma mulher, a quererem ser árbitros de futebol, em Portugal. Coveiro, prostituto, porteiro de discoteca, segurança do Professor Marcelo, carmelita descalça, político, enfim, são gostos estranhos, mas posso compreender. Árbitro de futebol, e ainda por cima, em Portugal, não.
Para mais, agora, que ser árbitro até já pode ser uma profissão de escolha livre. Eu pensava que só podia ser uma condenação e  nunca escolha. Alguém cometia um crime, ia não sei quantos anos para a prisão ou, em alternativa, cumpriria a pena como árbitro de futebol. Mesmo assim, a pena mais pesada não deveria ultrapassar os dez anos de árbitro. Sempre há a questão dos direitos humanos...

As tragédias e os culpados
Certamente com as melhores das intenções, o líder dos super-dragões alertou para a hipótese de «poder acontecer uma tragédia no futebol», porque os adeptos não aguentam ver o seu clube se prejudicado num jogo de futebol. Aliás, quando os prejuízos se acumulam, segundo o líder da claque portista, «é impossível conter a revolta». Daí à tragédia, é, pois, um passo pequenino. E o chefe da claque acusa: «Depois sempre quero ver quem assume as responsabilidades». Pelos vistos, o autor do acto tresloucado é que não.

E o Governo pede 'fair play'?
Os árbitros, e as suas famílias, são ameaçados de morte, magotes desesperados de jogadores, dirigentes, médicos, treinadores, desesperam por não conseguirem devida e justamente apertar a garganta ao árbitro que assinalou penalty, nos jornais, nas rádios, nas televisões, lê-se, ouve-se e vê-se o crescente do discurso degradante e irresponsável, a polícia apressa-se a reunir-se para medidas excepcionais de segurança nos estádios de futebol, a guerra está instalada, o fogo arde sem controlo. E um secretário de Estado pode «fair play»."

Vítor Serpa, in a bola

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