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quarta-feira, 15 de março de 2017

CARTA ABERTA AO FUTEBOL


"Apaixonei-me por ti desde o primeiro momento. Não mais consegui desviar o olhar, percebi que seria para sempre. A nossa relação tem conhecido altos e baixos, é normal, mas não me imagino a viver sem ti. Sei que tens defeitos, mas sempre me concentrei sobretudo nas tuas virtudes, sempre olhei com carinho para as tuas imperfeições, sempre vi atraentes sardas no lugar das tuas cicatrizes.
A verdade é que tens mudado e temo pelo futuro. Há cada vez mais interferências entre nós. Como o capital, tantas vezes suspeito, de empresários ou grupos económicos que na maior parte das vezes só querem amar-te e partir, destruir-te a pureza.
Como as regras que querem alterar em ti, por vezes de forma louca, como se a tua personalidade fosse uma bola de plasticina, como se quase nada em ti fizesse sentido a não ser a necessidade de mudança.
Como as críticas, calúnias e insinuações constantes por parte de comentadores e analistas cujos sentimentos por ti só dependem daquilo que vestes, da cor que vestes. E muito mais haveria por mencionar.
Tenho tentado adaptar-me, mas é difícil manter a fé quando constato que na China, por exemplo, há vários jogos com substituições por volta dos 15 minutos, só para contornar a obrigatoriedade de utilização, no onze inicial, de um jogador sub-23 formado localmente. Sai um chinês mais novo, entra um chinês mais velho. Assim é de mais, às vezes parece que já não te conheço.
Dou por mim a deixar de ver sardas nas tuas cicatrizes para ver feridas abertas pelas quais jorra o sangue que faz salivar os vampiros que te rodeiam, que te amarram, que te violam a beleza e a pureza.
Apesar de tudo, estarei sempre lá por ti, porque sei o quanto vales por baixo de toda a maquilhagem que te atiram à alma como se fossem baldes de areia. E porque sei que teremos sempre momentos como o golo escorpião de Mkhitaryan ou a remontada do Barcelona."

Gonçalo Guimarães, in a bola

Obs: Tanta moralidade escrita para acabares por citar um jogo que foi repleto de lances irregularares, é caso para dizer, ora foda-se pá, calado era um poeta.

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