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segunda-feira, 21 de agosto de 2017

A FALÊNCIA DO NEGÓCIO-FUTEBOL; E O CÍRCULO VICIOSO PORTUGUÊS


"Clubes portugueses continuam sem olhar, em conjunto, para o produto.

Abel Ferreira atirou para a mesa a diferença de orçamentos quando perdeu na Luz; Manuel Machado previu, depois da derrota no Dragão que, a continuar assim, «o negócio-futebol vai acabar». Há diferenças evidentes (e não começaram agora) nos valores que envolvem os grandes e os outros, que aumentam de forma exponencial quando num dos pratos da balança estão equipas que lutam apenas para não descer, como é o caso da de Moreira de Cónegos.
Os treinadores sentiram-se impotentes perante os dois candidatos ao título, e apontaram para a falta de competitividade que atravessa a Liga. Prefiro ir pela discussão da falta de qualidade na grande maioria das equipas, e da falta de respeito pelo produto.
O discurso é, no entanto, válido e tem antecedentes: a falha de uma negociação colectiva dos direitos televisivos em Portugal, o termo de comparação de uma rica Premier League, capaz de entregar muitos milhões a equipas do fundo da tabela, e a constatação de que os grandes, mesmo com FC Porto e Benfica em fase de contenção, parecem ainda mais longe.
O modelo inglês assenta em cinco parcelas, três comuns a todos os clubes do primeiro escalão: 50% por cento dos direitos TV, transmissões internacionais e base comercial de patrocínios da competição, todas divididas em partes iguais. As outras duas, as de pagamentos de mérito e as de transmissões nacionais (facilities fees), são divididas respectivamente de acordo com a classificação e o número de jogos transmitidos em território britânico. Ou seja, se a base é comum, há factores de diferenciação importantes, que continuam a privilegiar os mais fortes: os resultados e o interesse que os respectivos emblemas suscitam entre a população. Por exemplo, na última época o campeão Chelsea recebeu 164,7 milhões de euros, enquanto o Watford, o último dos que conseguiram a manutenção garantiu 112,2, menos 52,5 milhões.
O sucesso contínuo de uns e menor sucesso de outros levará a que essa diferença eventualmente se mantenha, pouco servindo para a competitividade interna. Claro que poderá sempre aparecer um Leicester de peito-feito, mas não me parece que seja este o modelo que mais potencie campeões-surpresa, ou que os «Foxes» tenham nascido candidatos a partir desta distribuição mais equitativa de receitas.
Os valores dos direitos televisivos dão sim uma força extraordinária aos clubes ingleses mas em comparação com os dos outros países. A competitividade aumenta, mas sobretudo externamente. Entre portas, há sim mais qualidade, e com mais qualidade de intervenientes há um melhor produto. 
A preocupação dos ingleses com o seu produto é evidente. A Premier League nasceu porque os clubes se uniram para criar um melhor modelo que os beneficiasse a todos, e é o que realmente tem acontecido. Não se trata unicamente de um ponto de vista comercial, mas sim cultural. Discute-se o jogo em si, castiga-se quem não o respeita e no imediato, sem grandes demoras. Agora, já se pensa até em limitar o mercado até ao inicio da liga. Sempre o produto em primeiro, porque é este que depois alimenta os clubes.
Por cá, a qualidade parece cada vez menor, a classe média corre o risco de desaparecer a curto prazo. Em três jornadas, as boas notícias trazidas pelo Rio Ave e pelo Estoril e Marítimo a espaços contrastam com a instabilidade vivida em Guimarães e até em Braga, cuja retoma ainda necessita de confirmação.
Os clubes pequenos esperam que Agosto se aproxime do fim para fechar plantéis com os emprestados dos grandes, e deles parecem cada vez mais dependentes. A culpa também é parte deles próprios. No passado, quantos maus negócios fizeram com Benfica, FC Porto e Sporting, a troco de quase nada? Também está nessa subserviência alguma quota-parte do problema. Sem dinheiro agora, não é fácil construir grupos para fazer gracinhas, lutar mais do que a permanência, arriscar um ou outro ponto com os mais fortes. O estrangeiro de escasso talento, a precisar de tempo de adaptação, abunda. Falta, mais uma vez, e primeiro que tudo, qualidade.
O círculo é, como sempre, vicioso. Baixa qualidade gera menos competitividade sim, mas sobretudo um mau produto e menos dinheiro, que não chega para comprar qualidade. Por aí fora.
Enquanto por cá se continua a achar que é o vídeo-árbitro o grande sinal de modernidade e se debate o conceito mais oco que existe, o de verdade desportiva – que nunca será real por muitos penáltis se marquem ou golos se anulem –, outros países deram há muitos anos passos seguros nesse sentido, assumindo a liderança planetária. Alguém duvida de que hoje em dia a Premier seja o campeonato dos campeonatos?
Claro que dificilmente teremos, mesmo quando haja uma verdadeira cultura desportiva e nunca antes, um melhor produto ou um tão rentável quanto o inglês, mas parece evidente que os clubes portugueses precisam de unir-se e trabalhar em conjunto para um bem-maior, um bem comum, que depois os beneficie a todos.
Em Portugal já houve tempo mais que suficiente para se aprender a não pensar tão pequeno.
Porque nos faz pequenos. A todos."

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