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quinta-feira, 24 de agosto de 2017

AINDA O "FUTEBULÍCIO" VAI NO ADRO


"Nunca quebres o silêncio se não for para o melhorar, bem dizia Beethoven, que, nestes momentos,bem precisava se ser lembrado

Futebol a várias velocidades
Passadas 3 jornadas, qualquer ilação é, obviamente, prematura. Todavia, há tendências que parecem tomar forma. Falo do fosso que aumenta entre os grandes e as restantes equipas. Há 23 anos que aqueles não venciam todos os seus 9 jogos à 3.ª ronda. Neste dealbar do campeonato, é notório o enfraquecimento relativo dos outros clubes médios. O caso dos vitorianos de Guimarães é notório, sobretudo na defesa. Treze golos sofridos em 4 jogos (incluindo a supertaça) seria antes impensável.
O futebol estrutura-se, cada vez mais, por anéis quase estanques, face ao poder financeiro tão diferenciado e hierarquizado. Lá fora, onde a Champions é a sua fiel tradução, mas também cá dentro, ainda que em diferente e menor escala. Ao longo das 34 jornadas, os sempiternos candidatos ao título poderão ter mais ou menos dificuldades, sobretudo jogando fora de casa, com o Braga e Guimarães, a que juntaria Rio Ave, Marítimo, talvez Chaves e pouco mais. Mas, este ano, aparentado menor grau de complexidade, pelo que arrisco dizer que os jogos entre Benfica, Porto e Sporting vão ser mais decisivos ainda. E, se calhar, até o erradamente dito goal-average (trata-se não da média, mas da diferença de golos) pode decidir...

Benfica com ataque de luxo
Excelente jogo do Benfica, que poderia ter terminado com uma goleada histórica (só bolas nos ferros foram 4!). Uma desenvoltura de jogadores que se entendem às mil maravilhas, o saber esperar pela presa nos momentos-chave, ou como tão bem sintetizou Rui Vitória com o oxímoro ínsito na frase «jogar fácil é difícil». Há jogadores em forma notável. Pizzi é o fazedor de jogo, com inteligência, talento e precisão que o tornaram definitivamente como o jogador imprescindível neste Benfica de Rui Vitória (insisto: continuo a não entender a relativa ostracização portuguesa). Jonas, que o Valência de Nuno Espírito Santo atirou há 3 anos para o desemprego (!), é, aos 33 anos, o homem que dá a melhor ideia da beleza do futebol, ou seja, tornando-o (aparentemente) simples. Que pena, aquela bola chutada do meio-campo com toda a intenção de visar a baliza ter ido ao poste (ou como se escreveu em A Bola, «o mais belo quase golo» da sua carreira)! Seferovic e Jiménez, cada qual com o seu estilo, completam, com eficácia também singela, o artefacto do Pistolas. Quando ao sector recuado, sente-se que as coisas vão melhorando (atenção a Eliseu que foi, no mínimo, imprudente), ainda que sejam necessários reforços que façam a diferença, sobretudo tendo em conta a Champions e os jogos mais difíceis. É preciso não esquecer que, com a já quase tradicional onda de lesões no início das temporadas, não têm jogado indiscutíveis titulares ou candidatos a sê-lo. Falo de Júlio César, Grimaldo, Fejsa, Mitroglou, Zivkovic e Krovinovic. Vem aí um jogo complicado contra um dos surpreendentes líderes, o Rio Ave, que constituiu mais um teste à excelente forma do Benfica.
À margem dos jogos, uma constatação algo curiosa. Não porque tenho importância por si só, apenas a refiro porque, se fosse ao contrário, imagino o que já teriam bradado os porta-vozes dos rivais coligados neste frenesim comunicativo de passarinhos (tweets) e de canais televisivos dedicados. Vejamos: nos 4 jogos já efectuados pelo Benfica, 3 deles foram arbitrados por juízes da Associação do Porto (Artur Soares Dias, Jorge Sousa e Rui Costa) e nenhum da Associação de Lisboa (o outro foi por Carlos Xistra, de Castelo Branco). Já para o Sporting só houve direcção sul, ou seja, 2 árbitros de Lisboa (o omnipresente Hugo Miguel e Tiago Martins) e agora amigo setubalense Bruno Paixão. Como diria Fernando Pessa, «e esta, hein?»

O aviltamento do silêncio
Pelos estádios de futebol - mas não apenas - um minuto de silêncio é uma eternidade. Sinal dos tempos em que o silêncio deixou de ser respeitado. Foi substituído por palmas tontas, por incívica desatenção e por pessoas sentadas porque vergadas pelo peso da inconsciência. Assim foi na Luz e no Dragão, embora, estranhamente, A Bola tivesse noticiado que neste último estádio o «minuto de silêncio foi cumprido religiosamente (!!) pelos adeptos».
Palmas porquê e para quem? Infelizmente, o fenómeno alastra. Será que o silêncio é assim tão insuportável? Será que a nobreza do silêncio incomoda assim tanto? Será que é assim tão difícil que pessoas guardem uns breves segundos de consideração por quem morreu tragicamente, sem que tenham que emitir sons, ainda que em ritmo de palmas? Este é um dos lados mais indigentes do horror ao silêncio. O que hoje mais parece contar não é a magnanimidade do silêncio respeitado, mas antes a sua ostensiva violação. O silêncio quase se lega às gerações futuras como um estigma.
Para mim, nestes momentos, o silêncio é o modo de dizer sem falar. De respeitar sendo respeitado. De interiorizar sem alardear. Nunca quebres o silêncio se não for para o melhorar, bem dizia Beethoven que, nestes momentos, bem precisava de ser lembrado. Enfim, mais uma manifestação de futebol com futebulício...

O castigo de Ronaldo
Cristiano Ronaldo foi expulso no jogo contra o Barcelona e apanhou 5 jogos de castigo, ou seja, o mínimo de intervalo regularmente para a punição. Vai daí, alguns media portugueses expressaram o seu veemente protesto por tal suspensão. Assim se vê o patriotismo. Castigos para Ronaldo, nunca mais! A indignação nalguns comentadores fez-me até pensar que estaria perante um caso que só a diplomacia poderia, a custo, esvanecer. Porém, o Presidente da República ou quiça o Primeiro-ministro não ousaram actuar. Insinuou-se que o Ronaldo não simulou o penalty (concordo, ainda que o tenha protestado junto do árbitro), que a palmada nas costas do árbitro não passou de um simpático afago, depois de bem medida a sua intensidade e intencionalidade. Se fosse uma (também leve) bofetada, não sei se diriam que, de tão light, mais pareceria uma carícia. Pouco faltou para se afirmar que seria o árbitro quem deveria ser suspenso por estar no sitio errado no minuto errado. E depois, como disse um amigo meu, «o Ronaldo não pode receber cartões amarelos nem vermelhos, apenas cartões de crédito e de boas festas».
Eu também acho que em Espanha nada se perdoa a Ronaldo, numa mal disfarçada inveja de não terem um jogador com a sua classe. Não obstante, acho que não devemos reagir do mesmo modo, ainda que de sinal contrário. O grande jogador português tem as suas responsabilidades daí resultantes. Não pode portar-se como um comum atleta e tem de saber gerir as contrariedades da sua exaustivamente escrutinada profissão. Sendo um ícone para muitos jovens, tem responsabilidades acrescidas.
Paciência. Os cafés e os restaurantes têm de suportar uns tantos jogos com o Madrid carente do seu melhor jogador. Para o mês que vem há mais.

Contraluz
Palavra: Ilusão
Ora aqui está uma palavra adoptada do castelhano (ilúsion) e hoje muito dita no jargão futebolístico, mas mal dita como sinónimo de esperança. É que ilusão em português quer dizer engano dos sentidos ou da mente, quimera, e não esperança. Em castelhano, sim, é também sinónimo de esperança, desejo.
Número: 3
Foi o número de jornadas necessárias para se verificar a primeira alteração de treinador numa equipa das duas principais divisões de futebol. Daniel Kenedy, que salvou o Leixões da descida, saiu depois de uma vitória e duas derrotas no comando da equipa Matosinhos, emblema que bem gostaria que regressasse depressa ao escalão maior.
 - Acontecimento
Não é o Tour sequer o Giro de Itália, mas a Vuelta desteano promete com a presença de Froome (a tentar o feito da dobradinha com o Tour, o que não acontece desde 1978, com Bernard Hinault), Contador, Nibali e Fábio Aru, entre outros ciclistas.
Frase: «É o campeonato dos três. O resto é carne para canhão»
(Manuel Machado, treinador do Moreirense)
Depois dos 13-0 desta jornada dos três, não deixa de ter a sua razão aumentada."

Bagão Félix, in A Bola

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