Páginas

quinta-feira, 28 de setembro de 2017

AS CONTAS DA BENFICA SAD


"Devo aplaudir a evolução neste exercício. Mesmo que eu próprio me contradiga, algumas vezes, no itinerário entre a razão (de estudioso) e o coração (de sofredor).

1. Peço desculpa pelo (único) assunto de hoje que - reconheço - é indigesto e não é compatível com o monopólio das emoções sentidas e ampliadas. Contas. Prestação. Responsabilidades financeiras. Para alguns, meros palavrões tecnocráticos do 'Futebol-Alice no país das maravilhas'. Para outros, coisas incompreensíveis e sempre em situação de fora-de-jogo. Para alguns ainda, uma abstracção superada pelo concretismo aparvalhado de programinhas e redes sociais ao serviço de.


Não, não vou falar das contas de entidades intervencionadas. Nem de sociedades que, à beira do precipício, dão um passo em frente, ou seja, que depois de gastar o que têm, atiram-se às da frente (receitas futuras em via directa ou dadas como garantia). Também não sigo pela via de remoques ou vmoques... Pena não haver rating no futebol, para assim ficar mais claro o que seria lixo ou investimento!
Falo, antes, da Benfica SAD e do comunicado-resumo entregue à CMVM sobre a situação económica e financeira consolidada relativa ao exercício terminado em 30 de Junho deste ano.


Faço-o com a percepção de que a situação da Sociedade não tem comparação no panorama futebolístico português. Como já se disse, somos tetracampeões nos relvados e tetracampeões na melhoria das contas. Aliás, com um notória evolução já quase desde o princípio do século. Faço-o, também, para realçar alguns dos desafios que o Benfica enfrenta, do ponto de vista estratégico.

2. Ao que julgo, a Benfica SAD é, agora, a única SAD de futebol que respeita o artigo 35.º do Código das Sociedades Comerciais, ou seja, a exigência de ter capitais próprios não inferiores a 50% do capital social. Importa também relevar alguns aspectos sobre o sempre tão invocado passivo que, finalmente, está a diminuir. Bom sinal, ainda que se deva dizer que o passivo não é só por si um indicador da solvabilidade de uma sociedade comercial. Há que, obviamente, compará-lo com o activo e, também, com o volume de proveitos, tal e qual a nível nacional, o valor nominal da dívida pública deve ser relacionado com a riqueza nacional (PIB). Neste exercício podemos ver na demonstração de resultados que as transferências renderam o fantástico valor €123 M (ainda sem Nélson e Mitroglou) e os gastos inerentes atingiram €20,3 M (16,5%). Tais movimentos foram reflectidos, embora apenas parcialmente, na diminuição do passivo (-17 M), no acréscimo da rubrica 'Clientes' no Activo do balanço e correspondente à parte ainda não recebida daquelas transacções (+43 M) e no valor dos direitos dos atletas do plantel (+9 M). Seria bom haver uma informação completa destes movimentos e da parte dos proveitos com as transferências que, a seguir, se transformam em custos de diversa ordem, designadamente comissões e 'encargos com aquisições e custo zero'.
Um dos pontos críticos, aliás assinalado na apresentação das contas, é a necessidade de, sustentadamente, se encontrar um equilíbrio entre as receitas correntes (sem transferências) e as despesas correntes. Sem dúvida o calcanhar de Aquiles do futebol em Portugal. A evolução no Benfica continua a ser a adequada, não só no acréscimo de receitas de bilheteira, como de direitos de televisão. Já do lado da despesa, verifica-se um aumento de 21,5% nos gastos com pessoal (mais €13,2 M), que se deverá na grande maioria ao aumento da folha salarial dos atletas. Domingos Soares de Oliveira apontou, por isso, a necessidade de criar fontes de receita que permitam, em termos correntes e estáveis, corresponder às exigências financeiras do mercado global de futebol e, assim, garantir a atractividade de atletas de eleição. Neste contexto se enquadra a correctíssima estratégia de formação e da infraestruturas e ela associadas.

3. Volto ao passivo para sintetizar alguns pontos importantes:
1) A importante alteração da estrutura dos empréstimos obtidos, aumentando a parte não corrente (+€95 M) e diminuindo o seu valor corrente (-125 M), o que é importante, mormente do ponto de vista do serviço da dívida;
2) a diminuição da dívida aos bancos (-139 M neste e no anterior exercício) cujo concessão ou renovação de empréstimos já não é o que era, ainda que compensada - e bem - pela alternativa de dívida obrigacionista (+€59,3 M);
3) a diminuição dos encargos com juros que já se reflectiu este ano (-€2 M) e que terá uma expressão maior no futuro. De notar que a rubrica 'gastos e perdas financeiras' ainda assim chega quase aos €20 M, ou seja 15,5% dos rendimentos operacionais. Daí a decisiva importância da redução e reestruturação do passivo;
4) se tivermos em conta o encaixe de transferências (entre 2011 e agora, à volta de 500 milhões!), importará que haja mais informação sobre o aparente paradoxo de, face a este valor, e no mesmo período, o passivo ter mesmo assim aumentando 12 milhões (de 426 para 438), ainda que o activo total tenha subido 94 milhões (de 411 para 506) e os rendimentos totais tenham notavelmente duplicado (de 127 para 254).
Como não foi apresentada informação consolidada do lado da despesa nem da avaliação do plantel com as aquisições realizadas nesse mesmo intervalo de tempo, pergunta-se: onde pára a diferença para os tais 500 milhões de vendas?

4. Dois pontos, para concluir. O primeiro, relacionado com a importância das receitas da Champions. Partindo do princípio que esta competição traz receitas não inferiores a €30 M (contas muito por alto, supondo a passagem aos oitavos de final e não considerando a bilhética), estaremos a falar, no caso do Benfica, em 28% das receitas correntes (€128 M). Ora, a partir desta época, só o campeão tem acesso directo e o terceiro classificado fica a ver navios (Liga Europa). Por aqui se pode ver a sua importância directa (nem sequer falo dos efeitos positivamente colaterais de montra de jogadores), pelo que - e assim concluo com o segundo ponto - é necessário um equilíbrio entre a redução do passivo e a criação de condições desportiva e financeiramente compensadoras. Bem sei quão complexo, discutível e arriscado é encontrar este ponto de equilíbrio, mas de duas coisas estou seguro. A de que pensando só no objectivo financeiro se pode perder no core business (vitórias) e, consequentemente, com efeito boomerang, perder a seguir nas contas, e não esquecendo que a procura no mercado obrigacionista é muito sensível aos resultados desportivos e às expectativas criadas. E a de que acabou o tempo de altas cavalarias e de ilusões vendidas aos adeptos incautos, até que um dia rebenta a bolha e quem vier a seguir...
Evidentemente que nada disto é ciência exacta. Mas, tudo visto, devo aplaudir a evolução neste exercício. Mesmo que eu próprio me contradiga, algumas vezes, no itinerário entre a razão (de estudioso) e o coração (de sofredor).

Contraluz
- Número: 7
Os pontos que o Real Madrid já perder em casa na Liga espanhola. Três jogos, dois empates (Valência e Levante) e uma derrota já com Ronaldo (Bétis). Sete pontos de atraso para o Barcelona ao fim de apenas 6 jornadas. Crise dos merengues? Nem pensar... Só por cá é que o Benfica passou clamorosamente de tetracampeão a moribundo. Somos assim: ou o «mais ou menos» ou o «extremamente»...
- Notícia: Fernando Gomes
presidente da FPF foi exemplarmente claro e corajoso sobre «a captura da força dos clubes para a apologia do ódio». Bom seria que os media deixassem de verter todos os dias declarações odientas, idiotas e ressabiadas de funcionários (logo, não eleitos), também chamados directores de comunicação. São os primeiros instigadores e pirómanos do clima que se vive no futebol. Com espaço noticioso e televisivo injustificadamente assegurado.
- Número: 47.309
Os espectadores na Luz no belo jogo contra o Paços de Ferreira. Tirando uma ou outra palermice (assobios para Pizzi?!), forte apoio à equipa. Claro, não foi notícia. Notícia foram os 30 gatos pingados ou os 50 pingados gatos (não sei se adeptos) que - dizem-nos - insultaram os atletas depois de jogos menos felizes da equipa. Assim vão os noticiários...
- Desejo: Não há um clone para Fejsa?
Nem um Fejsa para o seu clone?"

Bagão Félix, in A Bola

Sem comentários:

Enviar um comentário