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terça-feira, 24 de outubro de 2017

SVILAR E OS PARADOXOS


Mile Svilar tem servido para atestar o quanto podem conviver, em simultâneo, dois olhares desiguais e, aparentemente, opostos. Claro que haverá sempre quem estranhe quando, de um lado, se certifica que o guarda-redes do Benfica tem qualidades raríssimas para a função e, praticamente em paralelo, outra sentença alega que a utilização do mancebo belga frente ao United foi um risco excessivo e oneroso. Mas não há aqui qualquer paradoxo. Porque uma e outra opiniões, mais do que serem compatíveis, acabam até por ser complementares. Ser guarda-redes é uma arte e, não tenhamos dúvidas, Svilar nasceu com o dom das balizas. Não foi por acaso que Mourinho garantiu que ele "não tem apenas algumas qualidades: é um fenómeno". Porque, explicou, prefere sempre quem aproveite o espaço e não se limite a ficar em cima da linha fatal. Mas foi o próprio treinador do Manchester a deixar escapar que usou uma estratégia, especialmente nos cantos e nas faltas ofensivas, capaz de deixar ainda menos cómodo Svilar na sua estreia na Champions. E Matic foi ainda mais sintomático: "O treinador disse-nos que tínhamos de tentar rematar e fazer cruzamentos, porque ele era novo e era o seu primeiro jogo". Ou seja, Mourinho tem obviamente razão quando refere que Svilar tem todas as condições para se tornar num guardião de top. Mas foi o primeiro a tentar tirar partido das fragilidades que um guarda-redes estreado quatro dias antes no futebol profissional (frente ao Olhanense) jamais poderia encapotar num jogo daqueles da Liga dos Campeões. Ou seja, em condições normais Svilar nunca teria sido titular. E isto não tem tanto a ver com o facto de ter sido lançado com apenas 18 anos e 52 dias na prova mais importante do calendário internacional e logo frente a uma equipa treinada por um técnico matreiro como poucos. Não tem também a ver com o suporte psicológico de Svilar, que até nos momentos mais difíceis parece estar na baliza com a mesma desinibição e naturalidade com que é capaz de lambiscar um sorvete – e isso nota-se até na forma como já gere a carreira, não só na mudança para a Luz, mas também na provável opção pela seleção da Sérvia, para não ficar demasiado tempo na sombra do belga Courtois. Svilar não estava suficientemente preparado para um jogo daquele cariz, essencialmente porque ninguém naquelas condições o poderia estar. É que não devemos esquecer que nunca alinhou pela principal equipa do Anderlecht e, mesmo pelos sub 19, só fez 14 jogos (em três épocas).
Os três C dos guarda-redes são: calma, concentração e controlo. Relativamente aos dois primeiros, Svilar já tem para dar e vender, mas não se pode exigir suficiente autocontrolo a quem tanto queria mostrar-se ao futebol adulto e nunca havia jogado num estádio tão grande e repleto. Se já tivesse essa temperança teria sido um pouco menos afoito e percebido que Rashford, antes de o surpreender, já tinha tentado, por duas vezes, aproveitar a sua colocação adiantada – e, sublinhe-se, esta vontade de controlar a profundidade faz todo o sentido numa equipa como a do Benfica. Foi também por lhe faltar ainda esse comedimento que, logo aos quatro minutos do jogo na Vila das Aves, tentou antecipar a trajetória da bola e, como ela saiu na direção contrária, teve de fazer uma defesa de recurso. Boa parte dos adeptos deve ter apreciado o golpe de rins, mas o belga levou foi ali mais uma lição neste curso rápido de integração no profissionalismo.
Vítor Baía também foi lançado por Quinito, quando ainda estava a dois meses de completar os 19 anos, num jogo em que o FC Porto empatou (1-1) em Guimarães. E, dois dias depois, já sob o comando de Artur Jorge, estreou-se a vencer (2-0) na Taça UEFA frente aos romenos do Flacara Moreni. Há alguma similitude nas duas situações, até porque os portistas tinham Mlynarczyck lesionado e Zé Beto a cumprir castigo disciplinar. Desta feita, Rui Vitória também não terá deixado de levar em conta os problemas físicos que afetam Júlio César. Ficou claro que a sua única dúvida para o jogo da Champions foi sempre entre o veterano brasileiro e o calouro belga. Podia ter optado pelo guarda-redes medalhado e experiente. Mas, terá pensado, este já passa mais tempo na enfermaria do que no relvado e tem cada vez mais dificuldade em sair da sombra dos postes. Preferiu, por isso, o risco total, numa decisão com perspetivas de futuro e que, por isso, não poderia nunca ser condicionada pelo desfecho e incidentes do jogo com o United. Haverá, no meio disto tudo, quem releve muito o diferente tratamento a que foi sujeito Bruno Varela, a quem, de facto, não foi reconhecido a mesmo direito ao erro. A explicação, nada palpável, é certo, encontramo-la quando olhamos para Svilar e Varela na baliza. Este último até pode vir a ser um belíssimo guarda-redes, mas não nos transmite as mesmas sensações. Svilar provoca, até no olhar esgrouviado e na forma como segura a bola, uma impressão de proeminência e magnitude. Deve ter sido isso que fez Vitória arriscar. E perdoar-lhe.
Cinco estrelas -- CR7 já é imortal
Cristiano Ronaldo há muito que garantiu a imortalidade e um lugar entre o restrito grupo daqueles que são mesmo diferentes. O segundo "The Best" consecutivo e a Bola de Ouro que se lhe seguirá são apenas as chancelas mais recentes para uma divindade que só tem paralelo em Pelé, Maradona e Messi.
Quatro estrelas -- Quim, o campeão juvenil
A poucos dias de completar 42 anos e após ter-se consagrado como o mais veterano de sempre nos relvados da Liga, Quim é hoje um guarda-redes mais consensual do que alguma vez havia sido. Um prémio justo para um profissional de primeira água e que mantém a deleite juvenil pelo jogo.
Três estrelas -- "Guedesmania"
Após um conjunto de grandes exibições, a última abrilhantada com dois grandes golos e uma assistência, a "Guedesmania" tomou conta do iluminado Valência. O jovem Guedes prova que, às vezes, é preciso dar um passo atrás para ser visto com outros olhos até em Paris…
Duas estrelas -- Lineker perdeu o senso
Gary Lineker já teve epígrafes deliciosas, mas perdeu o senso quando disse que Benzema está sobrevalorizado. O futebol não se mede só pelos golos (e o francês somou 182, o sétimo melhor registo na história do Real). Quem tiver dúvidas que veja a assistência deliciosa para Marcelo.
Uma estrela -- Rui Costa e a incompetência
É quando vejo o árbitro Rui Costa ir duas vezes espreitar o ecrã televisivo e, mesmo assim, manter a decisão errada de não marcar penálti sobre Gélson que tenho ainda mais certeza de que a incompetência só diminuirá quando a decisão final for do vídeo-árbitro.
Bruno Prata, in Record

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