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sábado, 4 de novembro de 2017

MATIC E O CAVALHEIRISMO


Quando, em Janeiro de 2014, o Benfica vendeu Matic ao Chelsea ninguém viria a exigir responsabilidades.
Nemanja Matic é o nome do cavalheiro sérvio que marcou o primeiro dos dois golos que o Benfica sofreu em Manchester. Justamente por ser um cavalheiro, Matic não festejou o seu golo. Nem sequer simulou nada que se parecesse com um sorriso discreto naquele instante em que viu a bola, que rematou com estrondo, embater primeiro no poste e depois nas costas do seu meio-compatriota Svilar para, por fim, rebolar sem remorsos para o fundo da baliza do Benfica. "O Benfica merece-me muito respeito e por isso não celebrei", explicou Matic aos jornalistas quando tudo terminou. Enfim, como se fosse preciso explicar. O Manchester United vai passar à fase seguinte da Liga dos Campeões e Matic é o seu maestro. Na Liga inglesa, entretanto, vai de mal a pior o antigo clube do sérvio que passou pela Luz. E, na Liga dos Campeões, diga-se que também o Chelsea tem andado aos papéis. Na sua última prestação europeia, o Chelsea – que foi campeão de Inglaterra na última época com Matic nas suas fileiras – apanhou 3-0 em Roma. Está, portanto, instalada uma espécie de crise em Stamford Bridge e até o treinador, o italiano Antonio Conte, que era bestial no ano passado passou agora a ser uma besta. Foi um antigo jogador do Man. United, Phil Neville, quem veio publicamente em socorro do bom nome e da reputação de Conte explicando "apenas numa palavra", como o próprio acentuou, a queda de produção do Chelsea em 2017/18. E a palavra é: "Matic." Quis dizer o pragmático Neville que o Chelsea está a pagar a fatura de ter deixado sair o sérvio para o rival Manchester United. "Quem o vendeu devia ser preso", acrescentou, já sem pragmatismo nenhum. Quando, em janeiro de 2014, o Benfica vendeu Matic ao Chelsea ninguém viria a exigir responsabilidades aos dirigentes da Luz, até porque nesse mesmo ano, já sem Matic, o Benfica viria a conquistar o título de campeão. E também sem Matic voltou a ser campeão em 2014/15, em 2015/16 e em 2016/17, perdendo sempre jogadores da dimensão de Garay, Oblak, Enzo Pérez, Gaitan, Renato Sanches, Gonçalo Guedes e tantos outros tão preciosos nessas conquistas que conduziriam ao tetra e a outras glórias. Mas agora que o Benfica está de saída da Europa pela porta pequena e que segue na Liga portuguesa a uma mão-cheia de pontos de distância do FC Porto, todos estes jogadores que não fizeram falta nenhuma somados aos que saíram no verão passado – Ederson, Nelson Semedo, Lindeloff e Mitroglou – passaram, num ápice, a fazer uma falta do outro mundo. Neste Mundo, o Mundo atual do Benfica, agradece-se por tudo isto a bonita cortesia de Matic na noite de Manchester. Para a triste História dos ‘Olés!’ No lugar de dar uma lição urgente, optou por alimentar o vício Presentear com ‘olés!’ os resultados trágicos dos adversários ocupa o patamar mais baixo do comportamento do público. Trata-se da mais desapiedada crueldade. Mas é irresistível, contraporão os sociólogos que se ocupam do fenómeno em todas as suas vertentes. A vertente da desproporção financeira e da desproporção de estatuto, por exemplo, justificará os ‘olés’ dos adeptos do Girona vendo a sua equipa bater o Real Madrid ou os ‘olés’ dos fleumáticos britânicos em Wembley saboreando a quase goleada imposta pelo Tottenham aos mesmos galácticos de Madrid? Não, não justifica. Pior ainda foram os ‘olés’ do público do pavilhão da Luz à equipa do Azeméis Futsal vergada ao peso de um resultado tão desproporcionado quanto a dimensão dos dois emblemas. O treinador do Azeméis não gostou mas, no lugar de dar uma lição retórica que se apresentava urgente, optou por alimentar o vício, mandando o público benfiquista fazer o mesmo no próximo jogo com o Sporting. Assim não vamos lá.
Leonor Pinhão, in Correio da Manhã

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