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sexta-feira, 24 de novembro de 2017

OLIMPICAMENTE: SOB A RESPONSABILIDADE DE TIAGO BRANDÃO RODRIGUES


O famigerado “Relatório Missão Rio 2016” afirma a páginas quinze que “o apuramento de 92 atletas de 16 modalidades revelou-se um sinal de vitalidade do Desporto Nacional”. Seria bom que assim fosse. O problema é que, nem pouco mais ou menos assim é. Porque, através de uma análise mais atenta aos resultados do desporto português durante um período longo de vinte e quatro anos (1992-2016) num total de seis Ciclos Olímpicos chega-se precisamente à conclusão contrária. Na realidade, chega-se à conclusão de que as transformações de características sino-capitalistas desencadeadas sobretudo a partir 2004/2005 estão a revelar-se desastrosas para o processo de desenvolvimento do desporto português. Ora, perante esta situação, os responsáveis políticos deviam pensar seriamente se devem continuar a apostar no modelo de desenvolvimento instituído à revelia das federações desportivas que, desde então, tem consumido cada vez mais dinheiro e produzido cada vez menos resultados ou, se, pelo contrário, devem começar a desencadear as mudanças necessárias conducentes a salvar Missão para os JO de Paris (2024) porque a Missão para os JO de Tóquio (2020), em termos de desenvolvimento do desporto nacional, já está perdida.
Numa análise aos dados que constam no Relatório Missão Rio 2016” bem como às estatísticas oficiais produzidas pelo Instituto Português de Desporto e Juventude (IPDJ) é possível concluir que o referido modelo de tipo sino-capitalista pode produzir medalhas olímpicas em número extraordinário num país como a República Popular da China (RPC) mas, num país como Portugal, só pode produzir resultados absolutamente miseráveis para além de destruir a prática desportiva de base e o tecido organizacional sobre o qual ela se organiza ao longo da vida de cada um.
No que diz respeito aos resultados olímpicos, se compararmos os três Ciclos Olímpicos (1996/2000/2004) e os três Ciclos Olímpicos (2008/2012/2016) posteriores à institucionalização do Programa de Preparação Olímpico em 2004/2004 chega-se, facilmente, à conclusão de que o desporto se encontra numa preocupante regressão não só relativamente às federações desportivas que estão dentro do Programa Olímpico como, também, às que estão fora ou não conseguem os resultados para acederem ao Programa Olímpico.
Vejamos, então, quais as consequências do grande desatino desencadeado em 2004-2005, com o “Contrato-programa de Desenvolvimento Desportivo nº 48/2005” que está a deixar o desporto nacional num estado calamitoso.
Comecemos pelos resultados olímpicos. De acordo com as melhores práticas em matéria de desenvolvimento há muito produzidas pelo Conselho da Europa (Committee for the Development of Sport - CDDS) a relação entre a base da prática desportiva e o alto rendimento deve assentar no conceito de Nível Desportivo. Esta relação virtuosa entre a base e o topo da pirâmide desportiva, que os regimes fascistas, tanto de esquerda quanto de direita rejeitam, afirma que um processo eurítmico de desenvolvimento deve ser aferido pela designada Elite Correspondente. Ao aplicarmos este conceito ao Ciclo Olímpico do Rio de Janeiro chegamos à conclusão de que a Missão Portuguesa aos JO do Rio (2016) com 15 modalidades (excluído o futebol com 18 atletas) não devia ter mais de cinquenta atletas. Esta perspetiva significa que a Missão Olímpica portuguesa teve uma dimensão 20% acima daquilo que era suposto ter. Contudo, note-se bem que este dado não significa que o País tem praticantes de alto rendimento a mais, uma vez que os atletas só foram aos JO porque, no momento certo, conseguiram obter os resultados desportivos mínimos necessários. O desequilíbrio da Elite Real relativamente à Elite Correspondente não tem a ver com o facto do Sistema Desportivo português ter atletas de alto rendimento a mais, mas sim, praticantes desportivos a menos. Em conformidade, é necessário reforçar os programas de desenvolvimento do desporto dirigidos à generalidade do Sistema Desportivo cujos financiamentos, desde 2004/2005, têm sido sangrados a fim de reforçarem os da Preparação Olímpica. E, por paradoxal que possa parecer, quanto mais dinheiro se subtrai à promoção do desporto para se investir no Programa de Preparação Olímpica piores têm sido os resultados nos Jogos Olímpicos (JO). E porquê? Porque o alto rendimento não se está a renovar com a velocidade requerida. Trata-se de um sistema a funcionar em circuito fechado a fim de, sem grandes preocupações, animar a reforma de alguns dirigentes. Por isso, em várias situações, a Missão Olímpica ao Rio de Janeiro mais parecia uma equipa de veteranos.
Por outro lado, hoje, o desporto nacional vive o terrível drama da metáfora da “galinha dos ovos de ouro” que representa um infantilismo do curto prazo. Quer dizer, quanto mais dinheiro se investe no Programa de Preparação Olímpica piores são os resultados e quanto piores são os resultados mais dinheiro se vai buscar à promoção da prática desportiva a fim de financiar o Programa de Preparação Olímpica na esperança de obter resultados a curto prazo.
Por isso, a pergunta que se coloca é a seguinte:
Até quando é que a tutela política vai continuar a financiar um modelo de desenvolvimento do desporto que está a produzir cada vez piores resultados à custa de cada vez mais dinheiro dos contribuintes?
Vejamos, então, o que é que se está a passar tanto a nível do vértice quanto da base da prática desportiva.
A nível da elite olímpica o miserabilismo dos resultados tem sido evidente. Atentemos na prestação portuguesa nos JO. O que é insofismável é que, desde 2004, a Missão Olímpica tem vindo a produzir cada vez piores resultados:
-Três medalhas em Atenas (2004);
-Duas medalhas em Pequim (2008);
-Uma medalha de prata em Londres (2012);
-Uma medalha de bronze no Rio (2016).
Mas, se olharmos com algum pormenor para o “Relatório Missão Rio 2016” chegamos à conclusão que os atletas de Nível 1, num total de doze (12) presentes no Rio de Janeiro só um cumpriu o objetivo. Quer dizer, o objetivo que era obter 25 % de pódios dos atletas integrados, quer dizer, três medalhas. Portanto a situação ficou muito aquém do desejado uma vez que só foi conseguida uma medalha de bronze das seis que, na euforia da partida, foram prometidas ao embarcar para o Rio de Janeiro. Quanto aos atletas de Nível 2, num total de vinte sete (27), o objetivo era obterem-se 50% de lugares de finalista. Ora bem, só seis (6) atletas (incluindo o futebol) cumpriram o objetivo determinado quando o objetivo determinado era de catorze (14) finalistas. Quanto aos atletas de Nível 3, num total de dezasseis (16), o objetivo era obterem-se 80% de lugares de semifinalistas o que, seriam treze (treze) atletas. Todavia, só quatro (4) atletas cumpriram o objetivo o que fica muito abaixo do objetivo determinado. Finalmente, quanto aos atletas não integrados no Programa de Preparação Olímpica num total de trinta e um (31) só foi obtido um resultado com algum significado (nono em ténis pares masculinos). Infelizmente, a tendência vai no sentido de Tóquio (2020) vir a ser uma autêntica hecatombe. Claro que, depois, ninguém assumirá as responsabilidades e as devidas consequências.
Portanto, para além dos resultados individuais e dos esforços dos atletas, das famílias, dos treinadores e dos dirigentes dos clubes e federações o resultado global da participação portuguesa nos JO do Rio de Janeiro (2016), em função dos recursos postos à disposição que segundo o presidente do COP foram os suficientes, só pode ser classificado como miserável. E a generalidade da comunicação social até os apresentou como uma “grande desilusão”. É claro que a grande desilusão se ficou a dever à superestrutura da organização do desporto nacional (Ministério, Secretaria de Estado do Desporto, Instituto Português do Desporto e Juventude, Comité Olímpico de Portugal, Confederação do Desporto de Portugal, Fundação do Desporto de Portugal) que, sob a liderança do Ministro da Educação e a participação de todos os agentes envolvidos, parece não ter tempo ou até mesmo vontade para, de uma forma franca, aberta e competente, avaliar a atual situação do desporto nacional. Se tal acontecesse seria o justo reconhecimento de que, em termos individuais, a presença de 92 atletas no Rio de Janeiro representou um extraordinário esforço dos atletas, das famílias, dos treinadores, dos clubes e das federações desportivas, sem os quais o alto rendimento desportivo nacional, há muito, como ficou demonstrado com Rui Bragança, já tinha “fechado a porta”.
Entenda-se que uma má prestação nuns JO é perfeitamente natural que possa acontecer. O problema é que as Missões Olímpicas portuguesas têm vindo a acumular desastres sobre desastres sem que os dirigentes políticos e desportivos demonstrem qualquer capacidade para alterarem o rumo aos acontecimentos. E, para além da Coreia do Norte, até têm muitos países onde podem encontrar exemplos elucidativos. Por exemplo, a participação da Austrália no Rio de Janeiro foi um fracasso uma vez que foram os piores resultados desde Barcelona (1992). Mesmo assim a Missão Olímpica australiana obteve 29 medalhas (O8,P11,B10)!
Todavia, há duas diferenças fundamentais que separam a cultura organizacional do desporto português da do desporto australiano. Em primeiro lugar, os australianos, em vez de fazerem festanças do tipo “celebração olímpica” que o que mais fazem lembrar é a orquestra do Titanic, trataram de identificar as causas do fracasso a fim de idealizarem soluções em termos de organização do futuro. Em segundo lugar, no desporto australiano existe uma coerência estrutural entre ao ensino e alto rendimento. Quer dizer, o desporto de base está suficientemente estruturado para, em tempo real, alimentar o alto rendimento e o alto rendimento suficientemente organizado para, de modo contínuo, influenciar o desporto de base. Quer dizer, existe uma base suficientemente forte sustentada por dirigentes e técnicos experientes e aptos para, de um momento para o outro, se necessário for, corrigirem o curso dos acontecimentos. Por cá, passados que estão praticamente dois anos do Rio de Janeiro, a menos que aconteça uma decidida intervenção de Nossa Senhora de Fátima, de Tóquio (2020), só se pode esperar mais desatino e miserabilismo em matéria de participação nos JO.
O desporto português não tem massa crítica que lhe garanta coerência estratégica como se pode ver pela inconstância e inconsistência das Missões Olímpicas desde os anos cinquenta. Existe uma enorme contradição entre as necessidades dos atletas e o superego dos dirigentes. A última coisa que se pode esperar do desporto australiano é a existência de um qualquer “iluminado” que, ao estilo “magistar dixit”, na maior das ignorâncias, se sente no direito de determinar o destino do desporto no país. A metáfora do “dress code” representa bem este estilo de liderar o desporto. Enquanto os atletas, no centro operacional, estão preocupados com o fato de treino, os dirigentes, no vértice estratégico estão preocupados com “dress code”. A par desta disfunção ideológico-organizacional, a estrutura intermédia do Sistema Desportivo nacional, na mais confrangedora ausência de liderança política capaz de desencadear sinergias de sinal positivo, está cheia de dúvidas e sobretudo de dívidas, sem saber para onde se há-de voltar. Aguarda pacientemente pelo reforço de verba solicitado ao IPJD que funciona como uma espécie de “caixa geral de depósitos” atribuindo politicamente verbas a organizações que funcionam à margem de qualquer controlo social minimamente credível. Quer dizer, os portugueses são obrigados a pagar apesar de não terem qualquer direito de participar.
Na realidade, entre nós, a avaliação séria, independente e competente dos últimos Ciclos Olímpicos, se existiu, ficou no segredo dos deuses. Todavia, em 2004, sem quaisquer estudos de suporte foi desencadeada uma mudança estrutural no Sistema Desportivo Português que, desde logo, se começou a revelar caótica como se verificou com a hecatombe que que foi a participação portuguesa nos JO de Pequim (2008). Depois, apesar de, entre outros, um trabalho de Alfredo Silva relativo aos JO de Pequim (2008) e um relatório intitulado “Avaliação do Impacto do Financiamento Público dos Ciclos Olímpicos e Paralímpicos 2001-2012” produzido pela PWC para IPDJ, levantarem sérias críticas ao estado da situação, tudo continuou na mesma e a progredir de desastre em desastre.
Entretanto, através de uma breve consulta às estatísticas desportivas oficiais, chega-se à conclusão que, enquanto as modalidades desportivas que, por diversas razões, não estiveram presentes no Rio de Janeiro, num total de quarenta e duas (42), estão numa situação de estagnação ou, até mesmo, regressão pois, em termos globais, apresentam um crescimento de praticantes no período de 2008 a 2016 de 2%. Pelo contrário, as modalidades presentes no Rio de Janeiro), num total de 16, no mesmo período, tiveram um crescimento de praticantes de 38%. Quer dizer, o Sistema Desportivo nacional está num processo de autofagia em que as grandes prejudicadas são as modalidades coletivas (andebol, basquetebol, voleibol) que, com uma tradição escolar extraordinária nunca estiveram presentes nos JO.
Sabendo-se que os hábitos de prática desportiva ao longo da vida, com índices de fidelidade e intensidade acentuados estão, fundamentalmente, nas modalidades coletivas pode-se, facilmente, compreender que o atual modelo de desenvolvimento do desporto nacional (inventado em 2004-2005) numa de “lá vamos cantando e rindo” está a conduzir o Sistema Desportivo nacional no caminho da incultura desportiva que hoje, em termos dramáticos, já se constata no País.
Entretanto, Tiago Brandão Rodrigues, tal qual Zeus o rei dos desuses do Olimpo, tem a última oportunidade para mudar o curso aos acontecimentos reduzindo à sua insignificância os heróis com pés de barro que se apropriaram do desporto nacional e entendem, ao estilo “magister dixit”, poder viver à custa da inoperância do sistema sem assumirem quaisquer responsabilidades.
Gustavo Pires in a Bola

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