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domingo, 7 de janeiro de 2018

UM AZAR DO KRALJ


O penteado compacto e imóvel, o filho do CEO, o argumentista e a Neflix entraram nesta crónica e deu nisto (por Um Azar do Kralj)
Vasco Mendonça escreve sobre os jogadores do Benfica, do seu Benfica, após a vitória encarnada diante do Moreirense. Encontrará referências capilares, cinematográficas, geográficas, sociais e literárias várias.
Bruno Varela
Seja em que situação for, nos tempos mortos ou nas defesas decisivas, nota-se em Bruno Varela uma vontade indomável de não ser apenas mais um figurante. Temos hoje um guarda-redes titular que, após um início tímido e o embaraço reservado a Bossio, Roberto, Rui Nereu e tantos outros, deu a volta por cima. Isto é raro e deve ser acarinhado. Se o livro fosse sobre este Bruno Varela, chamar-se-ia “O entusiasmo do guarda-redes no momento do pénalti.”
André Almeida
Está preso num gif pleno de amor à camisola. Assim passou André Almeida mais 90 minutos: cumpridos técnica, táctica e metaforicamente a bater com a mão esquerda no símbolo do Benfica enquanto fechava o flanco ou subia de forma aguerrida para apoiar Salvio ou João Carvalho. O seu bater no peito de há uns dias após atirar Fábio Coentrão ao chão já tinha sido explicada por Ricardo Reis, um colega de escola de Cosme Damião: “Para ser grande, sê inteiro: nada / Teu exagera ou exclui / Sê todo em cada coisa / Põe quanto és / No mínimo que fazes / E acima de tudo / Carrega Benfica.”
Jardel
Bem na gestão das poucas tarefas que lhe couberam em sorte esta tarde. Já tive colegas de trabalho que disfarçavam muito pior.
Ruben Dias
Participação competente na versão defensiva da expressão “bater a mortos”, alternando atenção com uma ambição ofensiva que mais dia menos dia nos sairá cara, mas a vida é mesmo assim. Pareceu interpretar corretamente as novas regras da modalidade, em vigor desde 4ª feira, num lance aos 80 minutos disputado com a ajuda do braço.
Grimaldo
Continua em excelente forma. Desenhou meia dúzia de triangulações com Cervi e Krovinovic que só não darão origem a títulos como “Gangue de jovens espalha horror em Moreira de Cónegos” porque a imprensa não gosta do Benfica.
Samaris
Saiu ao intervalo após um lance do qual se orgulharia se tivesse sido ele a provocar a lesão.
Pizzi
É o Aaron Sorkin do meio-campo benfiquista. Os guiões escritos para os seus colegas resultam frequentemente em dinâmicas estonteantes - à la West Wing - por vezes quase irreais pela velocidade a que se sucedem, mas plenas de inteligência, humanidade e profundidade atacante. Chegam mesmo a fazer do guionista a estrela improvável, até se tornar habitual e querermos mais e mais dos seus guiões. Esta época, porém, tem havido espaço para o ocasional diálogo azeiteiro como em Studio 54 ou Newsroom, irreal de tão ridículo que chega a ser. No caso de Pizzi, e não obstante este ou aquele passe para as costas da defesa ou linha de passe que só ele achou verosímil, continuamos a ter um guonista de quem esperamos sempre o melhor, sabendo sempre que contém em si o pior.
Krovinovic
Manteve-se imune às modas e consciente da razão pela qual está neste planeta. Krovinovic devolve a fé a todos os adeptos de futebol que acreditam ser possível regressar a um tempo em que os jogadores se preocupavam mais em jogar bem à bola do que em cuidar do seu cabelo. Deviam ensinar este desmazelo capilar nas escolas do Seixal.
Cervi
É espantoso como se mantém compacto em qualquer circunstância e consegue recuperar a posição ideal sem nunca perder mobilidade ou irreverência ao longo de 90 minutos. Refiro-me obviamente ao novo penteado de Franco Cervi.
Salvio
Finalmente um jogo em que ele não é um dos melhores em campo. Ainda assim, escusava de ter sido o pior.
Jonas
Estatisticamente, poderia até dizer-se que foi um dia mau, tal foi o número de golos falhados ou passes mal conseguidos. Hoje não falhou golos por causa do árbitro, mas devido à intervenção dos seus pés. Não satisfeito, lá remediou como pôde, decidindo mais um jogo como só ele tem sido capaz esta época. Continua a ser a principal razão para um benfiquista sair da cama todas as manhãs.
Keaton Parks
Tem nome de multinacional, mas Keaton Parks evita jogar como se fosse o filho do CEO que entrou com cunha. Ainda que tenha estudado na melhor escola internacional do Seixal e todos lhe augurem a sucessão do pai Ljubomir na liderança da empresa, o jovem Keaton sabe que o caminho até ao topo não é só glamour: há que sujar as mãos, guerrear à zona e comer a relva em Moreira de Cónegos. Só assim manteremos vivo este sonho americano.
João Carvalho
Continua a fazer o seu caminho improvável rumo ao Mundial da Rússia. Leram aqui primeiro.
Jimenez
Esta semana o magazine cultural “Não tenho nada para dizer sobre este tipo” destaca os novos especiais de Dave Chappelle na Netflix.
Um Azar do Kralj, in Tribuna Expresso

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