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terça-feira, 27 de março de 2018

B OU NÃO B, EIS A QUESTÃO


Uma das especialidades nacionais mais populares é a destruição de valor. Pega-se no que está a funcionar e trata-se de mudar tudo. A proposta de criação de um campeonato de sub-23, e, acima de tudo, o desinvestimento nas equipas B que daí decorre, é disto exemplo.
Verdade que não vem mal ao mundo se for criada mais uma competição de formação. Só que também não se vislumbra nenhuma vantagem e o exemplo inglês que é bastas vezes referido não só não tem paralelismos em Portugal, como está longe de estar demonstrado que o campeonato sub-23 seja a explicação para o sucesso recente das seleções jovens inglesas.
Pior mesmo é a criação desta competição pressupor, de facto, o definhamento das equipas B. Ou seja, em nome da criação de uma competição de mérito incerto promove-se o fim de uma história de sucesso com alcance estratégico para o futebol português, do ponto de visto financeiro e desportivo.
Vale a pena recordar os números: o presidente da Liga valorou em 375 milhões de euros a receita das vendas de jogadores que desde 2012 atuaram em equipas B e o rol de atletas que vingaram por força das suas passagens por estas formações é notável. Uns afirmaram-se nas equipas A e noutras equipas da 1.ª Liga, outros passaram das B para uma carreira internacional de sucesso (infelizmente, o Benfica lidera neste item, com os tristes casos de Cancelo, Hélder Costa e, acima de tudo, Bernardo Silva). Mais, de acordo com dados do analista de futebol português, Jan Hagen, nove dos 23 campeões europeus jogaram em equipas B; o mesmo sendo verdade para 20 dos selecionados do último Mundial de sub-20. Sintomaticamente, a Seleção sub-21, depois de ter falhado três vezes consecutivas a qualificação para o Euro, esteve invencível de outubro de 2011 a junho de 2017.
A explicação parece simples: a 2.ª Liga expõe os jovens talentos a desafios exigentes, bem distintos daqueles que teriam se continuassem o percurso competitivo apenas com jogadores da mesma idade. É, aliás, isso que tem permitido a muitos jogadores saltarem etapas na formação, ganhando maturidade e ficando mais preparados para vingar nas equipas principais.
O caso do Benfica – que é o que mais interessa – é exemplar. A combinação da exposição mediática a que foram sujeitos os jogadores da formação (com os jogos da B a serem transmitidos pela BTV) com os desafios competitivos da 2.ª Liga tornaram possível a afirmação de Nélson Semedo, Guedes, Lindelöf e Rúben Dias, para ficarmos só pelo último ano. De tal forma que esta aposta se tornou o eixo central do modelo de negócio do clube (centenas de milhões de euros de receitas), com ótimos resultados desportivos.
Que outros clubes ponderem pôr fim às suas equipas B, num contexto de restrição aos empréstimos, é um erro colossal; que a Federação aposte nos sub-23 em lugar de promover a entrada de várias equipas B nos escalões competitivos adequados à realidade de cada clube é um equívoco estratégico; que o Benfica pondere sequer pôr fim ao projeto da equipa B é inexplicável.
Pedro Adão e Silva, in Record

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