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sábado, 24 de março de 2018

OS EDUCADORES DAS CABEÇAS PARA CIMA


"A maioria dos políticos portugueses que falam e legislam sobre educação física e desporto não suspeita, sequer, da sua própria ignorância.

Nunca consegui perceber por que razão a classe política portuguesa entende que o tema da educação física e do desporto deve ser entregue a gente que não suspeita, sequer, da sua própria ignorância. É um insondável mistério. Talvez que, no seu todo, a classe política ache, de facto, o assunto inevitável, mas entediante. Tem uma suave consciência de que é politicamente correcto dizer-se que o desporto faz bem à saúde, coisa que o próprio desporto, divertido, se encarrega de colocar em dúvida e, no alto rendimento, até mesmo de desmentir. Porém, intimamente, acha que a vida devia ser exactamente como o Eça a propunha na sua visão mais sonhadora: viver numa quinta com as traseiras para o Chiado, para ter sempre ao pé a salvação de um refúgio na comodidade da civilização urbana.
Recentemente, a comissão de Educação e Ciência da Assembleia da República reuniu-se para discutir a recorrente questão de saber se deve, ou não, a educação física contar para nota, ou seja, deve ou não a disciplina ser valorizada para contar para a média final do secundário e para acesso ao ensino superior. Não há consenso sobre a matéria, mas há uma indicação de que sim, a educação física deve voltar a ter uma existência formal.
Curiosamente, aqui, o regime manifesta-se plural. O Bloco de Esquerda apresentará uma proposta com essa conclusão, o PC apoia e o CDS também. No meio fica o PS, que sobre esta matéria nunca soube verdadeiramente o que pensar e o que fazer, e o PSD, que está disposto a votar contra.
O alarme não surge, porém, desta particularidade fascinante da criação de uma nova e mais curiosa geringonça para aprovar a maioridade da educação física nas escolas secundárias. Vem da inqualificável argumentação de quem se propõe aprovar e de que se propõe rejeitar.
Por simples pudor prefiro não referir os nomes dos deputados que foram escolhidos pelos seus partidos para penosamente afirmarem o seu desconhecimento, a sua total ignorância sobre o assunto que pretendem legislar.
Vejamos o que nos dia o PSD na explicação do seu anunciado voto contra: diz, pela voz do deputado eleito para dar uma explicação pública, que a educação física «é fundamental, quer para o crescimento físico quer intelectual dos nossos alunos». Bom, mas sendo fundamental, o que pode então levar o PSD a votar contra? O senhor deputado dá uma explicação piedosa: porque «há um conjunto de alunos que na prática não valoriza a disciplina de educação física». O leitor pode pensar que estamos a brincar com assunto sério, mas infelizmente não estamos.
E por que razão o CDS é a favor? Bom, a argumentação consegue suplantar o do representante do PSD em delírio e ignorância. Diz a senhora deputada do CDS que «percebemos e subscrevemos o princípio de que a escola não pode educar apenas da cabeça para cima». Daí, dizemos nós em conclusão legítima, deve passar a educar também da cabeça para baixo.
Admite-se, assim, o ser humano com a complexidade de um pequeno prédio com rés-do-chão e primeiro andar. No piso de cima, a cabeça, suponho que numa única assoalhada; no piso de baixo o corpo, os bracinhos, as perninhas, em assoalhadas mais numerosos. A cabeça e o corpo são, pois, vizinhos. O que se pretende é que se deem bem e que saibam, em conjunto, cuidar do prédio em favor do senhorio que é cada um de nós.
O que ouvimos e lemos é alarmante. A decisão final aponta para uma proposta correcta, mas, pelo que se vê, por mero acaso político. Mas falta compreender e por isso ficará a faltar o essencial: revolucionar a disciplina de educação física, numa perspectiva de adequando conhecimento científico.

A discussão e o unanimismo
É positiva a iniciativa do Sporting de discutir o futuro do futebol, convidando gente qualificada. Faz mal, o Sporting em sujeitar um evento tão importante para o futebol português à dimensão de feita de aldeia. O acontecimento merecia mais e teria mais, não fora a desastrada política interna de comunicação que afasta e agride o livre pensamento e os livres pensadores. É que não faz sentido exigir o unanimismo bruniano e, depois, gastar esforço e dinheiro na pluralidade. Como se o Sporting fosse o todo e não fosse a parte.
(...)"

Vítor Serpa, in A Bola

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