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terça-feira, 5 de junho de 2018

CORROMPER À VEZ?


Tem-se tornado difícil – e também custoso – acompanhar a sucessão de notícias com acusações e suspeições em torno dos jogos dos três grandes. Há, contudo, algumas regularidades na forma como as notícias são recebidas. Os adeptos acreditam no que é sugerido, à vez: quando os casos envolvem o Porto, os benfiquistas dão tudo como certo; quando toca ao Sporting, os benfiquistas logo garantem ser crime. Naturalmente, quando é o Benfica que está na berlinda, para portistas e sportinguistas não restam dúvidas: estamos perante evidências inequívocas de corrupção. Ou seja, notícias semelhantes podem passar, num ápice, de um escândalo sem paralelo no futebol português para uma montagem vergonhosa, promovida por jornalistas a soldo, assente numa mão-cheia de nada e sem qualquer sustentação.

A banalização de casos, casinhos e demais variações tem tido vários efeitos – lança lama sobre todos, degrada a imagem de um setor de excelência em Portugal e questiona a verdade desportiva. Há, contudo, um efeito que se sobrepõe a todos os outros: hoje, ninguém tem capacidade para escrutinar o teor das acusações. Nuns casos porque estas assentam em depoimentos de cara tapada e voz distorcida, noutros porque partem de violações grosseiras do segredo de justiça, por definição descontextualizadas e feitas à medida de uma das partes ou, ainda, porque são construídas a partir de denúncias anónimas ou de declarações de personagens com pouca ou nenhuma credibilidade.

Perante o ruído branco e permanente, ao adepto que não tenciona deixar de acompanhar com paixão o seu clube e as competições nacionais, só resta mesmo uma solução: esperar por eventuais acusações promovidas pelo Ministério Público que, uma vez públicas, todos teremos capacidade para escrutinar, independentemente das sentenças que se poderão (não) seguir. No fim, nada poderá ficar como até aqui no futebol português e, das duas uma, ou haverá mão muito pesada para os caluniadores ou terá de ser feito um refresh profundo no dirigismo. A bem da memória, convém recordar, trata-se de fazer exatamente o que os sócios do Porto não fizeram, mantendo, até hoje, em funções uma direção, no mínimo, manchada eticamente e que agora, com um cinismo intolerável, se quer ver alcandorada em arauto da moral.
Desde já, contudo, é possível identificar outra regularidade na forma como as notícias são recebidas. É que, como lembrava o sempre certeiro João Vale no twitter, "o nervoso miudinho que todos os adeptos sentem quando se ouve falar de que há um novo escândalo a abalar um dos três grandes, mostra bem a confiança que temos nos dirigentes dos nossos clubes".
Pedro Adão e Silva, in Record

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