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sábado, 10 de novembro de 2018

RUI VITÓRIA E OS BENFIQUISTAS


"Depois de dizer tão recentemente que Rui Vitória é o homem certo para o seu projecto, não creio que Vieira decida afastar o seu treinador

Quando no final do jogo da Luz, com o Ajax, o público benfiquista se ergueu em protesto num julgamento sumário da equipa e do seu treinador, percebeu-se que a dimensão do divórcio entre adeptos e a sua equipa de futebol é real e preocupante. Tão preocupante que apesar de Rui Vitória ter mais uma vez tentado deitar água na fervura dos avermelhados ânimos, veio Grimaldo dizer publicamente que não compreende os adeptos que, injustamente, não dão valor ao esforço e entrega dos jogadores.
Grimaldo não entende - e é estranho que ninguém no Benfica o faça entender - que nenhum clube poderá ser respeitado como clube grande se não tiver uma cultura de vitórias e se achar que os adeptos podem andar com os jogadores nas palminhas quando não ganham há uma série de jogos.
Que se jogadores estão com o seu treinador, isso é uma evidência que não pode nem deve ser descartada, mas é precisamente essa união de facto que explica que os adeptos estejam contra o treinador e à equipa, porque não gostam do que veem e não deixam ninguém de fora das culpas.
Como nenhum clube muda de equipa, resta sempre a solução de mudar de treinador e esse é, sem qualquer subterfúgio, o maior o mais urgente problema que está em cima da mesa de Vieira.
Os adeptos, julgo que na sua maioria, não têm dúvidas: a solução é dizer adeus e obrigado a Rui Vitória pelos anos de trabalho intenso e sério que desenvolveu. Porém, apesar da evidente pressão, Vieira não costuma ser influenciável nestas situações. Pelo contrário. É nestes momentos de pressão e de suposto isolamento na opinião que gosta de marcar território e provar o seu intocável poder de liderança no clube.
Há quem diga que a situação de Vitória, se não ganhar em Tondela, não será sustentável, nem mesmo para Vieira. Não tenho a certeza disso. O Campeonato volta a parar para deixar passar o Alfa da selecção nacional, é cada vez mais uma linha de comboio regional que pára em todas, e isso permite tempo para arrefecer emoções e tempo para aqueles pensamentos profundos que evitam ou adiam decisões desconfortáveis.
Vieira poderia, entretanto, correr o risco de nem ter condições para manter Rui Vitória, nem condições para o mandar embora. Porque em caso de desastre no jogo da Liga, a revolta dos adeptos seria técnica e psicologicamente insuportável, mas não o despediria, porque o presidente nunca cedeu a pressões externas e porque, depois dos ainda muito frescos discursos de apoio à competição do «homem certo para o grande projecto do Benfica», não teria, agora, como voltar atrás e deixar a sua palavra nos saldos de Natal.
Se fizermos uma análise mais global e racional da actual situação do futebol do Benfica chagaremos a conclusão de que, apesar de tudo, será mais fácil a Vieira aguentar a pressão interna, por muito forte que seja, do que ceder no seu poder institucional e pessoal.
Há, evidentemente, um problema adjacente a esta previsível escolha de Vieira. O Benfica tem de dar urgentes sinais de, no mínimo, estar em convalescença, e se o clube tivesse a consciência da importância política de uma comunicação estratégica, como é o caso no FC Porto, certamente que alguém se incumbiria de difícil tarefa de convencer Vitória a optar por um discurso de uma criatividade planeada e mais estudada, porque o maior de todos os cansaços é o de anos e anos de discursos que não surpreendem, não causam emoção, não apaixonam, não empolgam, não dão esperança. Claro que é da personalidade de Rui Vitória, mas, por vezes, um líder tem de ir além do homem que é. Sobretudo quando a estabilidade já muito se confunde com a monotonia."

Vítor Serpa, in A Bola

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