"Não me espantaria que a breve prazo se assista no Benfica a uma reorganização de pastas em nome de uma estrutura mais discreta, mais eficaz e mais forte
Em Fevereiro deste ano, nos oitavos de final da Liga dos Campeões, o Liverpool goleou o FC Porto, no Dragão (5-0). Na conferência da Imprensa, Sérgio Conceição afirmou que era preciso honrar o símbolo do clube e assumir a responsabilidade pelo agreste resultado - no ambiente de rivalidades exacerbadas que marca o futebol português, abro este parêntesis para elogiar a nobreza do treinador portista ao lamentar a exposição na praça pública de um colega de profissão (Rui Vitória).
A estrutura portista sentiu um resfriado, mas nenhum sintoma de fraqueza se lhe notou. Foi comer e calar, não constando que alguma medida excepcional tivesse sido imposta, a não ser o regresso de Casillas à titularidade por troca com José Sá.
Há uma semana, o Benfica sofreu também cinco, em Munique, diante do Bayern, que em épocas anteriores presenteara o FC Porto com seis golos (2015) e o Sporting com doze na mesma eliminatória, em 2009 (cinco em Lisboa e sete em Munique). No entanto, a oportunidade foi de ouro para os espíritos mais excitados indicarem ao treinador a porta de saída e ajudarem a compor um simulacro de crise.
A estrutura benfiquista, uma das principais bandeiras de Luís Filipe Vieira, até ao momento com perfeita justificação, desta vez, porém, sujeitou-se a uma situação embaraçosa e precipitada.
No rescaldo da reunião que, presumivelmente, foi convocada para carimbar o despedimento de Vitória, e nem me importa saber quem lá esteve, sobressaiu uma descontrolada pressa de soprar para o exterior mentiras e verdades sobre assunto sério e discutido em circuito fechado. Foi uma paródia que podia ter sido menos cansativa para os mensageiros e mais divertida para os adeptos se a BTV se tivesse lembrado de fazer a cobertura do espectáculo, com comentários, reacções, debates, tudo seguido ao minuto, tipo jogo e reportagem nas cabinas.
Sobre o tema, confesso a minha ignorância. Depois de tanto ler e ouvir ainda não percebi o que, em rigor, aconteceu. Não me refiro ao que é do conhecimento público, mas ao alcance e às consequências dessa reunião cujo objectivo supremo o presidente, por razões que só ele domina, fez abortar.
Vieira foi acusado de amadorismo, de inabilidade ao colocar em si o foco da pressão e de colocar em risco o seu próprio lugar, além de outros reparos. O futuro dirá.
No futebol, como na vida, ninguém é dono da razão. Não me preocupa, por isso, que a independência que prezo seja vista como um curvar submisso por quem pensa de maneira diferente quando se trata de falar de pessoas e do que elas representam, seja qual for a cor da camisola. Isto para sublinhar que admiro a obra do presidente do Benfica, tenho respeito por ele e nada de suficientemente grave vislumbrei até ontem que pudesse abalar a confiança que me merece. Pelo contrário, a criticada e gozada mensagem da luz que lhe iluminou o caminho de sentido contrário ao que fora profusamente difundido, interpreto-a como ingénuo exercício metafórico, tradutor de quem gosta de pensar mil vezes se for preciso no assunto de modo a não patrocinar más decisões ou promover injustiças.
Foi uma atitude exemplar da sua parte. Exerceu a liderança que o cargo lhe confere e fê-lo com humildade e coragem nunca antes registadas, ao chamar a si a total responsabilidade pela surpresa que acabara de comunicar ao mundo e ao ilibar a Comunicação Social pelo folclore de notícias que a dita reunião suscitou, lançando aviso sério para dentro. Aliás, não me espantaria que a breve prazo se assista a uma reorganização de pastas em nome de uma estrutura mais discreta, mais eficaz e mais forte.
Se não houver nenhum imprevisto, sábia advertência presidencial, Rui Vitória tem o seu lugar assegurado até final da temporada. Há uma semana escrevi que estava tudo nas suas mãos e assim continua. Há o Campeonato para reconquistar, as Taças de Portugal e da Liga para vencer e uma Liga Europa, se para tanto lhe sobrar engenho, para reclamar o estatuto de candidato à conquista do troféu.
É capaz de ser de mais. Creio que ainda hoje não enxerga o choque por causa do penta que falhou e depois de muito questionado sobre a humilhante campanha na UEFA se ter lembrado que há vida além da Liga dos Campeões convenci-me que para ele, enquanto treinador profissional, a ambição tem um horizonte limitado: ganha-se hoje, perde-se amanhã, depois empata-se e por aí adiante, numa boa, sem arrelias.
Apesar dos nomes aventados e das campanhas em curso, penso que o nome do futuro treinador do Benfica sairá de uma curta lista guardada a sete chaves na cabeça do presidente. E também sobre este ponto arrisco que se tem falado muito e acertado pouco. Quanto ao resto, o trabalho de Vieira supera todas as dúvidas. A obra, a estabilidade e o projecto devem tranquilizar associados e adeptos. Admito estar enganado, mas esta crise inventada, pese o barulho que provocou, mais não é que uma pausa ligeira na construção do edifício que há de albergar o Benfica do futuro. Esse, o mesmo que, na opinião de Domingos Soares Oliveira, «será um dos dez melhores clubes europeus, garantidamente daqui a 15 anos»."
Fernando Guerra, in A Bola
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