"Diz o povo, que nem sempre é assim tão sábio, que os portugueses têm brandos costumes. Não têm, por exemplo, o sangue quente dos nossos vizinhos espanhóis e que por isso fizeram uma colonização de um evangélica mestiçagem e que, por cá, até as guerras são mais amenas, mesmo sem lembrar essa inusitada revolução que teve cravos na porta das espingardas.
Apesar de algumas imponentes e temíveis figuras históricas, que vão do D. Afonso Henriques ao Marquês de Pombal, passando, fugazmente, pela plebeia padeira de Aljubarrota, a verdade é que até muitos dos nossos reis são mais conhecidos pelos amores do que pelos desamores.
E, no entanto, não me parece assim tão evidente que sejamos um povo de brandos costumes. Olhem o que por aí vai nas redes sociais, onde essa noção mesquinha de que é possível atirar a pedra e esconder a mão acaba por ser assumida por tanta gente como uma manifestação de pura raiva e de detestável cobardia.
Atente-se, também, nesse preocupante e deplorável currículo nacional da violência doméstica, cujos intermináveis casos, bem ou mal julgados por tribunais de brandas sentenças, se tornam um flagelo social e cívico, que junta a mais abjecta de machismo à mais brutal rasteirice humana.
E, last but not least, olhemos com seriedade para os horrores nacionais da violência desportiva, onde a agressividade verbal está a ser tolerantemente tratada, como se fosse socialmente razoável física leva a uma ideia quase resignada de uma chatice pública que a todos incomoda um bocadinho, mas a ninguém sugere verdadeiras medidas de extinção."
Vítor Serpa, in A Bola
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