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quinta-feira, 23 de maio de 2019

AS CHAVES DO 37 E O BENFICA QUE SE VESTE PARA A NOVA ÉPOCA


"Nunca fui um yes man." Rui Costa em entrevista à TSF
Em entrevista exclusiva à TSF, Rui Costa fala de forma clara sobre os temas quentes e das "saudades de calçar chuteiras". Passa ainda em revista a época benfiquista, lança farpas aos adversários e explica como está a ser preparado o Benfica europeu.
Rui Manuel César Costa, mais conhecido por Rui Costa, 47 anos, natural de Lisboa, administrador da SAD do Benfica, antigo jogador do Benfica, Fafe, Fiorentina e AC Milan - onde foi campeão europeu. Internacional português, venceu o Mundial de Sub-20 no antigo estádio da Luz. Chamavam-lhe o "Maestro".
Rui Costa, ainda está a festejar o 37.º título ou já está a preparar o 38.º?
Direi que já estamos num misto. Ainda estamos a festejar o 37.º, bem merecido, mas, como este clube não para, já estamos a preparar o próximo ano e o nosso grande objetivo é o 38.º.
Olhando para esta época, Bruno Lage foi a chave desta conquista?
Foi uma enorme chave entre muitas outras que tivemos ao longo de um ano extraordinariamente difícil, mas Bruno Lage trouxe a esta equipa aquilo que, naquele momento, a equipa precisava e os resultados que obteve até chegarmos ao título mostram a importância que ele teve neste campeonato.
Ficou surpreendido com a liderança de Bruno Lage, com a qualidade de treino?
Nós conhecíamos o Bruno, porque sendo um homem da casa conhecíamos bem o trabalho dele nas camadas jovens. Tínhamos muita confiança em que seria um bom líder para esta equipa, mas também lhe posso adiantar que surpreendeu positivamente, porque superou todas as expectativas. É um treinador de excelência, um homem com uma enorme capacidade de liderança e acabou por ser ainda mais forte do que aquilo que poderíamos esperar inicialmente.
Em que é que mais o surpreendeu?
A forma como, humanamente, lidou com os jogadores. A forma simples como conseguiu agarrar o plantel e chamá-lo a si, responsabilizando os jogadores mas, ao mesmo tempo, dando a todos a liberdade de se expressarem da melhor forma em campo. Surpreendeu-me como, repito, desde o primeiro dia, a equipa ficou deslumbrada com a forma como ele entrou no grupo de trabalho, com uma simplicidade tremenda, uma humildade muito grande, mas ao mesmo tempo com o pulso necessário para liderar uma equipa como a do Benfica.
Arrependidos de não lhe terem dado esta oportunidade mais cedo? Naquele momento em que Rui Vitória esteve para sair...
Não podemos estar arrependidos de nada. O ano correu como correu, não sabemos se os resultados seriam os mesmos se o Bruno tivesse entrado mais cedo. No futebol não há "ses". O que posso fazer, já que fala no Rui Vitória, é também agradecer todo o trabalho que ele teve no Benfica ao longo dos anos em que representou o clube, com uma forma de excelência, um grande profissional, inserido naquilo que eram os ideais do clube. Ganhou dois campeonatos. Este ano as coisas não estavam a correr bem e entendemos que era necessária uma mudança, mas isso não elimina o trabalho que Rui fez aqui. Estaremos sempre gratos por aquilo que representou e representa para nós. É um dos pilares da aparição dos nossos jovens na primeira equipa e, portanto, estaremos sempre gratos ao Rui Vitória.
Quando entregam o comando da equipa a Bruno Lage, era para ser uma solução provisória, ou já era para comandar a equipa até ao final da época?
Tínhamos confiança no Bruno Lage. Quando entendemos que estava na hora de trocar e que a opção recaía sobre o Bruno, foi com a intenção de ele terminar a época, de ter tempo para desempenhar o seu trabalho. Volto a dizer, tínhamos essa confiança, mas acabou por superar todas a expectativas. Foi muito mais do que o que esperávamos. Lembro que era a primeira vez que o Bruno estava a treinar uma equipa como treinador principal, portanto era necessário dar-lhe tempo para se inserir neste ambiente. Mas o que é um facto é que depois de pouco tempo aparentava que já estava há uma vida com estas responsabilidades. Foi muito positivo para ele e para a equipa. A equipa estava preparada para agarrar este campeonato e seguiu o treinador. Isso foi a grande chave para o sucesso.
Chegaram a equacionar outros nomes? Recordo que na altura se falou no possível regresso de Jorge Jesus...
Quando se fala de uma equipa como o Benfica fala-se de tudo e mais alguma coisa, até de treinadores que nunca estiveram em carteira. Era natural que nesse período se falasse de muita coisa, é natural que um clube como o Benfica tenha que equacionar todas as possibilidades e possa avaliar todos os treinadores que estejam no mercado para decidir qual o melhor para os destinos do clube. O presidente, e bem, à sua maneira, decidiu apostar num treinador da casa - que é uma das coisas que nós temos feito neste projeto, valorizar o produto da casa, e aproveito para enaltecer isso. Desde sempre que o presidente olha para dentro e nos obriga a olhar também. O Bruno estava dentro do clube. Avaliámos e percebemos que no Benfica estava a peça ideal para continuar este projeto. Independentemente de como corresse a época, mas sempre com o objetivo de continuar a lutar, porque no Benfica é proibido abandonar um objetivo. Mesmo com os pontos que tínhamos de atraso, não nos passava pela cabeça que o campeonato estivesse perdido. Sabíamos que era difícil, mas...
E com uma segunda volta complicada.
Sim. Jogando fora contra os sete primeiros classificados, sabíamos das dificuldades que iríamos ter e não arriscaríamos num treinador jovem e da casa para o mandar para a fogueira - no sentido de vamos ver o que é que dá. Não, nós acreditávamos plenamente que o Bruno podia agarrar a equipa. Volto a dizer, excedeu todas as expectativas mesmo estando nós otimistas perante o trabalho que o Bruno já tinha desenvolvido e sabendo que ele poderia ter futuro enquanto treinador da equipa principal. As coisas começaram a correr muito bem e os jogadores começara a acreditar cada vez mais que podíamos estar no caminho certo para chegar novamente ao titulo.
Qual foi o momento da viragem?
Ao longo da época tivemos vários períodos e momentos que nos faziam acreditar cada vez mais.
Mas qual foi o momento em que o Rui Costa sentiu "isto vai virar e o Benfica vai para a frente do campeonato e ser campeão nacional"?
O Bruno Lage estreia-se em casa contra o Rio Ave, num jogo em que começamos a perder por 0-2, e logo aí há um dado muito importante, mesmo na adversidade, com a estreia de Bruno Lage. Era uma semana complicada com a mudança de treinador, qual seria o destino do clube e da equipa para este ano? Começamos a perder, mas a tranquilidade do Bruno Lage mostra nessa fase do jogo, inclusive ao intervalo quando fala com os jogadores, começa a dar-nos a certeza de que ele sabe o que está a fazer, que sabe para onde quer ir. E aí começamos a acreditar que o Bruno tem estaleca e estofo para agarrar esta equipa.
Quando viu o Rio Ave a vencer no Estádio da Luz sentiu o chão a fugir?
Não. Sabia que era um momento difícil, a equipa não vinha de grandes exibições, era importante sabermos aceitar um período menos positivo. O certo é que os jogadores souberam levantar-se e o jogo é essa imagem. Apesar de estar a perder, de a equipa estar a passar um momento menos positivo, até a nível individual, tiveram a força mental para conseguir dar a volta à situação e ganhar esse jogo. Mostrou que tínhamos força para dar a volta às dificuldades.
É um campeonato com várias reviravoltas por parte do Benfica.
Exato. Depois vamos ao Santa Clara e temos o duplo embate com o Guimarães, taça e campeonato.
O Bruno Lage identifica a vitória para o campeonato em Guimarães como o momento da viragem.
É. Era uma saída extremamente difícil, sabemos que o Vitória em casa é uma equipa complicada, fez um excelente jogo contra nós, nem sequer foi das nossas melhores exibições. Mas esse duplo confronto num estádio como o do Guimarães, continuarmos na Taça e continuarmos dentro do campeonato, deu-nos a força para a chegarmos à conquista do campeonato.
Bruno Lage limpou o campeonato quase todo, desde que pegou na equipa tem apenas um empate...
Dezanove jogos, 18 vitórias e um empate - da maneira que foi contra o Belenenses, sem tirar mérito ao Belenenses como é obvio, mas com um jogo difícil em que chegámos ao 2-0 e depois duas infelicidades levam ao empate - mostra bem a força que o Benfica teve nesta segunda volta e todo o mérito em chegar ao fim e ser campeão nacional.
Quer Bruno Lage muitos anos no Benfica?
Queremos todos. O Bruno é uma peça importante para o clube. Independentemente de como acabasse a época, já tinha mostrado a sua capacidade. É uma aposta do clube, do presidente e de toda a estrutura do futebol. Olhando para dentro de casa, mais uma vez, fala-se muito no 'made in Seixal', mas a verdade é que isso é válido em várias áreas. O Bruno Lage também passa por isso: subiu da equipa B para a principal, e tem um futuro enorme nesta equipa. Assim como, e deixe-me realçar isto, Tiago Pinto, diretor-geral para o futebol, que fez um excelente trabalho com a sua equipa; Ricardo Lemos; Eduardo Sá; Duarte Beirolas e todo o staff que temos à nossa volta. Também são grandes obreiros deste titulo, olhando para dentro da casa, escolhendo os elementos para seguir os projetos. O anterior diretor-geral Lourenço Coelho também fez um excelente trabalho dentro deste clube, e continua a fazê-lo.
Mas o Rui conhece o futebol europeu, os tubarões, e eles também estão atentos ao trabalho de Bruno de Lage...
É natural. Portugal não passa ao lado do mundo do futebol.
E não tem receio de perder o treinador?
Eu teria receio de ter treinadores ou jogadores que não fossem cobiçados na Europa. Isso era sinal de que não estávamos a escolher bem, não tínhamos treinadores ou jogadores de qualidade. Temos jogadores e treinadores de excelência, é natural que meia Europa queira elementos que estejam ao serviço do Benfica, é até um motivo de orgulho. Compete-nos a nós, como o presidente tem dito, fazer de tudo para segurar as nossas pérolas, e dentro dessas pérolas também está Bruno Lage.
Os rivais contestam muito esta vitória do Benfica, principalmente o FC Porto, dizendo que o Benfica contou vários benefícios dos árbitros na reta final do campeonato. Qual é a sua visão sobre este assunto?
Qual é o campeonato em Portugal em que a equipa que perde não se queixa de tudo e mais alguma coisa? Da nossa parte continuaremos a olhar para dentro, e perceber o que estamos a fazer bem e o que estamos a fazer mal. Enquanto os nossos adversários continuarem a olhar para o Benfica, para nós é bom, pode ser que se esqueçam do que têm que melhorar.
Acha que é uma vantagem do Benfica?
Os números são claros. Na segunda volta foram 16 vitórias e um empate, jogámos em casa dos sete primeiros classificados e ganhámos sempre. Uma vitória como tivemos poucas em Alvalade, com uma exibição magnífica, uma vitória no Dragão. Chegámos ao Dragão em segundo e saímos de lá em primeiro lugar. Os números são claros: 103 golos marcados. Infelizmente em Portugal valoriza-se pouco o que é feito dentro de campo e mais os programas de televisão que falam de polémicas. Mas considero-me um homem do futebol porque andei lá dentro muitos anos e vivo o futebol com a mesma paixão que vivia lá dentro. Continuo a valorizar o que é feito por treinadores e jogadores, mesmo os meus adversários. E este campeonato explica-se com uma primeira volta excelente do FC Porto, e uma segunda volta excelente do Benfica. Na reta final o Benfica superiorizou-se.
É previsível que um desses tubarões europeus bata os 120 milhões da cláusula de rescisão do João Félix?
O João tem muita qualidade e fez um campeonato extraordinário. Não é fácil para um jogador de 19 anos ter os números que teve este ano, portanto é natural ser cobiçado pela Europa - como há pouco referi sobre o Bruno Lage. Na mesma situação estão também outros talentos como o Ruben Dias, Ferro, Florentino, e outros ainda a serem formados, como é o caso do Jota. Felizmente temos uma qualidade de jogadores que nos permite sonhar com um futuro mais do que risonho.
Tiago Dantas...
E muitos outros. O trabalho desenvolvido no Seixal tem sido de excelência. E agradeço todo o trabalho que o grupo do futebol de formação tem desenvolvido, de diretores a jogadores. O que posso transmitir aos nossos adeptos e sócios é que, da nossa parte, há intenção de manter todos os talentos. O João tem contrato até 2024, com uma cláusula de rescisão de 120 milhões de euros e, neste momento, estamos a preparar a próxima época e o João faz parte do plantel. Até prova em contrário, todos os jogadores que nós queremos no plantel ficam.
Como é que vai construir o tal Benfica europeu de que Luís Filipe Vieira tanto fala?
Está em construção. Penso que este ano ficou bem claro. Acabámos a época com oito jogadores que vieram, e podemos juntar o André Almeida que também passou pela equipa B. São nove jogadores formados no Benfica, e a maioria deles já são titulares.
E isso chega?
Não, não chega. Mas, a juntar a isso, enaltecer também o trabalho desenvolvido pelos mais velhos. Não há equipa que consiga vencer só com miúdos de 19 anos, por mais talento que tenham, e o núcleo mais experiente, como Pizzi, André Almeida, Fejsa, Jonas, Samaris, Jardel, não só receberam da melhor forma os jogadores que chegaram ao plantel, como também os ajudaram a crescer e continuam a ajudar. Esta simbiose acabou por resultar num êxito tremendo e assim continuará o processo de crescimento desta equipa.
Falou aí de Samaris, um caso muito interessante. Um jogador que chegou a ser suplente de Filipe Augusto, Alfa Semedo, não era primeira opção para substituir Fejsa e já aparece com um papel determinante neste Benfica.
Muitas vezes as pessoas fazem alguma confusão, até mesmo quando se faz alguma aquisição e o jogador não joga. Os plantéis são construídos no mínimo com 25 jogadores para jogarem 11, logo há quem tenha que ficar de fora e isso depende das opções dos treinadores. O que importa depois é que consigamos sempre criar um grupo, como o deste ano que, independentemente dos que jogavam ou não, esteve sempre unido, assim como o clube. Esta foi a grande força do Benfica. Há a chave Lage, há a chave Félix, mas o grande pilar deste ano é que todo o clube esteve unido, adeptos, direção, SAD, equipa de futebol, todas as estruturas estiveram numa união perfeita.
Mas admita, se quiser, puder e se for verdade, que alguns jogadores, como Samaris e Seferovic, estiveram com um pé quase fora da Luz...
Mas não tenho problema nenhum em admitir isso. Isso foi falado no início da época. Na construção do plantel tivemos que avaliar vários fatores. Coisas que eram importantes para o balneário e coisas de que podíamos prescindir. O Samaris é um exemplo da persistência desta equipa. Esteve muito tempo sem jogar, mas quando foi chamado estava pronto, mostrou-se num patamar elevado e foi uma grande ajuda para a equipa. Este é o exemplo de todo o plantel. Muito se falou do Jonas, quando o João Félix começou a aparecer, se o Jonas iria criar problemas por não jogar, e o Jonas foi talvez dos jogadores mais importantes deste plantel. Mesmo sem jogar. Envaidece-me dizer isto, porque é o grupo com que trabalhei o ano inteiro, e assistir a esta coesão que nos fez chegar ao título nacional envaidece todos os que aqui trabalham.
O Jonas vai continuar?
O Jonas é daqueles jogadores que, pela qualidade que tem, deviam jogar até aos 50 anos. Passou muito esta época pela lesão que teve. Nunca deixou de estar com a equipa, mas acabou por passar um ano de grande sacrifício, de grande dificuldade, e agora vai ter o tempo necessário para pensar no seu futuro. Por tudo o que já fez neste clube, é sem dúvida dos melhores jogadores que o Benfica teve nos últimos larguíssimos anos.
Já falou com ele sobre a continuidade?
É uma decisão que cabe ao Jonas, com todo o apoio do Benfica.
É verdadeiro o interesse no guarda-redes Cillessen do Barcelona?
Estamos a preparar o próximo campeonato e estamos a preparar as mudanças que entendemos. Não vou falar em nomes, não vou falar em posições, mas estamos a avaliar várias situações de mercado, como é natural. Em tempo oportuno iremos confirmar isso.
São jogadores do nível de Cillessen?
Isso é uma coisa que posso garantir, o objetivo é esse. Até porque, na simbiose de que falei há pouco, os jovens nós temos em casa, a menos que apareça no mercado um jovem com talento ou numa posição que não temos e podemos ir ao mercado. Caso contrário, queremos cada vez mais apostar em menos jogadores e menos contratações, mas apenas as mais valiosas que tragam o que precisamos para dar o salto de qualidade.
Três ou quatro contratações cirúrgicas?
É isso que vai acontecer. A menos que saiam jogadores que não estamos a contar.
Chiquinho do Moreirense e Cadiz avançado do Vitória de Setubalão?
São tudo hipóteses e avaliações que temos que fazer. Porque pode haver contratações que podemos fazer que não fazem já parte do plantel. O Chiquinho fez uma época extraordinária numa equipa como o Moreirense - e é muito mais isto que eu gosto de valorizar no futebol português e não as polémicas. Vamos ver qual será o futuro do Chiquinho porque merece pela época que fez.
Na sua opinião porque é que Ferreyra e Castillo não resultaram?
Eu joguei 12 anos em Itália e vi jogadores que depois foram considerados os melhores do mundo a não resultarem em determinadas equipas. O Ferreyra veio do Shakhtar com números muito fortes e esperava-se uma afirmação imediata. Provavelmente não teve tempo para isso, ou não chegou na melhor forma para mostrar de imediato. O Benfica é um clube que tem que apresentar resultados no imediato. Não deixam de ser dois jogadores de grande qualidade, por algum motivo não tiveram uma adaptação imediata ou tão rápida como desejávamos.
Ferreyra e Castillo estão no Benfica numa altura em que havia Seferovic e Jonas e a equipa jogava só com um avançado centro. Depois, quando começa a jogar com dois avançados, saem. Se Seferovic tivesse uma lesão que o impedisse de jogar durante muito tempo, como pensa que Bruno Lage ia descalçar essa bota?
Quando fizemos essas avaliações. Que não se pense que descurámos o mercado de janeiro sem pensar em todas as soluções necessárias para nos apresentarmos bem em todos os jogos. Tudo foi estudado ao pormenor e avaliado por Bruno Lage e havia uma missão naquela fase que era reduzir o plantel para que o Bruno pudesse ter mais contacto com os jogadores. Quanto mais jogadores tivesse, mais se dispersava. A ideia era criar um grupo mais pequeno.
Mas não foi arriscado ficar só com um ponta de lança de raiz?
Mas nós sabíamos quando é que o Jonas poderia encaixar como número 9. Tudo foi pensado, percebíamos a ascensão do João Félix, não foi nada feito ao acaso. Reduzimos ao plantel ao máximo. É quase um paradoxo, mas quanto menos soluções o treinador tivesse, mais se focava no que tinha para fazer. Quando se tem um plantel demasiado vasto tem que olhar para todos e não se foca no que por vezes é principal. Tentámos e conseguimos criar esse método no Benfica com a entrada de Bruno Lage, com o objetivo de criar a possibilidade ao treinador de se focar nos jogadores com que iria contar de imediato e adotar uma forma de jogar funcional com esses jogadores. Isso resultou na perfeição.
Um jogador de quem os benfiquistas muito esperam é Zivkovic, mas com Bruno Lage teve pouco espaço.



O Zivkovic tem muita qualidade e talento, assim como quase todos os jovens que temos dentro de casa. O Zivkovic foi prejudicado pelo enorme crescimento do Rafa. Muitas vezes o jogador não perde terreno por baixar de forma, mas sim porque alguém na posição dele sobe de forma. Neste caso, o Rafa foi um dos responsáveis pela menor utilização do Zivkovic. É um jogador com um talento enorme, mas não podem jogar todos.
Zivkovic vai continuar no Benfica?
Até ao momento todos os jogadores são nossos. Agora o mercado irá ditar aquilo que iremos fazer. Ainda é cedo para conseguir garantir todos os jogadores, mas temos sempre em mente que é um grande talento.
Nas alas também houve uma alteração de Rui Vitória para Bruno Lage. Rui Vitória jogava preferencialmente com Salvio à direita e Franco Cervi à esquerda. Com Bruno Lage passam a jogar Pizzi à direita e Rafa. E o entendimento que estes jogadores têm do jogo é diferente...
Sim. Lembro também que há uma alteração de sistema. Passa-se de um 4-3-3 para um 4-4-2, com uma ideia de jogo diferente, a começar pelo segundo avançado que cria uma dinâmica diferente com a ausência de um terceiro médio. Eu não sou o Bruno Lage, mas penso que a ideia foi ter em Pizzi um médio que conseguisse jogar aberto ou pelo interior e que, portanto, não é um velocista mas um criador de jogo, um elemento que conseguisse sair da ala para vir ao interior criar uma dinâmica e um transporte de bola diferente. Do outro lado, um Rafa supersónico que conseguisse dar uns abanões no jogo. E que Rafa este! Também sabíamos que o talento do Rafa havia de saltar para fora, e saltou na melhor altura para equipa. Este novo modelo permitiu à equipa estar sempre equilibrada, tanto a atacar como a defender, e a conseguir os resultados que obteve.
O caso dos emails chegou ao balneário? Destabilizou a equipa nestas duas temporadas?
Uma das nossas missões, e aproveito mais uma vez para enaltecer o trabalho do Tiago Pinto, foi não deixar as polémicas entrarem no balneário. É inevitável que, quando se fala tanto, alguma coisa acabe por passar, mas acima de tudo o que passou para a equipa, e o que os jogadores sentiram, foi a injustiça de se estar a por em causa os méritos que tinham dentro de campo. Isso acabou por fortalecer o grupo de trabalho e foi mais uma chave para o nosso sucesso.
Como administrador da SAD tem algum receio do desenrolar deste processo?
Não! São casos que estão em tribunal e a ser tratados pelo nosso departamento jurídico. Estamos completamente tranquilos em relação a isso.
Consciência tranquila?
Completamente.
Como é o seu dia-a-dia? Passa mais tempo na Luz ou no Seixal?
Divido-me entre o Seixal e a Luz, sendo que eu gosto muito mais do Seixal do que do gabinete, porque no Seixal estou na relva...
Tem saudades de calçar as chuteiras?
Não há nenhum ex-jogador que possa dizer que não tem saudades.
E faz isso de vez em quando?
De vez em quando sim. Começamos esta profissão aos seis anos e acabamos aos 33, 34, 35, quando ainda somos muito novos para a vida e fizemos sempre a mesma coisa. Deixa sempre saudades e eu prefiro, até porque acho que tenho mais capacidade para isso, estar perto dos jogadores e dos treinadores. Muita gente pergunta o que é que eu faço no Benfica, mas eu não tenho necessidade de anunciar todos os dias o que faço ou deixo de fazer.
Alguma vez isso foi posto em causa?
Por mim não, nem por ninguém da minha equipa.
Mas por alguns comentadores?
O que é que no futebol português não é posto em causa?
Mas certamente muitas vezes chegou aos seus ouvidos: "O que é que Rui Costa faz no Benfica? Afinal é Luís Filipe Vieira que decide tudo e Rui Costa não decide nada." Isso decerto que o magoou.
Nós estamos muito bem liderados. Dentro dessa liderança, cada um de nós tem a sua posição. Não importa aquilo que os comentadores pensam que eu faço, importa o que eu faço e a minha consciência. Eu faço a minha parte para o Benfica e que fique claro que não faço por profissão. Se fosse só por profissão, se calhar não era no Benfica que eu estaria. Faço-o pelo orgulho e pelo amor que tenho a este clube. A mim importa-me a minha consciência e se estou ou não a ser útil ao clube. E só estarei dentro do clube enquanto me sentir útil.
O que faz de mais importante é identificar jogadores de grande nível que podem ser úteis ao Benfica?
A minha obrigação é fazer a ponte entre a SAD, uma vez que sou administrador, e o futebol. No futebol temos um diretor-geral que coordena todo o dia a dia da equipa e eu estou muito perto dessa pessoa. Ao mesmo tempo estou perto dos jogadores e do treinador, também ao lado do presidente nas decisões que toma, e a nossa relação é de uma união tremenda. Como em todas as famílias, nem sempre estamos de acordo, nunca fui um "Yes man", e as minhas opiniões transmito-as sempre, mas respeitando quem lidera o clube. Dentro do Benfica todos sabem qual é o meu papel, não preciso de estar todos os dias a explicar isso, independentemente daquilo que os comentadores possam dizer. Se formos perguntar o que fazem os administradores de todas as outras equipas, se calhar não sabemos, mas como sou um ex-jogador procura-se saber. Sou administrador do Benfica e estudo o mercado de contratações do clube. Mais do que outra coisa, tenho orgulho em sentir-me útil ao clube.
Sonha ser presidente do Benfica?
Sonho que o Benfica ganhe títulos a toda a hora - esse é o meu sonho. Não sei o que serei no Benfica, nada me prende ao Benfica a não ser a minha paixão ao clube. Posso sair hoje ou daqui a 50 anos, não sei. Enquanto me sentir útil estarei presente. Por isso nunca me magoa que as pessoas pensem no que faço ou deixo de fazer. Se estou na sombra, se estou no sol ou na chuva, o que me preocupa é sentir-me útil ao clube.
O Caixa Futebol Campus transformou-se numa "fábrica de fazer dinheiro"?
Foi um projeto que levou anos de estudo, anos para ser implementado - os anos naturais que eram necessários -, a estruturar tudo para que o Seixal viesse a ser uma fábrica de talentos e que, sobretudo, soubéssemos (e pudéssemos) aproveitar esses talentos. Este ano foi muito importante para mostrar que estamos no caminho certo. Muitas pessoas punham em causa a possibilidade que uma equipa com a dimensão do Benfica pudesse esperar que os jovens talentos crescessem. Este ano provámos que é possível, mas não serão só jovens. Todos os talentos do Seixal perceberam que há uma porta aberta para o plantel principal, mas não é uma porta escancarada, porque não se sobe só porque se passou nas camadas jovens, sobe-se com mérito e talento. Estamos muito atentos ao que se passa no Seixal.
Há pouco não respondeu a uma pergunta sobre o Cadiz, do Vitória de Setúbal. Já está contratado?
Respondo como respondi sobre o Chiquinho: foi outro jogador que se destacou no campeonato nacional e iremos tentar perceber se pode encaixar-se no nosso plantel.
Não quer adiantar nomes?
Não.
Mas fica a certeza nesta conversa que os jogadores de maior peso que o Benfica contratar virão para acrescentar algo e ajudar a construir o Benfica europeu?
Inevitavelmente, porque nós apontamos ao campeonato nacional, mas não entramos nas competições europeias só por entrar. O nome do Benfica é demasiado grande para não termos objetivos também enormes a nível europeu. Esse é um dos nossos objetivos: consolidar a nível nacional e depois apontar à Europa com grande crença e determinação, porque o nome do Benfica não permite entrar num competição sem pensar em ganhar, independentemente das dificuldades que possam surgir. Estaremos mais uma vez na Liga dos Campeões e estaremos para melhorar a prestação dos últimos anos.

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