"Bruno Lage colocou em cima da mesa uma sugestão desafiante e que tem a ver com o convite a uma mais saudável relação entre as pessoas do futebol
Bruno Lage é o treinador do momento e esse papel de actor principal em filme que é um sucesso de bilheteira justificou-o não só pela qualidade do seu trabalho, mas também pelas cores alegres com que pintou o futebol, conseguindo em tão pouco tempo mostrar à saciedade que a força da razão não se avalia nem pela intensidade no tom, nem pela boçalidade no discurso.
É genuíno na palavra, como julgo ter ficado amplamente demonstrado no recente encontro com os jornalistas, onde se falou sobre os temas propostos, em jeito desarrumado, próprio de quem expele as ideias em função dos desafios que lhe lançam, com entusiasmo, sempre, mas igualmente com elevação. Às vezes ainda sai um gajo, mas com a ajuda de Ricardo Lemos, o seu amparo na comunicação, promete ser aluno diligente.
Fala com o prazer e a graça de quem se sente feliz pelo que faz e como faz, sem se preocupar por revelar uma ingenuidade que lhe assenta bem, na medida em que se apresentou como é, respondeu pela sua cabeça e, em tão pouco tempo de vida como treinador principal, teve a virtude de colocar em cima da mesa uma sugestão desafiante e que tem a ver com o convite a uma mais saudável relação entre as pessoas do futebol. Foi muito interessante da parte dele e creio que a maioria dos treinadores deste país se revê nessa necessidade de mudança, de acabar com preconceitos que não deviam já ter cabimento numa sociedade civilizada.
Lage obedeceu à sua sinceridade e foi ousado ao trazer à colação o exemplo inglês para sublinhar os méritos do FC Porto, com especial realce para Herrera, sobre o qual afirmou: «O Herrera faz tudo, constrói, cria, pressiona, marca, corre 90 minutos. Foi o jogador que mais me impressionou, dá uma dimensão muito grande ao FC Porto».
Uma posição tão singela quanto esta, de se referir a um adversário com elegância, foi o bastante para alertar o treinador do Benfica para os pregos que lhe vão colocar no caminho.
Num espaço de comentário ouvi quem se tivesse sentido ofendido por Lage ter elogiado Herrera e ignorado Bruno Fernandes, sinal de quem não leu a entrevista e não percebeu o contexto e ainda de quem não tem memória porque três dias antes o mesmo Lage, traído por inocente impulso, convidara Fernando Medina a pronunciar o nome do Sporting quando, no seu discurso e com mil cuidados, o presidente da Câmara de Lisboa desejou «nova conquista de clube da cidade já no próximo fim de semana na final da Taça de Portugal». A bonita recepção aconteceu ontem.
Quem ficou mal na fotografia foi Sérgio Conceição o qual, confrontado com as palavras de Bruno Lage, em concreto sobre Herrera, poderia ter reagido de diversas formas, mas optou por uma dispensável e reprovável. Não pelo que afirmou, mas como afirmou («Quero lá saber do treinador do Benfica! Vim disputar uma final»), com enfado, sobranceria e desconsideração, em obediência a um temperamento de que orgulhosamente se gaba.
Na pré final foi assim, sem sobressaltos, mas no pós o ambiente ficou frenético. Sérgio Conceição perdeu e todos sabemos que não gosta de perder, se é que há no mundo treinador que goste de ser derrotado. Entrou em descontrolo emocional e feriu a imagem do emblema que representa na Tribuna de Honra, ao exceder-se na presença das mais altas figuras do Estado e do seu próprio presidente, o qual, aprecie-se ou não a pessoa e o estilo, em matéria de representação do FC Porto, seja a que nível for, tem uma noção de dever irrepreensível.
O treinador portista devia ter cumprimentado o presidente do Sporting, por cortesia protocolar, mesmo que se esteja lixando para o protocolo. Depois, mais calmo, em conferência de Imprensa, daria as explicações que julgasse convenientes, desabafando e assumindo não ter feito o que gostaria exactamente por não querer envolver o nome do clube numa atitude cuja responsabilidade lhe pertencia por inteiro. Dizer-se que reage com esta truculência por causa da azia, que a todos ataca nas derrotas, parece-me de menos. A realidade é outra: esta época o treinador do FC Porto não esteve à altura dos treinadores de Benfica e Sporting. O futebol é assim: imprevisível, fascinante, arrebatador!
Nota final - Os adeptos leoninos devem tratar Marcel Keizer com carinho porque os títulos não se compram na pastelaria, com mais ou menos creme. O treinador holandês ganhou mais em seis meses do que Jorge Jesus em três anos (Taça da Liga e Taça de Portugal contra Supertaça e Taça da Liga) e por muito menos dinheiro..."
Fernando Guerra, in A Bola
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