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sexta-feira, 10 de abril de 2020

OS ADEPTOS NÃO CONTAM?


Rui Calafate

"São centenas de milhões que contribuem para um regabofe de transferências, comissões, luxos asiáticos e, afinal, não são tidos nem achados para nada. Só pagam em troco de uma louca paixão e não bufam

O futebol, tal como todos os outros sectores de actividade, não estava preparado para um vírus destruidor. Mas é penoso assistir a colossos, pujantes marcas de reconhecimento universal, emblemas que arrecadam somos astronómicas em direitos televisivos, publicidade e merchandising, a cortarem despesas nos salários dos astros que encantam as bancadas. Afinal, solidez e poupança são palavras que não constam dos manuais de gestão para aquelas bandas. Não deixa de ser sinistro confirmar que o desporto-rei vive numa falsa redoma, num mundo artificial de estrelas, milhões, destinos exóticos no Instagram quando os seus dirigentes governam na realidade da penúria, sobrevivendo com receitas extraordinárias no meio de folhas de Excel completamente calamitosas.
E depois não podemos esquecer os jogadores. Porque muitos não se recordam que o descrito no parágrafo anterior é atingido apenas por uma nata. A grande realidade é que 90 por centro dos jovens que sonham ser felizes dando uns pontapés na bola, nunca chegam a assinar um contrato de profissional e nas divisões secundárias os salários são pequenos para um carreia curta e o cumprimento dos clubes com as suas obrigações é sempre no fio da navalha. Logo, o sonho torna-se uma ilusão ou um logro. Importante, assim, a intervenção da FPF com 5 milhões da sua tesouraria para o apoio do Campeonato de Portugal e salvação dessas equipas, jogadores e técnicos que enfrentam uma situação duríssima, tal como o nosso país real.
Porém, numa altura em que alguns clubes retornam timidamente ao trabalho, se tenta calendarizar um quadro competitivo para que as Ligas internas e competições europeias terminem, se ouvem associações do sector, parceiros (e Altice e NOS deviam, pelo seu peso no negócio, ter sido ouvidos no imediato), doutores fala-barato e alguns embusteiros, é estranho como ninguém se interroga como pensará o eixo essencial desta actividade, o que dá audiências, compra bilhetes e camisolas e tem saudades de ver um jogo do seu desporto preferido, até para matar o cansaço com o confinamento. Os adeptos não contam? O que pensam eles destes cenários diversos? Acaba-se o campeonato? Não há títulos nem despromoções? Prolonga-se a temporada pelo ano civil? Que estranho, são centenas de milhões de adeptos em todos os cantos do Mundo, que contribuem para um regabofe de transferências, comissões de intermediação, luxos asiáticos e, afinal, não são tidos nem achados para nada. Só pagam em troco de uma louca paixão e não bufam.
(...)"

Rui Calafate, in Record

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