"Termo polissémico, o desporto é um paradoxo. Nascido no coração de uma poderosa Inglaterra vitoriana, num contexto político, cultural e social muito particular, o desporto parece ter sempre existido (pelo menos desde a Grécia Antiga) e estende-se pela quase totalidade do planeta. Podemos situar o início do desenvolvimento dos desportos modernos nos colégios ingleses, onde a burguesia em crescimento forja as suas elites. Foram rapidamente explorados por pedagogos reformadores, procurando restaurar a moral e a disciplina.
O sociólogo alemão Norbert Elias afirma mesmo que “o conhecimento do desporto é a chave do conhecimento da sociedade” (Sport et civilisation. La violence maîtrisée, Arthèmes Fayard, Paris, 1994, p. 25). O desporto tem os seus ardentes defensores e detractores. Para uns, ele continua a ser depositário de valores humanistas, e reforça-se nos mitos e nos princípios que fundam a civilização. O desporto moderno é associado às ideias de progresso, de equidade ou de pureza. Para outros, ele é um instrumento de (des)politização, de alineação das massas e representa o “ópio do povo”.
Para arbitrar estes debates ideológicos, perante a amplitude que o fenómeno assumiu nas sociedades, a sua difusão planetária e o seu lugar na cultura contemporânea, especialistas das ciências sociais têm procurado construir teorias explicativas. Combinando várias características, as práticas desportivas podem assumir duas dimensões: as propriedades físicas e técnicas, que são objectiváveis, como a biomecânica dos gestos, uma intensidade exigida de energia, um trabalho em força isométrica de flexão ou esforço de “explosão”, um jogo controlado, etc.; as propriedades simbólicas, que lhe atribuem os agentes sociais, os grupos, etc. Assim, as práticas desportivas podem surgir como “ascéticas”, “monótonas”, “laboriosas”, “arriscadas”, “efeminadas”, “modernas”, “estéticas”, “variadas”, “excitantes”, “livres”, “conviviais”, “viris”, entre outras. Podemos sempre as definir em denotação (técnica) e em conotação (social). Um estilo de prática desportiva, produzido ou adoptado, compreende algumas lógicas: uma lógica sociocultural (idades, sexos, habilitações literárias, rendimentos…); uma lógica técnica (modalidades, variantes da prática desportiva), ligada aos “usos sociais” (local de prática, modos de organização, tipos de preparação…); uma lógica das tensões das formas simbólicas de referência que estruturam o campo desportivo (imagens, representações, valores, modelos, objectos, etc.).
O desporto possui uma função alegórica, nomeadamente porque funciona em torno de uma ideia simples e banal: o melhor ganha!"
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