E assim vamos ao tema que se encontra na ordem do dia, nesta tentativa de reaproximar do que falta para o cumprimento do calendário da 1ª Liga do Futebol Português. Não obstante a opinião de Michel D´Hooghe, presidente do comité médico da F.I.F.A. ter referido que o Futebol não deveria regressar antes de Setembro, o organismo que tutela o Futebol europeu (U.E.F.A.), em 23 de Abril veio aconselhar que as federações deveriam terminar os seus campeonatos, anotando como sendo uma das fórmulas classificativas o critério de mérito desportivo e nesse caso sendo o título entregue a quem tivesse mais pontos no momento da interrupção, referindo ainda que se reservava no direito de recusar a admissão nas suas provas qualquer clube que prematuramente tenha terminado a competição, sem ter sido processada a resolução. Para já muito curioso (ou talvez não) esta opinião tão adversa.
Tendo o governo dado luz verde para o regresso da competição, a L.P.F.P. procurou reunir todas as condições, deixando de haver argumento institucional para tornear tal questão, muito embora eu discorde de que por pressão de obrigatoriedade de cumprimento de datas a parte económica correspondente aos direitos televisivos, publicidade, sponsorização, etc, se sobreponha aos cuidados inerentes ao foco da pandemia por contágio, sendo a saúde relegada para segundo plano.
Numa das entrevistas que proferi à Lusa esta semana, foi descrito que eu tenha referido que o campeonato poderia estar ferido de legalidade. Jamais poderia contextualizar na minha opinião os aspectos de ordem jurídica. O que pretendi explicitar foi o facto de existir uma incoerência nesta “apressada” preparação e desenvolvimento da competição. O que era verdade no início da prova passou para contornos absolutamente discutíveis, quer ao nível da operacionalização do treino, quer dos espaços de jogo onde se vai realizar a competição, estágios, viagens, público, arbitragem, examinação e vigilância médica, etc …etc … todo o processo está “magoado” de consistência pela diferenciação dos clubes em prova.
Importa referir que todos estamos com uma saudade imensa do Futebol, nem que seja vê-lo pelo buraco da fechadura, contudo devemos ter em conta as matrizes que dignificam a possibilidade de viver a vida, aliás como refere o nosso presidente da Federação Portuguesa de Futebol, Dr. Fernando Gomes, numa comunicação séria, objectiva e deveras comprometedora:” O futuro do Futebol não está garantido e não é pelo facto de esta fantástica modalidade ser o centro da vida de muitas pessoas, que estas mesmas consigam viver sem Futebol.” Muita coragem para uma afirmação tão evidente como categórica e que não rejeita à fuga de partilha da responsabilidade e que será justo referir a forma inteligente como tem gerido a liderança, apoiado por uma magistratura de influência autenticamente ganhadora.
É impensável imaginar que aqueles que verdadeiramente amam o Futebol possam dispensar esta inspiradora obra de arte escrita sobre a relva, rubricada por gente capaz de transformar em sucessivos movimentos de inspiração, onde a harmonia do gesto se vai combinando com uma eficácia emocionalmente excitante, e onde por vezes há mais cultura que civilização, mais coração do que razão, mais sabor do que saber, mas acima de tudo há uma inexplicável fórmula de encontrar uma imagem sagrada convertida em festa. Por isso esta minha preocupada análise crítica da situação vivida.
Continuando e em relação ao momento actual, gostaria contudo de ressalvar o carácter exemplar como o Futebol se permitiu expor neste tempo de interregno competitivo: jogadores, treinadores, equipas técnicas, equipas médicas e demais estrutura dos clubes, têm procurado com ciência, paixão, devoção e entusiasmo oferecer as melhores provas de isolamento profilático para que os treinos possam ser efectuados. Contudo, nada nos garante que de súbito tudo volte ao princípio, com as consequências graves que daí possam advir. É trabalhar de forma segura mas o arame subitamente pode partir. E depois?
Aliás o Senhor Secretário de Estado do Desporto, Dr. João Paulo Rebelo já referiu que se houver crescimento de infecções, o governo admite suspender o regresso do Futebol e, pergunto eu: a classificação será aquela que no momento desse hipotético confronto, estava definida? …
Sem querer ser o patinho feio (volto a dizer que só ver os jogadores em treino e a bola a rolar já me alegra o sentimento dum tão esperado mundo novo), não se poderia ter antecipado este cenário, tal como se fez na 2ª Liga?... ou então ser este tempo precioso para a organização e estruturação do Futebol Português, quer ao nível da formação, regulamentação dos quadros competitivos, arbitragem /VAR e reiniciar-se em Setembro ou Outubro e funcionando o quadro competitivo ajustado ao ano civil, com uma vantagem correspondente à preparação da Copa do Mundo Catar (Dezembro 2020) e do próprio campeonato do mundo da F.I.F.A. que irá decorrer também no Catar de 21 de Novembro a 12 de Dezembro de 2022?. Claro que seria absolutamente necessária a directiva da U.E.F.A. e F.I.F.A. para que tal se processasse. Mas como já vimos, outros valores se “alevantam”!...
É evidente que este tempo também tem sido de muito querer para muito fazer. Aproveito para em prole da justiça referir no âmbito formativo as figuras do Director Geral F.P.F. Dr Tiago Craveiro, um autêntico desmultiplicador por excelência das competência que lhe são atribuídas, bem como a Football School, liderada magistralmente pelo meu querido colega Prof Doutor André Seabra, que ao longo do tempo tem vindo a qualificar de forma incansável e profícua, agentes desportivos quer no âmbito da Arbitragem, quer no Dirigismo, Saúde e Performance, Adeptos, estabelecendo protocolos de investigação e desenvolvimento e com o inestimável contributo de cultura da experiência feita, do meu estimado ex aluno do Nível IV – UEFA/PRO do curso de treinadores, Dr. José Couceiro.
II
Bom, para não divagar ainda mais, vamos a outro assunto que tem a ver com o contexto actual em termos da planificação e operacionalização do treino.
Penso que os atletas, não obstante a avaliação da antropometria (peso, pregas cutâneas, bio impedância); provas de esforço e demais avaliações ao nível da potência muscular e outras ao nível psicológico e mental (motivação, stress e ansiedade, atenção e concentração, formulação de objectivos, locus de controlo, etc…), estão potencialmente observados, como nunca.
Ao nível da estrutura do treino, causa-me contudo uma certa estranheza ver jogadores que estão perfeitamente optimizados com uma saúde a todos os níveis exemplar, a treinar de forma individualizada, personalizados pela distância, mas um jogador de Futebol, não é apenas e só um atleta. É possuidor de características biológicas, fisiológicas e anatómicas muito próprias, pois o desenvolvimento das suas capacidades, quer condicionais, coordenativas, volitivas, etc, tem de ser desenvolvida em premissas relacionadas com um fundamento táctico, que se incorpora no trinómio: pensar, decidir e executar. E tudo isto está ligado ao tempo e espaço. Não existe preparação física específica sem esta ligação com o jogo táctico, mas lá está, uma obediência a novos princípios que, para medidas extraordinárias - exigências excepcionais, vemos um organização estritamente colectiva sem privar com balneário, refeições, reuniões de grupo, quando o Futebol é tudo menos isto!...
Creio que virá o tempo (urgentíssimo), duma dinâmica de treino por sectores e a formulação prática dos processos ofensivos, defensivos, transições e bolas paradas e isso só em termos colectivos se pode fazer. Quando referíamos “ diz-me como treinas e eu te direi como deves jogar” …neste momento em termos de periodização das cargas de treino e sua readaptação, encontram-se escondidas entre as brumas da memória.
Importantíssimo nestas condicionantes é a inserção da metodologia do treino psicológico e mental, usando técnicas que promovam a confiança no jogador, assegurando-o e encorajando-o relativamente à capacidade de ser bem - sucedido; inserir os aspectos motivacionais, formulando-lhes objectivos difíceis e desafiadores de complexidade crescente; operacionalizar nos processos de treino técnicas de redução do stress e ansiedade (relaxamento, muscular progressivo e respiração, imaginação e visualização mental), com intenção clara de níveis óptimos de desempenho em momentos claros de funções (livres, penaltis, marcação de cantos, etc), e simulando as condições adversas que irão ser confrontados, instrumentalizando-as no sentido de estar bem preparado para ser bem sucedido.
Ainda muito importante é aplicar ao jogador modelos de combate ao medo que o reassumir da nova competição com a natureza que lhe está afecta pode gerar, e que se não for gerido de forma adequada, encurrala-o, tortura-o e afasta-o do núcleo da melhor decisão. Quem não for capaz de controlar estes aspectos mentais acaba por se boicotar a si próprio, acabando por não ganhar, porque teve medo de perder.
Por isso, ter confiança em si próprio é o grande segredo para o sucesso e não ter medo do medo, pois cada medo que enfrenta também o fará sentir mais forte se se vir a ultrapassar e vê assim aumentada a auto estima e quanto maior for a auto estima maiores serão os recursos para enfrentar os desafios e maiores serão as possibilidades de vencer!... e se possível viver feliz, porque as equipas felizes ganham mais vezes!...
III
Estava por terminar por aqui (e já vou longo). Mas já agora mais umas notas referentes aos jogos à porta fechada, no sentido de verificar ao nível comportamental esta capacidade reactiva por parte das equipas sem presença de púbico, anotando algumas estratégias que me parecem as mais adequadas.
Creio que não haverá ninguém que prefira jogar sem público. O Futebol sem adeptos transforma-se num jogo sem alma. Eles gritam e vibram com o peso da sua bandeira, numa profunda relação de afectos no apoio participativo. Contudo, se em equipas habituadas a ter pouco público ou até adeptos por vezes de difícil controlo pelo uso da discussão permanente, com o uso do dedo em riste e vozeirão com gritos lancinantes contra os jogadores que falham – pode parecer favorável.
As equipas na sua globalidade fazem do público o seu 12º jogador e desse eco desencadeado do empenhamento e discussão de cada lance até à última gota de suor, este silêncio pode ser altamente perturbador. Vejamos o caso específico que muito bem conheço porque por várias vezes o senti, do Vitória (Guimarães), em que muitas foram as vezes que à medida que o jogo se aproximava do seu termo, renascia uma onda de entusiasmo, fazendo do seu hino voz de tanta gente … sede de vencer … vitória até morrer … e os resultados de negativos passavam a positivos, pela força inquebrantável dos seus adeptos que, como sabemos, fazem do clube uma das razões da sua existência!...
Podem ainda os jogadores sem público entrar mais relaxados, e isso ser um indicador de facilitismo por falta de incentivos, e o deficit no domínio da concentração também poder servir para ver escondidos os erros cometidos pelo medo de perder, ou encobrir a coragem e a ousadia de quem tudo fez para ganhar, embora saibam que estão a ser observados pela T.V. e que mais cedo ou mais tarde irão receber o elogio, ou ser confrontados com a represália!...
Anotamos algumas das estratégias para casos desta natureza: Importantíssima será a capacidade comunicacional por parte do treinador, que será ouvido por todos como nunca. Daí as mensagens verbais e não verbais devam ser assertivas e sem duplo significado e sintonizadas com a formulação de objectivos pessoais ou grupais, desafiadoras mas realistas porque essas geralmente produzem melhor rendimento.
Igualmente muito importante é a comunicação interna entre jogadores, fundamentalmente orientada para a capacidade de opinião dos líderes.
Ainda neste capítulo, a auto comunicação do jogador consigo próprio se reserve dum elemento prioritário, balizando o seu comportamento ou desempenho na visualização mental de imagens de sucesso, previamente seleccionadas, documentadas ou exaltadas, associadas ao controlo respiratório dirigido para o foco atencional e libertado pela palavra/chave. Este trabalho mental ao nível da consciência torna-se fundamental, pois as perturbações emocionais adversas que este estado de sítio pode causar, criam instabilidade, percepção de ameaça e o jogador mais facilmente entra em crise de raciocínio e logo, prisioneiro da sua própria sombra.
Mas … se após toda esta modificação estrutural inédita no mundo do Desporto e do Futebol em particular, a época terminar sem hipóteses de renegar o cumprimento sagrado do regímen de saúde de todos os intervenientes, mais do que títulos de campeão ou candidaturas à Liga de Campeões, Liga Europa e lugares de manutenção, o Futebol no seu todo, pela competência como soube gerir esta agonia que a todos provoca, será merecer dum amplo e generoso aplauso. Faço votos para que tal aconteça."
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