Páginas

sexta-feira, 26 de junho de 2020

DO DEZ A ZERO AO DESCALABRO

"Bruno Lage está na iminência de ser despedido um ano e meio depois de assumir o cargo, após a demissão de Rui Vitória. 16 meses depois de vencer um jogo por 10-0, 15 meses depois de recuperar de uma diferença de 7 pontos com uma reviravolta no Dragão, 13 meses depois de ser Campeão com uns inacreditáveis 103 golos, 10 meses depois de conquistar a Supertaça com uma manita histórica ao Sporting e 5 meses depois de ser líder com 7 pontos de avanço e uma 1ª volta praticamente perfeita. Como isto aconteceu?
Bruno Lage foi um amor de verão como muitos de nós tivemos na nossa adolescência. Não sabíamos bem onde aquilo ia parar, mas foi belo, foi intenso, foi eterno enquanto durou. Nada apagará essas memórias. Tínhamos um treinador jovem, moderno, que só falava de futebol, que reestruturou um onze perdido apostando em João Félix, promovendo Ferro, Florentino e Gabriel e colocando Pizzi na direita, onde mais rende. E o Benfica voou. Oh se voou! Vivemos o mais parecido a que os portistas terão sentido com José Mourinho e André Villas Boas. Que com este jovem íamos conquistar Portugal, a Europa e o mundo! Só que tal como nos amores de verão, o inverno chegou. E a relação foi-se esmorecendo.
Muito por culpa de Bruno Lage. Que tendo dado um título milagroso à "estrutura" não se soube impor no verão exigindo os reforços que o plantel precisava e Jorge Jesus costumava conseguir. Aceitou o papel de "team player", treinador de estrutura e em vez de garantir que chegava a alternativa a Vlachodimos que publicamente pediu, ou um lateral direito, um trinco ou o segundo avançado que substituísse João Félix e Jonas, concordou, nem que por omissão, que o plantel fosse reforçado apenas com dois pontas-de-lança semelhantes a Seferovic, que já lá tinha. Lage foi até mais papista que o Papa e para agradar à estrutura resolveu colocar jovens do Seixal na Liga dos Campeões. É inacreditável pensar que Tomás Tavares a determinado momento levava 270 minutos na Liga dos Campeões e 23 minutos no campeonato. Que a única estreia de David Tavares na equipa principal tenha sido num jogo contra o Leipzig, na estreia da fase de grupos.
Lage falhou no reerguer do Benfica Europeu, mas nem foi por tentar. Foi mesmo porque abdicou de tentar! Já o tinha feito o ano passado na Liga Europa, diga-se, rodando constantemente a equipa nesses jogos e deixando os titulares para o campeonato. Essa falta de ambição é imperdoável, mas o pior veio nos últimos meses, com uma incapacidade gritante de evitar que o barco fosse afundando. A gestão dos pontas-de-lança é sintomática: rodando-os na fezada que algum haveria de marcar golo e muitas vezes lançando os três ao mesmo tempo, numa táctica kamizaze digna dos treinadores básicos do "Football Manager".
Chegámos então à situação actual, com um Benfica à deriva, com uma incapacidade gritante de jogar futebol, com um registo de resultados digno do Vietname (o período do clube entre 1994 e 2004) e prestes a perder o campeonato para o FC Porto mais fraco que há memória.
Mas paremos para pensar noutra coisa. A culpa é só de Bruno Lage? Não. Não mesmo. Há culpas no cartório também para presidente, jogadores e adeptos. Comecemos por Luís Filipe Vieira: um tipo que já assumiu por mais que uma vez que de futebol nada percebe, mas que continua arrogantemente a querer assumir a pasta, somando insucessos atrás de insucessos. O que seria dos 17 anos de Vieira se não tem acertado em Jorge Jesus, que foi quem lhe deu balanço para a maioria dos títulos que ganhou? Vieira não tem qualquer política desportiva para o futebol do clube que não seja formar e comprar jogadores para vender e gerar dinheiro. Repare-se: há quanto tempo o Benfica não gasta dinheiro num lateral direito? E porquê? Simples, porque laterais direitos não geram vendas avultadas. Mas que equipa sobrevive com esta política desportiva? Para se ganhar troféus tem que se ter titulares fortes em todas as posições. No entanto, Vieira foi desinvestindo cada vez mais na equipa de futebol para abrir espaço para os craques do Seixal, mas ao mesmo tempo vende-os passado 6 meses. E então chegamos à situação actual em que não temos craques estrangeiros nem formados.
E ok, não há craques, só há jeitosos, mas sejamos claros: o plantel do Benfica actual tem mais que obrigação de ganhar a Santa Clara na Luz. Tem mais que obrigação de conseguir mais que 2 vitórias em 12 jogos. Os jogadores também têm que assumir a sua responsabilidade. Têm os ordenados mais elevados da História do clube, nem em layoff estiveram no período de quarentena e têm que dar mais do que têm dado. Muito mais. Nenhum de nós sente que eles estão a deixar a pele em campo, que estão a terminar os jogos frustrados como nós terminamos. Faltam líderes, faltam Homens a esta equipa.
Só que cheguemos à introspecção: nós adeptos também temos culpa. Primeiro porque adormecemos à sombra de alguns títulos e permitimos ao presidente actual alterar os estatutos de modo a que seja quase impossível tirá-lo de lá. Um presidente que se sente intocável, que acha que só sairá do Benfica quando ele muito bem entender e que não sente nunca o lugar em perigo, obrigando-o a correr atrás do prejuízo. Que nestas próximas eleições não se dignará a participar em debates e proibirá que o canal do clube possa expor as ideias dos outros candidatos. Mas a maior falha é esta: somos adeptos do maior clube Português, que tem o dobro dos adeptos dos outros clubes, o dobro dos sócios, durante muito tempo o dobro dos títulos e não nos comportamos como tal.
O Benfica devia ser como o Bayern na Alemanha ou a Juventus em Itália e no entanto aceitamos de forma passiva que o Benfica continue a perder campeonatos de forma regular para um FC Porto que até aos anos 80 nem cócegas nos fazia. Somos pouco exigentes, não respeitamos nem reconhecemos a grandeza, a História e a mística deste clube. Não somos dignos herdeiros de Cosme Damião, Eusébio, Coluna ou do antigo 3º Anel, daquele Tribunal da Luz que até Nené assobiava. Imagine-se contar a um Benfiquista dos anos 60, 70 ou 80 que o clube iria só vencer 3 Taças de Portugal em 20 anos ou que iria perder títulos de forma constante para o FC Porto? Levávamos um estalo na cara e obrigavam-nos a ir para a entrada do estádio falar com o presidente e ao campo de treinos dar uns calduços nos jogadores, enquanto a situação não estivesse resolvida.
Lage irá naturalmente cair, mas é importante que comecemos a olhar mais para a floresta e menos para a árvore. O clube de Cosme Damião, Eusébio e Coluna, o mítico Sport Lisboa e Benfica, o gigante de Portugal e da Europa, tem de parar de dar abébias aos seus rivais, estruturalmente menores, única e simplesmente por incompetência."

Sem comentários:

Enviar um comentário