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quarta-feira, 17 de junho de 2020

E AGORA BENFICA?


"Não se alcançam títulos com frases bombásticas, raspanetes internos,que se tornam públicos minutos depois, ou promessas inconsequentes

Estar a vencer categoricamente por dois golos ao intervalo. Ter uma equipa com um nível salarial incomparável face ao do seu adversário. Não ter feito qualquer corte nos valores auferidos pelos jogadores durante a paragem forçada do campeonato por três meses. Lutar por ser bicampeão e com obrigação de vencer em Portimão contra uma equipa que está em posição de descida de divisão. E, no entanto, a tal vantagem, esfumou-se porque os algarvios fizeram substituições oportunas e acreditaram ao ver o onze encarnado quase literalmente adormecer à sombra do resultado antes conseguido. As substituições, agora em regime de banda larga, de nada serviram ao Benfica. Feitas tarde e a más horas, para operar um milagre com tudo ao molho na frente, como se isso não fosse a táctica usada pelos fracos e desejada por quem defende um resultado.
O Benfica terá alcançado senão a maior, pelo menos a mais inexplicável série de resultados frustrantes. Custa-me muito aqui escrever o que me vai na alma e que me faz sangrar o meu incondicional coração benfiquista. Olhando para trás e para a tal série imprópria de um clube de tantos milhões, o Benfica quase parece mostrar que não merece ser campeão. Desperdiçou, já em plena segunda volta. sete pontos de avanço em relação ao segundo classificado. E se, no Dragão, perdeu por 2-3, num jogo em que houve equilíbrio, o drama dos pontos desperdiçados veio logo a seguir de enfiada. Perderam-se 7 pontos em jogos caseiros, situação de todo inexplicável. E assim chegámos a esta última derrota de empate, depois de se ter alcançado, nos primeiros 45 minutos, um quase tranquilo 2-0.
Temos o direito de exigir muito mais. Não se alcançam títulos com frases bombásticas, raspanetes internos, que se tornam públicos minutos depois, ou promessas inconsequentes. Há semanas, o presidente do SLB queixou-se de uma das consequências da pandemia, dizendo que, se não fosse ela, dois jogadores estariam «vendidos», cada um por 100 milhões. Não referiu os nomes, mas não é preciso ser adivinho para pensar em Rúben Dias e Vinícius. Será essa a melhor forma de estabilizar dois jogadores cruciais nestes dois meses finais de competição? E reconhecendo embora a necessidade de manter as contas sãs, o que mais desejo não é tanto o recorde de volume de transferências, mas, é, em primeiríssimo lugar, ser campeão e fazer carreiras dignas e recompensadoras no trilho europeu.
Tantos jogos sem ganhar evidenciam alguns males preocupantes. Outras pessoas mais habilitadas os poderão referir melhor e mais exaustivamente. Aqui, limito-me a considerar alguns pontos que terão de ser enfrentados, e que se tornaram evidentes no actual decatlo de decepção. A equipa é, na minha opinião, a menos forte (ou a mais fraca) desta última década. Vendendo sucessivamente as pérolas do plantel, a rarefacção de atletas que signifiquem uma verdadeira diferença e resolvam as partidas é cada vez mais notória. No jogos com o Tondela e o Portimonense houve 16 cantos a favor do Benfica. Nenhum concretizado. Em 3 ou 4 cantos, o Portimonense fez dois golos, tirados a papel químico no miolo da pequena área. O mesmo clube marca um golo de fora da área, isto só para assinalar que golos de meia-distância no Benfica é coisa de saudade, não de realidade actual. Por vezes, Gabriel e Taarabt bem o tentam, mas alguém lhes tem de dizer que o jogo é de futebol e não de râguebi. Depois da saga do guarda-redes no defeso passado, não temos um suplente à altura. O mesmo se passa nas laterais, onde os dois Tavares não parecem garantir, nesta sua fase de crescimento, a qualidade que se deve exigir a um plantel do Benfica. Nos centrais, pondo de lado dois sul-americanos que recentemente passaram pela Luz (mais desperdício de dinheiro, e pouca fiabilidade dos olheiros), restam três: o inquestionável Rúben Dias, Ferro, que pode vir a ser melhor jogadores mas ainda não o é, e o grande profissional Jardel que, todavia, está muitas vezes impedido por lesões que eram já do conhecimento prévio de quem decide. No meio-campo, é certo que também por causa de muitas lesões, não há estabilidade.Ora joga um, ora joga outro, ora joga destrouto. Sempre com o enigma Samaris, que, ainda agora em Portimão, nem sequer teve a possibilidade de estar nos 11+9 eleitos! À frente, volto a dizer o que já aqui escrevi: faz falta o Salvio, que foi descartado sem retorno e que, embora irregular, ainda era dos poucos que perfurava defesas. Cervi, umas vezes é titular, outras nem suplente é, quase sempre mais para defender do que para flanquear. Talvez agora devesse ir definitivamente para lateral-esquerdo perante a longa inactividade prevista para Grimaldo. Dyego Sousa esforçado, sem dúvida, mas que nada mostrou até agora. Jota pode ser talentoso, mas julga que joga sozinho. Seferovic passou de melhor marcador do último campeonato para um suplente desmotivado.
O Benfica já havia desperdiçado, ingloriamente, a possibilidade do pentacampeonato. Na altura, vendendo quase toda a defesa e reduzindo o seu valor desportivo. Achou-se que seriam favas contadas. Já nesta estranha época, corre o risco de ir, mais ou menos, pelo mesmo caminho. Uma primeira volta brilhante e uma segunda volta em que o Benfica ocupa o 9.º lugar, atrás, entre outros, do Santa Clara (mais 4 pontos), Belenenses e Moreirense (que têm mais 2 pontos cada um)! Bom seria, na minha opinião, discutir-se o ponto certo de equilíbrio entre o desempenho desportivo (afinal, o core business, não nos esqueçamos), a estabilidade financeira, a robustez patrimonial e logística e o fortalecimento da marca como agora sói dizer-se.
Quero continuar a acreditar que o Benfica pode conquistar este estranho campeonato de engenharia, perdão serralharia organizativa separado por três meses e colado nas pontas. O próximo jogo em Vila do Conde é, agora, absolutamente decisivo. Uma vitória num campo tradicionalmente difícil e contra uma das equipas que melhor joga em Portugal, é a derradeira prova de vida de um campeão que o quer continuar a ser.

Contraluz
- Saudade - Morreu Francisco Velasco, um genial jogador de hóquei em patins dos anos sessenta do século passado. Fez parte da grande selecção quase toda oriunda de Moçambique: Moreira, Vaz Guedes, Adrião, Velasco e Bouços. A esta selecção maravilhosa (e, mais tarde, a António Livramento) devo o gosto que tenho por esta modalidade tão triunfante em Portugal e tão secundarizada, a não ser quando se ganha uma taça e há a corrida das felicitações pavlovianas de presidentes e governos.
- Casamentos - Foi notícia em A Bola de sexta-feira passada, o anúncio do casamento do futuro jogador brasileiro do Benfica Pedrinho com uma compatriota de nome Layla Gomes. Tudo com direito a foto do casal feliz. Ora aí está uma notícia que me deixou descansado quanto ao futuro desempenho do atleta...
- Silêncio I - Sem público, os jogos não têm o ruído que faz parte da cenografia deste desporto. Há o quase verdadeiro silêncio que é sempre melhor do que um falso ruído. Mas como o silêncio é coisa abominável para muita gente, a solução à vista é falsificá-lo. O ruído em jeito de sons excitados nos últimos minutos nos jogos transmitidos pela Sport TV é insuportável e mendicante. Também na BTV vi todo o jogo contra o Tondela com um ruído de fundo como se estivéssemos com o estádio cheio de adeptos. Mas para quê, afinal? Para mim, em ambos os casos, o remédio foi imediato: desactível o som-ruído e, desta forma, escolhi a realidade e não a sua forma travestida de falsidade.
Silêncio II - Das modalidades não se fala. Tudo em hibernação. Mais uma forma de as reduzir a pó. O futebol tudo absorve e tudo dissolve na sua hegemonia quase totalitária. Uma situação injusta, enviesada e discriminatória."

Bagão Félix, in A Bola

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