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quinta-feira, 1 de outubro de 2020

O REGRESSO DE ERIKSSON AO BENFICA

 “O Eriksson regressou ao Benfica rico e sem personalidade. Já não era pobre, sabe como é o dinheiro: doutores há muitos, médicos poucos”

"(...), Álvaro Magalhães conta como foi entrar no balneário dos 'minhocas', na Luz, que ficava mesmo em frente ao dos 'cobras' - e o que isso significava para quem lá andava. E também percorre uma galeria de treinadores que foi apanhando no Benfica e noutros clubes, revela atos eleitorais questionáveis em tempos idos - e critica alguns colegas no caso Saltillo

Nasceu em Cambres, concelho de Lamego há 59 anos. Fale-nos um pouco da sua família e das suas raízes.
Tenho mais três irmãos, um já não está entre nós, o mais velho, os outros são mais novos do que eu, uma irmã e um irmão. O meu pai foi militar, ligado aos Rangers e aos Comandos, operações especiais. A minha mãe era doméstica, ajudava os pais, os meus avós que tinham uma mercearia e padaria e trabalhava lá com eles.

O futebol foi uma paixão de menino ou apareceu mais tarde?
O futebol começa na rua, era o desporto que gostávamos de praticar. Em primeiro lugar eram os estudos, os nosso pais diziam-nos que primeiro tínhamos de estudar.

E gostava da escola?
No início, não. Mas todos tínhamos de ir à escola senão a guarda ia às nossas casas falar com os nossos pais. Era um regime diferente, um regime difícil e nós tínhamos mesmo de ir às aulas. Eu gostava de estudar e dos professores que eram muito exigentes naquela altura, não tem nada a ver com os professores de agora. Eram muito rigorosos. Nos intervalos procurávamos sempre jogar à bola.

Quando era pequenino torcia por algum clube?
Naquele tempo, éramos miúdos e ouvíamos os relatos dos jogos do Benfica e do Sporting e naquela aldeia e em Lamego éramos mais sportinguistas. Mas é evidente éramos crianças não sabíamos bem, o que queríamos era ver futebol, gostávamos de ver os jogadores. Naquela altura nem todos tinham televisão, nem havia jogos na televisão, só ouvíamos o relato na rádio.

Lá em casa o seu pai torcia por algum clube, era adepto de futebol?
O meu pai era portista, porque a maioria da família dele é do Porto, alguns eram feirantes na sua profissão. O meu irmão mais velho era benfiquista.

O Álvaro para contrariar quando era pequenino ia atrás do Sporting?
Sim, mas éramos crianças.

Tinha ídolos?
Sim, já ouvíamos falar do Eusébio e do Coluna. O Eusébio a correr daquela maneira, era sempre o mais falado e foi sempre o nosso ídolo.

Faltava às aulas para ir jogar futebol?
[risos] Faltava. Os nossos pais andavam sempre à nossa procura e quando rompíamos as sapatilhas ou os sapatos, por castigo diziam: "Agora vão andar com os sapatos rotos". Nós jogávamos à bola até na estrada e quando sentíamos que o guarda estava a aparecer, fugíamos senão ele levava a bola e ainda íamos presos [risos].

Quando vai pela primeira vez para um clube?
Eu estava em Cambres, depois o meu pai foi para Lamego e eu fui estudar para lá. Em Lamego havia aqueles torneios de futebol de salão e convidaram-me para participar num torneio. Era novinho, tinha uns 14 anos, e foi aí que comecei a dar nas vistas; joguei bem e como o Cracks Clube de Lamego era um clube de formação que apostava nas camadas jovens, eram só iniciados e juvenis, e ainda é assim, convidaram-me para jogar futebol. Mas eu estava focado nos estudos, era bom aluno, os meus pais não queriam que eu jogasse futebol, queriam que eu estudasse e tinham medo que eu partisse uma perna. Mas lá fui em 1975/76 para os iniciados.

Tem alguma memória do 25 de abril?
Tenho memória dessa noite, daquilo que vimos na televisão, do que se passava em Lisboa, aquela tropa toda, do Jaime Neves, que por acaso foi comandante da companhia do meu pai. Lembro-me dessa gente que depois mais tarde vim a conhecer. Mas em 74 éramos crianças não ligávamos muito, víamos na televisão que havia uma certa confusão, mas nós queríamos era jogar futebol, só mais tarde viemos a saber. E é engraçado que mais tarde vim a conhecer pessoas que estavam envolvidas no 25 de abril, principalmente o Jaime Neves que foi um dos grandes generais dos Comandos, o meu pai esteve na tropa com ele e no Ultramar. O meu pai esteve na Guiné, em Moçambique duas vezes, andou por África a defender as cores de Portugal.

Estava a contar que começou com 14 anos nos Cracks de Lamego. E torna-se campeão de juniores, certo?
Sim, no primeiro ano fomos campeões distritais e fomos à final do campeonato nacional de iniciados. Perdemos essa final contra o Belenenses, a seis minutos do fim. No ano seguinte, já nos juvenis, voltamos a ser campeões distritais, no campeonato nacional não passamos a fase de grupos, mas no terceiro ano de juvenis acabamos por ser campeões nacionais. E foi o primeiro título nacional da cidade de Lamego.

E os estudos ficaram para trás?
Não. Os estudos estavam sempre em 1.º lugar, mas nessa fase final em que fomos campeões nacionais já outras equipas andavam a observar-me. E é engraçado porque fomos jogar na fase final contra o União de Coimbra - estavam lá o meu pai e o meu falecido irmão - e foi aí que um grande amigo meu, um grande jogador da Académica, o senhor Crespim, que era observador da Académica, acaba por ficar ao lado do meu e pergunta-lhe: "Quem é o número 8?". E o meu pai "É o Álvaro" [risos]. O meu pai não lhe disse que eu era seu filho, nada, não gostava de se meter. A Académica entra em contacto comigo, com o clube e com os meus pais, claro. Já tinha sido difícil convencê-los a deixarem-me jogar nos Cracks de Lamego porque tinham medo que partisse uma perna, sair de Lamego para Coimbra...meu Deus.

Tinha quantos anos?
17. Mas, pronto... os diretores da Académica foram simpáticos, foram lá e convenceram os meus velhotes a deixarem-me ir para Coimbra.

Foi a primeira vez que saiu de casa.
Foi, fui sozinho, foi difícil.

Ficou a viver onde?
Mesmo em frente à sede da Académica, que era na Praça da República. Fui eu e mais dois jogadores de Lamego, dessa mesma equipa, o Henrique e o Martinho, e mais outros jogadores que vieram de outras cidades e dos Açores e da Madeira. Ficámos todos numa cave. Distribuíram os oito jogadores por quatro quartos e ficámos mesmo em frente à antiga sede da Académica.

Custou-lhe muito essa adaptação?
Muito, porque era uma pessoa muito cuidadosa, não gostava de sair à noite, tinha os meus princípios, a minha educação e custou muito porque estava um pouco isolado, faltava o amor dos meus pais e dos meus irmãos, dos meus amigos.

Era desafiado pelos colegas para sair?
Sim, mas eu não ia.

Porquê?
Porque para além de estar a estudar, depois apercebi-me que realmente tinha condições de seguir a minha carreira de jogador e a Académica deu-me as condições todas para estudar. Mas no início foi difícil porque ainda por cima da primeira vez, andava a treinar e a jogar lesionado, com muito sacrifício.
Explique lá isso.
Senti uma dor na perna, mas disse que não era nada e o treinador, o Francisco Andrade, exigiu muito de mim. A ausência dos pais, o estar lesionado, a exigência do treinador, o treinar lesionado... eu arrastava a perna e chegou um momento em que estava desesperado, não podia dar o meu rendimento, não era o Álvaro que tinham ido buscar aos Cracks de Lamego. Entretanto, jogadores como o Gervásio, Abílio, Vítor Campos, jogadores de grande carreira e bem conhecidos de todos nós, disseram-me para ir falar com o médico, o doutor Manuel António, que foi um grande jogador da Académica, e obrigaram-me a parar e recuperar da lesão para poder dar o meu rendimento. Eu sabia que era dos melhores e não estava a ter rendimento.

Ficou parado quanto tempo?
Quase um mês e meio e fiz a recuperação nos seniores da Académica, onde estava com o conceituado treinador Juca. Houve um jogo que não joguei, e os jogadores seniores também assistiam aos nossos jogos de manhã e lembro-me que o Brasfemes, que ainda é vivo, e o Camilo foram ver um jogo e eu estava ao lado deles, mas eles não me conheciam, e eles em conversa: "Eh pá, agora é que se vê quem é que faz falta naquela equipa, falta ali o número 8". E eu estava mesmo ali ao lado [risos]. Tive a felicidade de trabalhar com eles. Aliás, ir treinar com os seniores da Académica foi uma exigência do dr. Manuel António, e eu só voltava a jogar com os juniores quando estivesse não era a 100 era a 150%. E comecei a treinar com os seniores, a ter o apoio desses jogadores seniores, e quando chego aos juniores, rebentei com tudo: o Álvaro com saúde. Um jogador não pode estar a jogar lesionado, não é? Mas foram momentos difíceis.

Esteve quanto tempo nos juniores então?
Estive um ano. Em fevereiro fui logo chamado para a equipa sénior da Académica, e foi uma aprendizagem fantástica porque estive de fevereiro até maio, junho, a treinar com eles na recuperação e depois comecei a treinar com eles já como jogador. E é nessa altura, em que ainda estudava, que comecei a atirar com os livros para cima da mesa: vou ser jogador, jogador, jogador. Os diretores ainda me tentaram convencer: "Podes estudar e podes jogar à bola, aqui em Coimbra é assim estuda-se e joga-se à bola”. E é verdade tive colegas meus dos seniores, um deles faleceu há pouco, o Camilo, que dizia: "Eu só vou acabar o curso quando acabar a minha carreira de jogador". Ele acabou a carreira aos 32 anos e foi ai que ele acabou o curso [risos]. Outros já tinham o seu curso. O Brasfemes era engenheiro, o Vítor Campo era médico.

E o Álvaro estava a estudar o quê nessa altura?
Estava no 10.º ano. Eles obrigavam-me a estudar e a minha namorada, que hoje é a minha esposa, dizia-me para estudar também.

Como se chama a sua mulher, onde, como e quando a conheceu?
Chama-se Ana Paula. Conhecia-a no meu segundo ano em Coimbra. Como eu andava sempre sossegadinho, um dia em que não havia jogo fui a um baile de São João. Sentei-me numa mesinha sozinho e estava lá um amigo com quem estava praticamente todos os dias na Académica. Ele estava lá com um grupo de pessoas onde ela estava também... e foi assim que a conheci, naturalmente. Começámos a falar, ela e os irmãos tinham vindo de Angola, estudavam todos em Coimbra. Ela tirou o curso de Economia, hoje é solicitadora. E ela também me dizia que eu tinha de estudar, só que eu focalizei-me totalmente no futebol. Sabia que queria ser profissional de futebol.

Então acaba por deixar os estudos nesse ano?
Sim, no 10.º, ainda fiz algumas cadeiras, mas ficaram a faltar duas. Acabava de treinar à tarde, ia jantar e depois ia para a escola. Durante o dia não me apetecia muito [risos]. Ainda tentei recuperar estudando à noite. Não tinha carro e íamos a pé para o liceu Santa Maria.

Quando recebe o seu primeiro ordenado? É na Académica?
Nos juniores tínhamos tudo pago, a alimentação, o alojamento, mas davam-nos um subsídio para podermos também ir lanchar, por exemplo. Quando passo a sénior assino contrato e começo a receber 15 contos [75€].

Recorda-se do que fez com esse dinheiro?
Fiz uma jantarada com os meus irmãos. Mas era muito cuidadoso, não se podia gastar muito, tínhamos de ter um certo cuidado. Já dava para ir mais vezes a Lamego, já tínhamos mais algum dinheiro para poder apanhar o comboio ou o autocarro.

Lembra-se do jogo de estreia pela Académica?
Lembro-me que foi em Coimbra, mas não me lembro contra quem.

Estava muito nervoso?
Não. E sabe porquê? Porque estava mentalizado para vencer. Quando deixei de estudar, era para me dedicar a 100% e sabia que ia vencer. Claro que há aquele nervoso miudinho. Veja bem, uma vez ainda era júnior e a Académica ia jogar contra o Portimonense, entretanto como não tinha sido convocado fui almoçar e depois ia a pé ver o jogo e aparece-me o doutor Avidago, que fui um dos grandes diretores que conseguiu dar a volta aos meus velhotes para eu ir para Coimbra. Eu ia a pé para o estádio para ver o jogo e aparece-me ele de repente: "Bora, entra no carro que te vais equipar e vais para o banco, vais jogar".

O que aconteceu?
No aquecimento houve um que se lesionou e eles tinham de meter alguém. Antigamente, meia hora antes do jogo ainda se podia inscrever mais um jogador. Inscreveram-me, fui-me equipar e foi um privilégio estar no banco da equipa sénior, da equipa profissional. Foi um prémio fantástico. Eu como já tinha treinado com os seniores, o mister Juca lembrou-se de mim: "Vai buscar o Álvaro". E então o diretor andou à minha procura, sabia que eu estava ali pela Praça da República ou em casa, e eu tranquilamente a subir a rampinha a pé para ir ver o jogo.

Passa a sénior em 1978/79?
Sim, foi o meu primeiro ano de sénior na Académica. A Académica desceu em 77/78 para a II divisão. O meu primeiro ano de sénior, em 78/79, é liderado por outro treinador também ligado ao Sporting, o senhor Pedro Gomes, é ele quem me lança no futebol.

E sobem de divisão.
Exatamente. Depois, no ano a seguir, na primeira divisão, o treinador começou por ser o Francisco de Andrade mas depois veio o mestre Mário Wilson. Foi ele que me incentivou e até liderou, porque ele tinha uma costela benfiquista, já tinha sido treinador do Benfica e sabia do interesse de várias equipas, do FC Porto e do Sporting. Aliás, o Sporting foi o primeiro clube a falar comigo nesse ano, porque estava a fazer uma época fantástica.

Porque é que não foi para o Sporting?
Eles falaram comigo, mas o Benfica entrou em contacto com a Académica. O capitão Mário Wilson, no dia seguinte à nossa folga, veio ter comigo, chamou-me :"Ó jovem (ele tinha a mania de nos tratar assim) quero falar contigo". E levou-me para a sala onde estava a foto dele e de outros grandes jogadores da Académica. Porque, num jogo contra o Sporting, em casa, nós empatámos a zero, mas faço um grande jogo e o Toni foi observar o jogo. O Toni na altura já era o conselheiro e observador do Benfica e, como tinha jogado na Académica, tinha facilidade e entrava no balneário. No final do jogo foi ter com o Mário Wilson, ao nosso balneário, e o filho dele, o Marito veio ter comigo e disse-me: "Olha o Toni está a falar de ti com o meu pai". Mas no final desse mesmo jogo tinha o Armando Biscoito do Sporting e um senhor de Coimbra também ligado ao Sporting, que queriam falar comigo. Saio do balneário, despeço-me, pego no carrinho e vou embora para a Praça da República, estacionei o carrinho, que na altura era do meu querido irmão, e quando saio do carro vejo um BMW com um senhor lá dentro a chamar-me. Era o Toni. Ele não saiu do carro para ninguém ver. Eu conhecia-o, conhecia o senhor Toni, colecionei cromos dele [risos]. "Olá como está, senhor Toni?!" E ele só me disse assim: "Miúdo, eu sei que o Sporting e o FC Porto estão interessados em ti. Só que o Benfica também está interessado. Agora tu é que vais decidir".

O que aconteceu depois?
Claro, no dia seguinte o Mário Wilson, que tinha estado a falar com ele, apanha-me e manda-me para o gabinete, liga para o Gaspar Ramos, que estava à espera de uma chamada dele. Falaram e uma das coisas que era importante fazer era o Benfica falar primeiro com a Académica, porque eu tinha mais um ano de contrato com eles. O Sporting, quando falou comigo, o doutor Armando Biscoito queria fazer o contrário. Como não queriam pagar nada à Académica, queriam que eu ficasse mais um ano na Académica e depois eu ficava livre. Mas eu disse logo: "Não, isso não faço porque tenho muito respeito pela Académica e ou vocês chegam a acordo com a Académica ou não vou".

Qual era a sua vontade lá no fundo?
Eu queria um clube grande. Podia ir para o FC Porto também, porque o José Maria Pedroto é de Lamego.

Mas nessa altura o seu coração ainda balançava para o Sporting?
Não. Eu nunca fui adepto do Sporting, do Benfica, ou do Porto. Nós gostávamos dos clubes grandes e quando o Benfica jogava e ganhava, ficávamos contentes; quando o Sporting jogava contra clubes estrangeiros e ganhava, ficávamos contentes. Quando éramos crianças, quem jogasse melhor, era quem aplaudíamos.
Então não tinha nenhuma preferência nessa altura...
Não, não tínhamos grande preferência, éramos do Benfica hoje, amanhã éramos do Sporting, depois éramos do Porto. E eu poderia ter ido para Porto se o Porto fosse mais rápido. O Benfica foi mais rápido, falou primeiro com os diretores da Académica, chegaram a acordo e para mim até foi bom porque automaticamente os da Académica sabiam que havia interessados e aumentaram-me o ordenado: passei a ser o jogador que ganhava mais na equipa, aumentaram-me o ordenado para 50 contos. De 15 passei de para 50.

Voltou a pagar uma jantarada aos seus irmãos?
[risos] Mas o problema é que a Académica não pagava [risos]. Tinha dificuldade em pagar os ordenados e naquela altura mesmo 50 contos era dinheiro. O Sporting devia ter feito uma coisa como fez o Benfica, que foi falar com a Académica, negociou, chegou a acordo. O diretor de futebol da Académica, o Manuel Oliveira, veio falar comigo, convidou-me para jantar, fomos jantar e disse-me: "Olha, temos tudo acordado com o Benfica. Agora depende só de ti". E eu automaticamente cheguei a acordo com o Benfica, com muito gosto e assim foi. Ir jogar para uma equipa grande era o objetivo de qualquer jogador.

Vai para Lisboa sozinho?
Sozinho. A primeira vez que fui a Lisboa, fui para ir buscar o meu pai que veio de África. Fui com a minha querida mãe e os meus familiares; fomos buscá-lo, passámos por Fátima, nunca mais me esqueço. Fui depois com a Académica a Lisboa e, quando fui às Esperanças, também fui um dia todo aos treinos da seleção. Quando vou para Lisboa para o Benfica, vou sozinho. Já tinha ido uma vez de carro com um amigo quando fui à seleção. Foi a primeira vez, mas era fácil chegar ao estádio da Luz, era sempre em frente e lá fui sozinho para Lisboa.

Como é que foi entrar no balneário do Benfica onde estavam na altura grandes craques. Tremeram-lhe as pernas?
Tremeram um bocadinho, não há dúvida. Era a passagem para uma casa de grandes jogadores, uma instituição do melhor que há no mundo. Já na altura o Benfica era conceituado.

Na receção houve algum jogador mais afável, mais simpático?
O Bento, o Humberto Coelho, o Shéu, o Nené, o João Alves, o Chalana, que era uma pessoa humilde, praticamente todos foram simpáticos, mas o líder daquele grupo era o Humberto Coelho. Mas eu já vinha bem preparado. O capitão Mário Wilson tinha-me explicado tudo sobre aquele clube. O que era o balneário, quem eram os jogadores de quem eu poderia me aproximar...

Quem eram esses jogadores?
O Humberto Coelho, principalmente, o Bento, o Shéu que me tratou com tranquilidade, o Nené. Aliás naquela altura havia dois balneários. Quando lá cheguei disseram-me: "Ali é o balneário dos cobras, aquele é dos minhocas". E quem eram os cobras? Eram os jogadores da seleção, Mas o Nené, que era da seleção, estava no balneário dos mais novos. E havia os titulares de um lado, aqueles titulares mais conceituados, os jogadores já com um peso. Eu quando lá cheguei tinha o meu lugar.

Foi para o balneário dos minhocas?
Dos minhoquinhas [risos].

Quem é que estava nesse balneário?
Era dos minhocas, mas não tinha só minhocas. Estavam lá Chalana, Nené, o Carlos Manuel também, estavam também jogadores titulares. Estava aquela malta da zona do Barreiro e era giro porque às vezes atirávamos com chinelos de um lado para o outro [risos]. Havia uma amizade entre todos, havia tranquilidade, apesar de haver pesos pesados. O João Alves com o Humberto Coelho... aquilo ali na altura, todos queriam ser líderes, mas digo-lhe sinceramente, o verdadeiro capitão que conheci no Benfica foi o Humberto Coelho, como homem e como líder. O primeiro treino foi difícil.

Era Baróti o treinador.
Era, era o Baróti e no primeiro treino parecia que estava preso. Queria correr e não podia, tive de baixar a cabeça, falei sozinho e disse: “Eh pá calma que se jogaste na Académica, também jogas aqui. Se queres vencer tens de estar tranquilo, tens de lutar por uma coisa em que apostaste forte”. Eu próprio me mentalizei e no segundo treino já foi diferente. E o Nené e o Shéu, espetacular, vieram ter comigo e disseram: "Miúdo, é normal tu quereres correr e coisa não sai. Quando cheguei aqui foi a mesma coisa, também me aconteceu, queria correr e as pernas não andavam, parecia que estava preso". É natural porque, olhando para aquele estádio, 130 mil pessoas e treinar com aqueles rapazes todos. Depois ao fim de algum tempo já foi diferente.

O que mais o marcou na primeira época no Benfica?
Ser titular do Benfica pela primeira vez.

Em que jogo?
Foi contra o Viseu e joguei a central. Naquela altura a concorrência era grande, o 11 titular era de jogadores de seleção, tínhamos que ter paciência, o importante era ser convocado e estar no grupo dos 16. A partir daí estamos mais perto da titularidade. Andei com paciência, fui chamado porque o Laranjeira estava lesionado e o Humberto Coelho tinha que ter alguém ao lado dele com um estilo diferente, com características diferentes. O Baróti chamou-me e perguntou-me se eu estava pronto para jogar a central. "Eu quero é jogar" e joguei a central. O jogo seguinte jogámos contra o FC Porto, ganhámos e fiz um jogo fantástico.

Também como central?
Como central, mas depois claro como, é normal, vieram os titulares e eu fui para o banco. Depois tive outra oportunidade a defesa esquerdo contra o Sporting, em que faço um jogo muito bom e agarro os adeptos do Benfica. Diziam que eu era o segundo Artur ‘Ruço’. O Artur era parecido comigo, também tinha jogado na Académica e em Coimbra, diziam que tinham ali um segundo ‘Ruço’. Porque eu era para substituir o Artur quando ele teve aquela infelicidade [acidente cardiovascular], era para ir para o Sporting, mas depois vim para o Benfica e já tinha essa imagem criada. E quando fiz esse jogo contra o Sporting comecei a adaptar-me a essa posição. Depois o outro titular que jogava, o Pietra, na altura lesiona-se e a partir desse momento, em que tenho a segunda oportunidade, já não vou dar hipótese a ninguém. A partir daí, quando o Eriksson veio, agarro-me a defesa-esquerdo e nunca mais.

Muito diferente o Eriksson do Baroti.
O Eriksson revolucionou o futebol português. Revolucionou na metodologia de treino, na mentalidade, em todos os aspectos. Foi ele. O Benfica também tinha grandes jogadores com capacidade técnica e tática. O Eriksson revolucionou tudo o que é o futebol actual. E acho que era melhor no nosso tempo do que agora, porque o que muitos fazem agora, já nós fazíamos na altura. Antes do Eriksson, os treinadores em Portugal normalmente diziam para começarmos os primeiros treinos da época com sapatilhas. Nós íamos de sapatilhas com as botas na mão quando entrámos para o estádio e o Eriksson perguntou ao Humberto Coelho porque é que trazíamos as sapatilhas na mão. "Mister normalmente aqui no início da época, nos primeiros dias, nas primeiras semanas, treinamos sempre de sapatilhas". "Mas o futebol joga-se com botas com pitons. Então se nós jogamos com botas com pitons, porque é que não vamos treinar com botas?! Faz favor, é com botas que vamos começar". E lá fomos nós correr com botas e a bola a saltar. A tal metodologia que fazem agora, mas na altura já fazíamos. Depois a qualidade dos jogadores do Benfica era tão vasta que com aquela qualidade de treino, rebentámos com tudo.

Foram campeões e ganharam a Taça e foram à final da Taça UEFA. Pessoalmente, qual foi o momento mais marcante dessa época?
Foi não ter jogado a 2ª mão da final da Taça UEFA. Depois de me ter dado a oportunidade de ser titular no primeiro jogo contra o Anderlecht na final da Taça UEFA, no segundo jogo na Luz, ele pôs o Veloso. Ele próprio reconheceu que foi um erro. A final tinha sido numa quarta-feira e no domingo seguinte voltei outra vez a ser titular. Portanto, foi um erro, uma opção tática errada. O próprio Chalana ressentiu-se também e disse-me antes do jogo, isto é a verdade dos factos: "Eu daqui a 20 minutos estou cá fora". Os treinadores também têm as suas histórias, não é? Tanto eu como o João Alves ficámos no banco e porquê? Porque razão? Foi um momento que me marcou um pouco. O Chalana ao fim de 20 minutos estava cá fora, não sei se foi a parte psicológica, mas foi por lesão. E a seguir ao Eusébio, há Chalana e Ronaldo, são os três magníficos de Portugal.

Entretanto casou-se?
Eu casei-me em 1983.. A Paula acabou o seu curso, os cursos, tem dois, de economia e de solicitadoria. Depois, essa época foi das melhores épocas. Todas foram importantes, mas essa foi fantástica por dois motivos.

Refere-se a 1983/84?
Sim, fiz os jogos todos, até acabei por receber o prémio Somelos Helanca do jornal "A Bola". Foram 40 continhos [200€] e vamos à final da Taça UEFA em 84. Fazemos um bom campeonato e eu e o Chalana fomos considerados a melhor ala esquerda do Campeonato da Europa, foi fantástico. Foi realmente um ano inesquecível para mim, para todos nós e para Portugal também.

Eriksson sai e chega Csernai. Uma grande mudança.
Muito. Não que o treinador não tivesse conhecimento, só que veio numa altura em que começam a fazer obras no Estádio da Luz, no terceiro anel. Mas pela sua metodologia de treino também, ele era um baldas. Treinar com ele era devagar, devagarinho, parado e paradinho [risos] não tinha vontade nenhuma, ele tinha vontade era de andar à noite, jantar bem... agora treinar, está quieto. E foi um ano difícil. Acabámos por ganhar a Taça de Portugal, mas criou ali anticorpos. Ele não gostava nada de jogadores que vinham da seleção, do Campeonato da Europa, eu, o Bento, estava completamente maluco.

É pai quando?
Em 1985, de um filhote fantástico, o Tiago, que podia ter sido um grande jogador, mas ele optou por estudar e é um ilustre médico dentista neste momento.

A seguir ao Csernai vem o John Mortimore e também foram duas épocas óptimas.
Foram óptimas sim, ele era um treinador de grande nível.

Mas parecido com o Eriksson?
O inglês é diferente do sueco. A mentalidade é diferente, o estilo de jogo também era diferente, mas digo-lhe sinceramente que o Mortimore foi um dos melhores treinadores que tive na carreira. Um grande treinador que, para além da parte técnica, tática e física, tinha também a parte psicológica. Era completo, era um treinador com personalidade e com muita exigência, que é fundamental no futebol. No futebol tem de haver rigor, disciplina, sem isso não há campeões, não há sucesso. Era um treinador muito exigente, porque se não fosse, se calhar eu ou outro jogador... Na altura, já havia realmente muita padrinhagem, mas ele não ligava a isso. Se jogam sempre os melhores, são os melhores que têm de jogar sempre. Não havia ali ninguém que pudesse contrariá-lo ou que o fizesse mudar de ideias. "Só jogam os que eu quero". E um treinador tem de ser assim, tem de pensar pela sua própria cabeça e não pela cabeça dos dirigentes, que na altura já havia um ou outro… Mas adiante.

Pelo meio dessas duas épocas vai ao Mundial do México 86. Como viveu o famoso caso Saltillo?
Eu estava focado para ajudar sempre Portugal a ganhar jogos e nunca me preocupei com as guerras individuais que existem não só nos clubes, como na seleção. O que eu queria era jogar, estando sempre atento ao que se passava.
Pôs-se à margem daquele movimento?
Não, não. Houve ali um movimento, com reuniões que não sei se eram para se discutir algum assunto, se eram reuniões só para a brincadeira. Havia lá um, não interessa o nome do indivíduo, que andava a bater nos quartos a dizer: "reunião às tantas horas". E nós íamos à reunião e ouvíamos as pessoas, íamos para os nossos quartos, dormíamos, treinávamos e depois jogávamos. Portanto, houve reuniões mas cada um pensava pela sua cabeça. Eu queria treinar, queria jogar.

Chegou a vestir a camisola do avesso como fizeram colegas seus?
Não. Nunca faltei ao respeito ao meu país. Os nossos velhotes até diziam que vestir a camisola ao contrário dava azar, portanto [risos]... Tinha de usar a camisola como deve ser. Não tinha nada que vestir a camisola ao contrário porque havia um respeito por Portugal.

Não se colocou ao lado daqueles que encabeçaram o movimento contra a Federação.
Exatamente. Eu estava solidário com todos, se havia coisas que eram importantes discutir, estava sempre solidário. Com os prémios de jogos, houve realmente falha do diretor, Amândio de Carvalho, que estava mais dentro desse assunto. Devia ter falado mais com o grupo. Como sabemos, há gente que tem contratos publicitários também, e nós não sabemos quem é que ganha mais, quem é que ganha menos, cada um faz os seus contratos. Agora que houve coisas que se fossem faladas antes de irmos para o México... se calhar as coisas compunham-se. No México houve reuniões que não deram em nada.

Não fez greve?
Não, depois aqui em Portugal é que fizemos greve. Depois de termos chegado a Portugal, passado um mês é que o sindicato veio ter com os jogadores que tinham estado no México para não irem à seleção e houve solidariedade total durante quatro meses. A seleção começou a jogar para o apuramento do Campeonato da Europa e, dos jogadores que tinham estado no México, ninguém ia. O presidente do sindicato ficou de resolver a situação, só que o sindicato da altura não é o mesmo de agora. Agora há mais cuidado. Tivemos várias reuniões com o sindicato, os de Lisboa e os do norte, discutimos, eu não falava nada, que não gostava muito de falar, só ouvia e queria era trabalhar. Discutiam em Lisboa, discutiam no norte, ok fica para a próxima, fica para a próxima, fica para a próxima... andaram muito tempo e houve uma última reunião, em que era o José Eduardo o presidente do sindicato, começaram a perguntar: "Então como é que é? Isto não se resolve, há problema graves". E o próprio presidente do sindicato sabia de coisas graves que se tinham passado, não interessa, por isso é que é um assunto encerrado, já está mais do que encerrado, há pessoas que deviam era estar caladas sobre Saltillo. O presidente do sindicato em Lisboa disse que não conseguia fazer nada, isto depois de quatro meses. 

Regressou à seleção?
A seleção já estava com o Juca a trabalhar, mais o António Oliveira. Como o presidente do sindicato disse na última reunião que cada um pensa pela sua cabeça... “Quem quiser ir à seleção vai, quem não quiser não vai”. Isto foi discutido assim, eu então pensei, tenho 26 anos, não fiz nada, só treinei, dormi, joguei, tenho a minha consciência tranquila e não vou à seleção por causa desta porcaria? Não, já é tempo a mais. Eu sabia que os jogadores do Porto também estavam a pensar regressar à seleção e assim aconteceu. No dia seguinte, falei com o Dr. Castanheira Neves no hotel Altis e disse-lhe: "Olhe doutor passou-se isto na reunião, estamos aqui parados há três, quatro meses, ninguém decide nada. O presidente do sindicato não diz nada, não resolve nada e na última reunião disse que cada um pensava pela sua cabeça". Então enviei uma carta a disponibilizar-me para representar Portugal, só isto. Entretanto os jogadores do Porto recuaram, mas, passados 15 dias, o Pinto da Costa deve ter falado com os eles e foram todos à seleção. Quem quis foi à seleção, quem não quis e preferiu ficar em casa, ficou em casa. Quem tem a consciência tranquila, quem não deve nada, quem trabalhou para ser titular no Campeonato do Mundo e veio de lá com a consciência tranquila e esteve quatro meses sem ir à seleção... isso é que é injusto. Agora quem tiver a consciência pesada, só há uma coisa a fazer é bater com a cabeça na parede e partir a cabeça [risos].

A que se refere quando fala em consciência pesada?
Eu pensei pela minha cabeça e sabe porquê? Porque tinha a consciência tranquila, não cometi nenhum crime. Agora nós sabemos que os mentirosos tentam criar ou mentir. Há muitos mentirosos no futebol e uma mentira aqui, uma mentira ali, às vezes acaba por ser verdade, não têm coragem para falar cara a cara, e você sabe bem que a imprensa é terrível. Às vezes gosta mais de uns, do que de outros. Mas não pode ser assim, tem que ser tudo igual.

Voltemos ao Benfica e agora a Skovdahl.
Skovdahl, exatamente. Fizeram uma injustiça com o John Mortimore. O Mortimore não merecia nada daquilo que lhe fizeram. Despediram o Mortimore nesse ano, numa altura em que ganhamos o campeonato e ganhamos a taça.

Porque é que o despediram?
Porque era um treinador muito exigente, muito disciplinado, muito autoritário e há pessoas que não gostam, há jogadores que não gostam disso, porque não gostam de trabalhar... e nós sabíamos quem eram os jogadores que não gostavam de trabalhar. Eram bons jogadores, mas não gostavam de trabalhar e então fizeram realmente a cama, como se costuma dizer, ao John Mortimore. O que fizeram ao John Mortimore no final da Taça de Portugal, despedirem-no, foi uma injustiça tremenda. Ganhou o Campeonato e a Taça e despediram-no, foi injusto. Mas no futebol é isto e actualmente ainda é assim. A competência e a exigência faz mal a muita gente, gostam é dos mansinhos, dos cordeirinhos. E isso, para algumas cabeças, para alguns dirigentes que são influenciados, lá está, são influenciados por alguns jogadores. E mais tarde, aqueles que conseguem destruir a imagem de um treinador, vão dar razão a esse treinador porque já estão deste lado. Quando se passa de jogador para treinador é que veem as dificuldades que aparecem pelo caminho. Depois deram razão ao John Mortimore que era um grande treinador. Vem o Skovdahl, um dinamarquês muito bom rapazinho, muita liberdade e para ter liberdade tem que se ter responsabilidade. Mas a liberdade daquele treinador era irresponsabilidade, não havia disciplina, era uma brincadeira. Ele era um jovem treinador que não sabia o que era lidar com um clube como o Benfica.

Ele acaba por sair e fica o Toni?
Depois, o Toni aparece como adjunto e agarra nessa equipa. Nesse ano em que o John Mortimore saiu, o presidente Fernando Martins também saiu em março numas eleições e entra uma nova direção, do João Santos, que tem como diretor de futebol Gaspar Ramos. E essa direção que entra foi uma direção que achava que a equipa do Mortimore era uma equipa que não tinha condições e ter sucesso na Europa. É engraçado que quando o Skovdahl vai embora, o Toni pega na equipa e esses mesmos jogadores conseguem ganhar o campeonato e conseguem ir à final da Liga dos Campeões. É engraçado não é? Já era uma equipa da Europa. Primeiro afastam o Fernando Martins, que foi uma surpresa para todos. Naquela altura os votos já eram bem escolhidos, à última hora quando iam fechar a porta para não votarem mais apareceu uma camioneta, a cinco minutos de fecharem as urnas, a dizer estão aqui mais 50 pessoas ou 100 ou 200 para votarem. E esses votos é que dão a vitória à direção do João Santos. E o Fernando Martins, o Júlio Borges e toda a sua direção que era fantástica, acaba por sair. 

Com Toni joga menos.
Porque me lesionei. Estava a fazer uma época de muita qualidade e lesionei-me num músculo da perna esquerda. Para os médicos é o quadriciclo do recto anterior, para os jogadores de futebol dizemos sempre que é o músculo do pontapé, é o músculo mais forte. Lembro que tive essa lesão e tive de ser operado. Não consegui recuperar nesse ano porque, infelizmente, o departamento médico do Benfica tinha pouca qualidade, não tínhamos ninguém para nos recuperar.

Recuperou onde e como então?
No final do campeonato, eu acabei por não jogar nesse ano, o Benfica ganhou o Campeonato e perdeu a final da Taça de Portugal e pego nas minhas malas e vou recuperar com o professor José Neto. Um grande homem, um grande profissional que estava ligado ao Futebol Clube do Porto. Fui para Paços de Ferreira. Peguei no carro, com umas malas com equipamento e umas bolas fui treinar para o campo do Paços de Ferreira, treinar no Porto, no hotel Sheraton, na piscina e no ginásio, fiz uma recuperação fantástica e depois fui com ele para o Algarve. Fiquei recuperado para o ano seguinte. Aí é que depois começam os problemas dentro do Benfica.

Entretanto regressa Eriksson de quem tinha gostado.
Sim, mas o Eriksson, como dizia o meu grande amigo e companheiro de quarto também, o falecido Bento, o Eriksson já não era a mesma pessoa de quando chegou pela primeira vez. Porque da primeira vez ainda era pobre, da segunda já era rico e como era rico já não era a mesma coisa e deixou-se influenciar por algumas pessoas. No primeiro dia de apresentação eu como andei a recuperar com um homem do Futebol Clube do Porto, um ser humano de excelência, houve gente dentro do Benfica que ficou ofendida. E então, no primeiro dia de apresentação da equipa, o Gaspar Ramos e o médico chamaram-me à parte para me perguntarem porque é que tinha andado com o professor José Neto. E eu disse-lhes na cara: "Andei a recuperar com um homem competente, porque não há competência no departamento do Benfica". Como queria estar a 100% ou a 101% nas minhas férias, pagas por mim, vim para o Algarve, aonde nunca tinha ido passar férias, para estar com o professor José Neto. Até andei com o Fernando Gomes e com o Lima Pereira, que aproveitaram estar lá o professor José Neto e trabalharam comigo. Eles ficaram aborrecidos. A partir daí, já sabe como é isto do futebol, fizeram tudo para que eu não jogasse. Deram uma informação errada ao Eriksson.

Que informação foi essa?
Que eu tinha sido operado e ainda não estava recuperado. Porquê? Havia uma lógica, era para demonstrarem aos adeptos do Benfica que o Álvaro ainda não estava recuperado. Porque era um desprestígio para o departamento médico do Benfica andar a recuperar com um homem que é do Porto. Mas o professor José Neto quis-me ajudar, como ajudou o Chalana também, e eles deviam ter ficado era felizes. A partir desse momento, vamos para a Holanda em estágio e eu estava mais do que preparado, nem era preciso estar a fazer musculação porque tinha feito tudo, queria era jogar à bola e tentaram-me colocar noutras posições ou não me punham a jogar. Na Holanda, chamei o Shéu, já ele era o secretário técnico, e disse-lhe: "Vou-me abrir contigo, liga ao Gaspar Ramos que quero ir já embora, quero a rescisão do contrato". E ele: "Eh pá não faças isso, não faças isso".

Não voltou atrás?
Não, eu insisti :"Quero já a rescisão do contrato porque não admito faltas de respeito. Sou o melhor atleta neste momento, estou recuperado, estou em melhor forma porque trabalhei dois meses nas férias antes de chegar aqui, estou bem e andam-me a colocar numa posição que nem é a minha, não me põem a jogar, por isso quero ir embora". "Tem calma, tem calma". Eu tive calma até ao final do estágio, quando cheguei a Portugal, no dia seguinte houve apresentação da equipa e o único que não jogou fui eu. Havia ali um complô para demonstrar às pessoas que o departamento técnico do Benfica era bom e que o Álvaro ainda não estava recuperado, quando eu estava numa forma fantástica.

O que aconteceu a seguir?
No final do jogo pedi para sair. Pedi a rescisão do contrato. No dia seguinte toda a imprensa falou que o Álvaro esteve reunido até às duas e tal da manhã com o Eriksson, a pedir para sair. Eu ainda tinha de treinar e colocaram-me à parte a treinar. Cheguei a um momento em que o falecido Manuel Barbosa tinha contratos para me levar para o estrangeiro e não me deixaram sair.

Para onde?
Tinha vários contactos. Saint-Etiènne, Montpellier... Ele tentou por todos os meios libertar-me, não conseguiu e eu acabei por chegar a uma conclusão. O Eriksson veio ter comigo “fique cá, fique cá”. 

Mas não perguntou ao Eriksson porque é que não o punha a jogar?
Ele disse-me que o informaram que eu não estava a recuperar. Mas então ele não vê? Ele não vê o treino, o Álvaro lá na frente do pelotão? Porque lá está, era o que Bento dizia, o Eriksson já não era a mesma pessoa que chegou da primeira vez, perdeu aquela personalidade, porque o Eriksson era um gajo com personalidade. Mas quando regressou já estava cheio de dinheiro, já era um senhor, já vinha com outra personalidade. Sabe como é o dinheiro. Em Coimbra ensinaram-me que doutores há muitos médicos há poucos. Mas pronto, ao fim de três meses acabei por dizer ao sueco que tenho de ficar porque não me deixam sair. Comecei a ser integrado e merecia jogar porque os colegas todos, o Valdo, o Ricardo Gomes, o Aldair, todos eles perguntavam: “Porque é que tu não jogas? Tu és o melhor lateral esquerdo em Portugal porque é que tu não jogas?”. E eu respondia na brincadeira “Vai perguntar ao teu pai” [risos]. E nesse mesmo ano vamos à final da Liga dos Campeões e o único lateral esquerdo que estava em condições de jogar era eu. Fui preparado para jogar e, em cima da hora colocam o meu grande amigo e central Samuel, a defesa esquerdo. Fiquei eu e o Chalana na bancada e acabei por não jogar a última final. A partir daí pedi para sair. Foi um erro. Hoje posso afirmar que foi um erro eu ter abandonado o Benfica, porque tinha mais um ano de contrato e podia ter continuado. Mas eu tinha convites do Sporting, do FC Porto, de várias equipas, eu queria ir para um Porto ou para um Sporting, mas para mim era uma tristeza, porque eu respeito muitos os adeptos e sócios do Benfica.

Não foi para o Sporting e FC Porto porquê?
Porque não me deixaram sair, eu tinha mais um ano e contrato. Já no ano em que pedi para sair o Sousa Cintra teve uma conversa comigo e na altura ofereceu muito dinheiro ao Benfica para me deixar sair, mas o Jorge de Brito, que era o presidente, disse: “Não, não, este é um jogador à Benfica, isto vai-se resolver e ele fica aqui”. Só que houve ali uma pessoa, que nem sequer quero falar dela, que fez tudo para que o Eriksson não me colocasse a jogar. Foi uma pena porque eu gosto muito do Benfica e dos adeptos do Benfica. Aliás, eu assinei o contrato em 1989, pelo amor e carinho que tenho pelo clube e pelos sócios e adeptos porque era um jogador querido deles.

E no final dessa época em que praticamente não jogou com o Eriksson vai então para o Estrela da Amadora.
Sim, a Paula estava a acabar o seu curso, tínhamos um filho também pequeno, eu estava habituado a estar em Lisboa, não havia hipótese de ir para o Sporting, havia a hipótese do Boavista que tentou por todos o meios contratar-me; o Valentim Loureiro perdeu até a cabeça em termos de ordenado, ele dava-me tudo e mais alguma coisa para eu ir. O João Alves era o treinador do Boavista e queria-me. O Boavista queria fazer uma equipa fantástica, e fez, o João Alves tudo o que pudesse levar, levava. E eu fiquei naquela... Entretanto, no Estrela, entra um novo presidente e quer fazer uma grande equipa. 

Quem era o treinador?
Era o Manuel Fernandes e o Zé Mourinho. Vão os dois para lá. Eu morava na Amadora, o ordenado que me ofereciam também era bom, era uma grande equipa e eu preferi ir para o Estrela. São opções que agora, se pensássemos bem, dizia assim: para que é que o sai do Benfica? Porque é que não fui para o Boavista? Mas também tive azar depois no Estrela.

Que azar foi esse?
Estávamos a fazer uma boa época, a competir com os melhores e a jogar um futebol fantástico. Estava convocado já para a seleção, se não me engano contra a Bélgica ou Polónia, no Porto. Estava a atravessar um momento fantástico; aliás, no primeiro jogo que fizemos para a Supertaça, ganhamos contra o FCP e o Eriksson foi ver o jogo e disse no camarote: "como é que é possível o Alvaro ter saído do Benfica". Eu estava muito bem preparado. Mas depois fraturei o braço. Quando parti o braço no Estrela Amadora, nós tínhamos de jogar para as competições europeias nessa semana, o Mourinho, que era o adjunto do Manuel Fernandes, ficou no hotel e quem me foi visitar ao hospital foi o Antonio Bernardo, o diretor do futebol e o Manuel Fernandes. Mas o Mourinho enviou-me uma carta que ainda a tenho, a dizer só isto: "és um campeão e és o melhor lateral esquerdo do futebol português. Vais recuperar rapidamente". Só que infelizmente estive cinco meses parado, tive muitas dificuldades na recuperação e ainda não havia as técnicas que há hoje. Depois, o Manuel Fernandes e o Zé Mourinho saíram do Estrela, foi muito mau, porque eles estavam a fazer um trabalho fantástico. Só que os interesses de dirigentes para colocarem outro treinador... aquelas coisas, o clubismo, o Manuel Fernandes era do Sporting, mas quando somos profissionais não há Benfica, não há Sporting, não há clubismo, porque eu gosto muito do Benfica mas quando jogo contra o Benfica, eu quero ganhar ao Benfica. Mas acabaram por afastá-los e depois foi para lá o Jesualdo Ferreira. Na direção eram muito benfiquistas e olhavam muito para a cor. Isso no futebol não pode ser.

Chegou a treinar e jogar com o Jesualdo?
Sim, sim. Eu recuperei, ainda treinei, ainda joguei, mas lá está...Se uma pessoa está num clube bom, só se estiver mesmo já de rastos. Deve continuar, devia ter continuado no Benfica. Depois, o Estrela da Amadora no final da época desce de divisão. Aquelas lesões todas, fui eu mais quatro ou cinco imprescindíveis da equipa, mesmo a saída do Manuel Fernandes, que foi muito má.

Mas gostou do Jesualdo como treinador?
Sim, ele tinha sido adjunto do Toni no Benfica, já o conhecia. O problema foram também as lesões que apareceram. O Estrela da Amadora desce no último jogo, desceram os dois aliás, o Estrela e o Vitória de Setúbal. Se empatassem as duas desciam as duas e assim foi.

Tinha assinado por quanto tempo com o Estrela?
Por dois anos. eu tive nessa fase da minha carreira uma... Um gajo não acredita em bruxas, mas que as há, há. Como a equipa desceu de divisão, apareceu-me a Académica a chatear-me a cabeça para regressar. Eu disse-lhes: vocês não têm dinheiro para me pagar. Mas todos os dias o presidente da Académica ligava-me e lá me convenceu. Falei com o Estrela da Amadora e disse, mal por mal, já estou aqui, portanto agora vou regressar à Académica. Era um sonho meu regressar à Académica e acabar a carreira lá. Ou acabava no Benfica ou acabava lá. Como saí do Benfica... Cheguei a acordo com o Estrela da Amadora, para a Académica também ter condições de me pagar. Cheguei a Coimbra com a rescisão de contrato na mão, vou almoçar, estou lá com os diretores da Académica, estive ali umas horas à espera porque havia reuniões com outros jogadores e empresários e quando vou para a reunião e o presidente diz: "Oh Álvaro, agora o treinador diz que já tem laterais a mais". "Laterais a mais? Mas que é isto? Então faço uma rescisão de contrato..."

Quem era o treinador da Académica nessa altura?
Um chamado José Rachão. A realidade é esta: ele tinha medo do nome, pensava que sendo um jogador internacional iria para a Académica tirar o lugar no futuro. Isto não passa pela cabeça de ninguém. Como boa pessoa que sou, e como acredito sempre nas pessoas, acabei por pegar no carro e vim para Lisboa. Mas eu devia ter ficado em Coimbra e punha aquilo tudo em pânico, porque os adeptos da Académica não iam aceitar uma coisa daquelas. Só que vim embora para Lisboa. E eles pensavam: "Não há problema nenhum o Álvaro vai arranjar clube com o nome dele". O problema é que a época já estava a decorrer. Os clubes já tinham contratado os seus jogadores. Acabei por não cometer nenhuma loucura, mas podia ter-me chateado, podia ter feito uma guerra lá em Coimbra com as pessoas e acabava por assinar e o treinador era capaz até de sair, com muito respeito que tenho pela pessoa. Mas ele cometeu um grande erro, não se faz a nenhum profissional isto. E, como dirigente, se contratam um jogador, se obrigam um jogador a rescindir contrato, depois ele chega lá diz que não porque o treinador diz que já tem jogadores a mais. Isso não se faz.
O que se seguiu?
Acabei por ficar parado. Depois o João Alves telefonou-me: "Tens de treinar, tens de jogar". E fui para o Leixões. O treinador era o Manuel Barbosa. A minha carreira lá, ao fim de um ano e meio porque quem joga num clube grande, na seleção e tem momentos áureos no futebol, não tem paciência para determinadas coisas depois. Pendurei as botas em 1993 por decisão própria.

Custou-lhe muito tomar essa decisão?
Muito, muito.

Nessa altura já tinha algum nível do curso de treinador?
Já. Comecei a tirar em 1992. Em 1996 eu o Jorge Jesus e outros fizemos o IV nível. Eu nem queira fazer o IV nível mas o Rui Caçador insistiu comigo disse-me: "Tira que mais tarde vais-te arrepender se não o fizeres, mais tarde vai ser mais caro e mais difícil".

“Por isto é que aqui o Álvaro está muitas vezes sem trabalho: as pessoas podem ganhar o dinheiro que quiserem, mas a mim não me compram”

Álvaro Magalhães iniciou a carreira de treinador no Lusitânia de Lourosa em 1994/95 e desde então já passou por clubes como o Santa Clara, onde diz ter revolucionado o futebol açoriano, o Gil Vicente, E. Amadora, Naval, Olhanense, CD Tondela, entre outros, mas foi no Benfica, como adjunto de Camacho e Trapattoni, que conquistou os maiores títulos. Acusado de ter mau feitio, diz antes que é disciplinado e exigente e que não merece estar sem trabalhar

Já sabia que queria ser treinador depois de pendurar as chuteiras?
Sim. E tive miúdos que foram meus jogadores, o Ricardo Nascimento, Fangueiro, que estavam nos juniores do Leixões e fui eu que os puxei para os seniores. Eu já via os jogos deles e dizia-lhes "um dia vais ser meu jogador". Hoje não me importava de ter começado como adjunto de um treinador da minha confiança e de quem gostasse, mas na altura não quis. Quando acabei o curso, fiz um estágio no Tottenham de Inglaterra, em 1993/94. Era treinador o Ardiles, um sul americano fantástico. Foi bom esse estágio, porque conhecemos outras coisas, temos outras experiências, vi coisas incríveis. Dou um exemplo: eu vi os miúdos dos juvenis e iniciados a ficarem no final dos treinos a limpar as botas dos seniores. Qual era a razão? Muito simples, era para os entreter, para estarem ocupados e não se meterem noutros vícios.

Quando regressou desse estágio começou logo a trabalhar?
Quando vim, sou convidado pelo falecido e conceituado jornalista Neves de Sousa para fazer um comentário de um jogo para a televisão. E nesse jogo ele é que dá a noticia: "quero dar em 1.ª mão a notícia de que o Álvaro Magalhães vai seguir a carreira de treinador". Na altura não tinha clube. Já tinha tido a oportunidade de entrar como adjunto do José Romão, no Belenenses.

A primeira equipa que treina é o Lusitano da Lourosa. Como surge o convite?
É um fim de semana que passo na Figueira da Foz, onde tenho uma casa. Às duas da manhã recebo uma chamada de um grande amigo meu, o António Teixeira, que ainda não era empresário, e que me pergunta se quero ir para o Lourosa, faltavam sete jogos para acabar a época. Almocei com ele no dia seguinte, disse quanto queria ganhar. No dia seguinte mandaram-me ir lá. Já na altura havia empresários e treinadores a telefonar ao presidente e a oferecerem-se de borla ou mais barato. O António Teixeira dizia-me: "Ó Álvaro, olha que já anda aqui muito treinador a rondar, a velhada já anda a oferecer-se de borla". Conversamos e chegamos a acordo. Houve um diretor que disse bem alto na reunião: "Eu gosto de água limpa e como a água do Álvaro é limpa eu aceito as condições dele". E iniciei a minha carreira no Lourosa, em 1994/95.

Como foi a estreia?
O primeiro jogo de apresentação foi logo um dérbi. Lourosa-Lamas. Aquilo é de cortar à faca, uma rivalidade tremenda. O Lamas estava a lutar para subir e eu fui ganhar 4-1, a Lamas. Não me mataram porque não calhou [risos]. Foi um início de carreira fantástico. Ganhei os sete jogos que faltavam. No ano seguinte fizemos uma grande equipa também, com algumas dificuldades financeiras. Lutamos pela subida nesse ano 1995/96. Decido ficar lá mais um ano mas recebo um convite do Santa Clara. E revolucionei o futebol açoriano.

Foi sozinho ou com a família para os Açores?
Sempre sozinho. Construí uma grande equipa, estávamos em 1.º lugar em fevereiro. Já havia convites da I divisão e do continente. Eu tinha levado para lá 16 jogadores. Aliás, a equipa acabou por subir. Quando saí deixei a equipa em 1.º lugar. Mas saí porque recebo um convite do GD Chaves. Agora é diferente, mas naquela altura nos Açores era mais difícil, não havia telemóveis não havia nada lá. Só líamos os jornais no dia seguinte, a informação demorava a chegar, não era como no continente. Eu ressenti-me um bocadinho. Mas como tinha levado jogadores, estavam lá por mim, não deixei o Santa Clara. Só que no jogo em que ganhamos 6-1 ao Beja, e estávamos em 1.º lugar, o diretor começou a dizer "você não quer ficar aqui para o ano então temos de chegar a acordo”. OK. No dia seguinte estava a apanhar o avião para Lisboa. Cheguei às quatro da manhã e às sete estava a ir para Chaves. Cheguei a Chaves não tinha dormido nada.

Gostou de Chaves?
Uma cidade fantástica. Acabamos por manter a equipa na I Liga.

Mas fez poucos jogos pelo Chaves…
Eu fui para lá em fevereiro quando saí do Santa Clara. É giro, porque estou a entrar no campo do Chaves e estou a receber uma chamada do Manuel Fernandes a perguntar-me como era, porque tinha recebido um convite do Santa Clara. Disse-lhe: "Vai. Aquela equipa está preparada para subir de divisão". Eu revolucionei o futebol nos Açores em termos de mentalidade, de profissionalismo, aquilo era regional, aquilo não era futebol profissional, foi profissional quando eu lá cheguei e profissionalizei aquilo tudo, os departamentos todos. Agora então está muito melhor, os anos passam e tudo evolui. 

Acaba a época no GD Chaves que estava na I Liga e acaba por ir para o Gil Vicente que estava na II liga. O que aconteceu?
Faltavam três jogos para acabar a época, há uma direção nova que pensou noutro treinador. Eu estava a sair de Chaves a caminho de casa, quando recebo uma chamada do presidente do Gil Vicente, a querer uma reunião comigo em Vila da Feira. Havia vários contactos. Mas parei em Vila da Feira, almocei com os diretores do Gil Vicente e cheguei a acordo. Acabou o campeonato e saí logo no dia seguinte. E em boa hora fui para o Gil Vicente.

Sobe logo de divisão.
Subo de divisão a sete jornadas do fim e fui campeão nacional. O primeiro nacional do Gil Vicente foi comigo. Depois, construí uma equipa na I divisão e ficamos em 5.º, a um ponto da Europa. Impressionante.

Era uma equipa com Ricardo Nascimento e Fangueiro de quem falou há pouco.
Exatamente. E o Petit, Carlitos, o Auri, o Sérgio Lomba, o Paulo Jorge, um guarda-redes pequenino; era uma equipa fantástica.

Mas na época seguinte as coisas não correm tão bem.
A maior parte foram todos transferidos, ficaram três ou quatro jogadores da equipa titular, de resto foi tudo embora. Equipa nova, difícil no início. Quando estava a subir de rendimento, até ganhámos ao Manuel José, em Leiria... e recebi uma chamada do Pimenta Machado a convidar-me para Guimarães. 

Não hesitou.
Mas penso que tinha de ter alicerces bem definidos. O Vitória de Guimarães é um dos melhores clubes do nosso país. Um treinador para ir para Guimarães tem de ir de início e saber planear, programar, escolher os jogadores de forma a ter uma equipa à sua imagem. Porque a massa associativa do Vitória de Guimarães é do melhor que conheci no mundo do futebol. De alto nível. Só que, Paulo Autuori saiu e deixa uma equipa com muitos jogadores brasileiros. Eu não sou contra os brasileiros, mas muitos brasileiros numa equipa em Portugal, eh pá, um é bom, dois mais ou menos, três é uma escola de samba. Complica um bocadinho. Eu tive jogadores brasileiros fantásticos, atenção. Mas havia ali um grupo de jogadores já em final de carreira... Foi um erro. Aquele momento não foi ideal para ter ido para lá. Se tivesse ido para o Vitória Guimarães no início da época não tenho dúvidas de que tinha sucesso lá. É tão fácil ter sucesso quando se tem uma grande equipa, quando é um grande clube e se tem dirigentes de nível alto.
Não fica porquê?
Disse ao presidente que me vinha embora. Houve ali um jogador que me deixou com o pé atrás. Eu não posso permitir que um jogador... Estávamos a ganhar 2-0 ao Alverca, faltavam cinco minutos para acabar o jogo, empatámos o jogo. A seguir ao jogo eu e o meu adjunto fomos jantar e quando entrámos no restaurante estava esse jogador que não falo o nome, porque não merece respeito nenhum, com um outro treinador, espanhol, que tinha sido despedido do SC Braga. Ele sabia que esse treinador andava a oferecer-se ao Vitoria de Guimarães. Esse treinador foi jantar com esse jogador já veterano, já ratazana, com o intuito de me prejudicar. A partir daí quando vi aquilo disse ao Pimenta Machado: "Isto não dá. Agora já sei porque é que isto não vai para a frente. Vai lutar pela descida até a última jornada". E foi o que aconteceu. Foi para lá o Inácio, mas só se salvou no último jogo. Veja bem as dificuldades que o Inácio teve também. Foi o maior erro profissional que cometi como treinador, não devia ter saído do Gil Vicente quando está o campeonato a decorrer, onde sou bem tratado... Às vezes a ambição é traiçoeira. Felizmente, passados uns anos voltei ao Gil Vicente.

Quando saiu de Guimarães teve logo ofertas?
Sim, vim para Lisboa e fui para o Estrela da Amadora. Um clube também muito problemático, chegou a haver seis meses de ordenados em atraso e eu com a minha maneira de ser... Houve promessas do presidente de pagar antes do Natal, pelo menos para comermos um bom bacalhau e termos uma consoada boa e feliz. E com ordenados em atraso, antes do jogo contra o Nacional da Madeira, em que ganhei 3-0, eu tenho uma reunião com o presidente em que ele me promete que no final desse jogo ia pagar os ordenados. Mas não houve dinheiro, não houve nada para ninguém. Exaltei-me com ele, disse que ele era uma aldrabão, que me tinha mentido à frente do Marques Pedrosa e que assim não íamos lá. Claro, mais uma jornada ou duas, aproveitou uma derrota e acabamos por sair. Acabou por ir para lá o Jorge Jesus.

No ano seguinte foi para a Naval.
Sim. Fui às meias-finais da Taça de Portugal, subimos de divisão. E apanhei o Jorge Jesus nesse ano e quem o manda para a rua fui eu [risos].

Como assim?
O Estrela foi jogar à Naval, eu ganho 1-0 e o Estrela despede o meu amigo Jorge Jesus. A Naval fez uma época do outro mundo, ganhámos ao Sporting em Alvalade, depois fomos jogar as meias-finais contra o FCP do Mourinho...

Disse que tinha subido mas não subiu.
Eu subi dentro de campo. No último jogo, aos 90 minutos, eu estou na I divisão. O árbitro não deu os descontos - e aí o presidente havia que protestar o jogo porque faltavam três minutos de descontos -, e os adeptos entraram dentro do campo a festejar a nossa subida. Porque o nosso empate já chegava. Mas o jogo do Portimonense com o E. Amadora, liderado pelo João Alves, não acabou no tempo regulamentar aquilo foi até aos 100 minutos está a perceber? Havia três equipas que podiam subir. Nós só precisávamos do empate se o Portimonense empatasse ou ganhasse ao Estrela da Amadora. Se empatássemos e o Estrela ganhasse era o Estrela que subia. Acontece que aos 90 minutos, o Portimonense estava a ganhar 2-1. O nosso jogo acaba e passado um minuto, 2-2, e passado mais sete, oito minutos, 2-3. É muito estranho isto, não é? O jogo nunca mais acabava. Mas pronto, são tempos antigos. Só que deixam marcas. Eu próprio disse no final do jogo que tinha sido uma vergonha o que se tinha passado em Portimão. Nós a festejar a nossa subida porque nos disseram que o Portimonense estava a ganhar 2-1...Os jogos têm de acabar ao mesmo tempo, não é? Aliás, o último golo do Estrela foi de penálti, veja bem. E deviam ver era o lance que deu a grande penalidade.

É despedido?
Eu ia renovar contrato com a Naval quando recebo um convite do Benfica.

Quem o convida?
Foi o José Veiga que me ligou. O Vieira estava lá como diretor de futebol, era Vilarinho o presidente. Nesse ano o Vilarinho sai e o Vieira entra logo automaticamente como presidente, sem eleições. Convidaram-me para fazer parte da equipa do Camacho e fui trabalhar com um grande treinador, foi a primeira e única vez que fui adjunto. E de um homem que tive o privilégio de defrontar no Campeonato da Europa, em 1984.

Gostou de trabalhar com ele?
Um homem extraordinário, trabalhei muito bem com ele. Ele procurou conhecer-me. E um treinador principal tem de conhecer, observar, não só os jogadores, mas as pessoas que estão ao seu lado, até os diretores. Temos de saber quem está do nosso lado e quem não está. Porque temos de desconfiar até do gato.

Depois veio o Trapattoni. Muito diferente do Camacho?
Sim, dois treinadores muito bons, mas há uma grande diferença. O Trapattoni ganhou tudo, e é ainda o mais medalhado na Europa, com 80 anos. Os dois são bons, mas cada um tem a sua metodologia de treino.

Preferiu o Camacho?
Em termos de trabalho o Camacho era superior, mas se calhar na vertente psicológica o Trapattoni, não é que seja melhor, é diferente. Ele tinha uma maneira de ser especial. O Camacho era dos nossos, com exercícios e com outra dinâmica, mas também é mais novo. Foi fantástico trabalhar com os dois, aprendi com ambos. Um mais da minha geração e outro mais velho. Não tem que se afastar os mais velhos. O que se está a passar no futebol português é uma vergonha, porque a experiência é muito importante na vida. Uma pessoa aos 60 ou 65 anos não está velha. Há pessoas com menos idade e que estão mais velhos do que os que têm 60 e 70 anos.
Vou pedir-lhe para explicar o que aprendeu mais com um e com o outro.
Da experiência de um grande jogador que passou pelo Real Madrid [Camacho], com outra mentalidade. O Camacho tem a mesma "agressividade" que eu usava, quando é preciso dar um soco na mesa tem que se dar. O Trapattoni no campo treinava o razoável, o treino para ele era mais suave, ele dizia que o importante era ter bons jogadores. Não trabalhava tanto a parte tática no campo. Mas tinha uma maneira de falar para os jogadores muito simples. Na parte psicológica era muito bom e ele sabia disso. Era um indivíduo mais tranquilo, na altura de se chatear era agressivo também, mas soube levar a água ao seu moinho. O Camacho se lhe dessem condições era campeão em Portugal.

Foi campeão com o Trapattoni, mas o Álvaro sai.
Foi tudo apanhado de surpresa. Ninguém estava à espera que eu saísse. Eu acabava o contrato. Foi uma injustiça.

Estava à espera que o Benfica renovasse consigo?
Toda a gente do mundo do futebol ficou surpreendida por não terem renovado. Os adeptos do Benfica ficaram surpreendidos também, toda a gente. Eles sabem o trabalho que fiz no ano do Camacho e no ano do Trapattoni. Não é puxar pelos galões, mas o Trapattoni, se não tivesse tido um adjunto como eu, dificilmente seria campeão nacional.

Porquê?
Pela experiência que tenho tanto como jogador do Benfica, como jogador da seleção, como treinador. O conhecimento que tinha de todos os jogadores do futebol português, e não só, foi importante para ajudar o Trapattoni a ter sucesso. Eu sabia o caminho que o Trapattoni tinha de seguir. É preciso ter gente com personalidade e com competência ao lado. Isto é como quando se diz ao lado de um grande homem está uma grande mulher, ao lado de um treinador principal tem de estar uma equipa técnica capaz de o ajudar.

Mas não inicia a época seguinte na Naval.
Não. A Naval surge em dezembro. Apanhei a equipa em maus lençóis. E quando estou a recuperar a equipa, e bem, tenho lá jogadores que podem confirmar isso, tive uma desavença com o presidente. Não admito faltas de disciplina. O homem era maluco. Normalmente os treinadores quando saem de um clube em desavenças, não voltam a ser chamados. Aqui foi ao contrário. Ele acreditava muito em bruxarias, era muito sonhador, ia lá fazer as mezinhas deles, e eu não sei se isso ajuda...Deve ter ido a uma senhora dessas que lhe disse "muda de treinador" [risos]. E ele vai para casa, dorme com aquilo na cabeça e... Fazia isso aos treinadores. Ele acabou até por ir a tribunal e pagou. Mas se ele tivesse dúvidas, que não tinha, não me convidava passados uns anos como convidou.

Antes desse regresso, na época seguinte vai para o Olhanense.
Vou substituir o Manuel Balela, a equipa não estava bem mas fizemos uma época boa. Depois, lá está: ‘que las hay, hay’. Eu faço uma equipa forte no ano seguinte, até fui buscar o Daniel Carriço, fui eu que o lancei no futebol profissional. Estou a fazer um campeonato muito bom, sou convidado para ir para Angola para o 1.º de Agosto e estive ali, vai não vai, porque era muito dinheiro, mas disse, não, vou ficar aqui no Olhanense. Porque quando gosto de construir uma equipa, gosto de ser eu a levá-la até ao fim. Estou a fazer um campeonato fantástico e houve ali interesse e má-fé de um advogado que desapareceu deste mapa, que queria lá meter um treinador.

Conte lá isso.
Faço o jogo na Póvoa do Varzim, sabia que íamos subir de divisão, dou férias de Natal aos jogadores, venho para baixo, tenho um convite para ir para a Roménia, encontro-me com os dirigentes romenos em Lisboa e convido esse advogado para falar comigo e ele próprio vai dar conhecimento ao Olhanense que eu estava a negociar um contrato para a Roménia. O que é que acontece? Eu não chego a acordo com o gajo da Roménia, estou preparado para ir para o Algarve para iniciar novamente os treinos depois das férias de natal e estou no carro para arrancar quando esse advogado liga-me a dizer: "Há aqui um problema". Reuni-me com o presidente e com outros diretores. E começam "ah e tal..."; "o que é que se passa, não estou a trabalhar bem?"; "ah e tal..." Dão desculpas que tinha mau feitio. Mas que é isto, mau feito? Um treinador exigente, rigoroso, é mau feito? Eu prefiro ter um treinador exigente, rigoroso e com mau feitio do que ter um treinador mansinho. "Queremos mudar, queremos mudar". Veja bem isto, o que é o futebol. E eu OK, fechamos contrato já. Rescindi contrato e passado uns dias estava no Feirense. Fui recuperar o Feirense, fizemos uma campanha ótima.

Depois do Feirense tem a sua primeira aventura fora, na Roménia.
Sim, fui eu e o meu preparador físico. Na altura só podíamos ir dois. Fomos enganados por um empresário que nos levou para um clube [Gloria Buzau] que nem imagina.

Qual foi o primeiro impacto quando lá chegou?
Bom, porque Budapeste é giro, a cidade é bonita. Mas quando entro no estádio e tenho 50 jogadores e qual deles o pior eu digo assim: "estou feito ao bife". Depois a mentalidade daquele clube. Nem imagina. Rapazinhos que nunca jogaram à bola. Falei com o meu preparador, o Jorge, e disse-lhe vamos ver se conseguimos dar a volta a isto, se não der, temos de ir embora. E foi o que aconteceu. Teve de ser. Ainda por cima apanhei logo os primeiros quatro classificados. Estou desgraçado. Não temos um 11 definido, não conhecemos ninguém, não jogam nada, aquilo era uma coisa impressionante, só visto. Os jogadores indisciplinados, era incrível. Era uma equipa que, se eu fosse empresário, até tinha vergonha de levar um treinador português para um clube daqueles, sem condições. Ao fim de dois, três meses vim logo embora. Esse clube nem faz parte da história da minha carreira.

A seguir vai para onde?
Para Angola.

Então não é para o SC Covilhã?
Ah, vou para o SC Covilhã, mas só fiz a pré-época. Só estive lá duas semanas. Ainda hoje estou à espera que o presidente me diga... Eu construí a equipa, estávamos a fazer a pré-época, duas semanas de trabalho bem feitas, fomos jogar contra a Académica e fizemos um bom jogo, vamos começar a terceira semana de trabalho numa segunda-feira e… O meu contrato ainda estava a ser discutido e depois não houve entendimento nas contratações. O presidente e eu fomos teimosos e como quem mandava era ele, saí. 

Entretanto recebe o convite do Interclube de Angola?
Sim, em 2010. Vou para lá e fui campeão.

Qual foi também o primeiro impacto quando aterrou em Luanda?
Eu adapto-me com facilidade. A minha mulher é angolana, a família dela é a família McMahon, que está lá. Claro que é diferente chegarmos e vermos aquela pobreza toda na rua. Há zonas muito bonitas, mas há outras que são muito pobres. Mas é um país de outro mundo, rico, só morre de fome quem quer. Tem tudo. E agora está muito melhor do que quando lá cheguei. Eu sabia o que ia ver. Eu via os ratinhos a passar na zona onde estávamos a comer... e as moscas... tudo isso faz parte do ambiente e nós temos de nos adaptar e nem ligar a isso. Mas há outros sítios fantásticos. Mas foi um ano de luxo. Tive um presidente que me deu todas as condições. Ele também pertencia ao Ministério do Interior, não faltava nada. Tive todas as condições para ter sucesso.
No ano seguinte foi embora. Porquê?
Há pessoas que nem estão no futebol e querem ganhar dinheiro a todo o custo. Houve uma pessoa que apareceu e queria lá meter jogadores de porcaria. Levar jogadores de Portugal para Angola têm de ser jogadores com nível, porque em África há jogadores de grande qualidade e de grande nível. Eu já estava lá há um ano e o presidente contratou dois jogadores cabo-verdianos muito bons e a pessoa que queria lá colocar jogadores tinha uns conhecimentos muito superiores, com ministros e deputados, etc.... E tentou prejudicar o treinador porque não meti jogadores dele. Ele nem é empresário, devia ter vergonha, porque seu fizesse uma queixa à FIFA tinha problemas porque ele nem empresário era. Só que como foi ele que me levou... E as pessoas podem ganhar o dinheiro que quiserem, agora a mim não me compram, não tem hipóteses. Por não me comprarem muitas das vezes o Álvaro está sem trabalho. Essa é a realidade. A mim não me compram.

Ainda vai para o Nacional de Benguela em 2012.
Sim, isso foi um convite muito em cima do campeonato começar. Eu e mais um adjunto dissemos: "vamos tentar.". Só que os jogadores, coitadinhos, mesmo coitadinhos. Estivemos a selecionar, selecionar, selecionar jogadores, mas acabei por dizer ao meu adjunto: "Zé, vamos embora, não temos hipóteses". Havia coisas que se passavam no clube que não tinham nada a ver com o Inter de Luanda. Por isso é que digo: nós treinadores, se não houver uma estrutura forte, uma boa organização, não temos sucesso, é difícil ter sucesso. Nós temos de ter gente boa ao nosso lado para aprendermos também, porque nós não somos os melhores do mundo; temos de ter conhecimento mas se eu tiver pessoas ao meu lado com outro conhecimento e outra mentalidade é importante, estamos sempre a aprender todos os dias.

Entretanto é chamado outra vez pela Naval.
Que me deve um ano de trabalho. Fui salvar a Naval e podia ter subido de divisão. Tinha uma grande equipa e acabei por nem receber. Cheguei ao ponto de faltarem 10 jogos e tínhamos já uma situação privilegiada, ainda tínhamos aquela ambição de subir de divisão. Disse aos jogadores: "não recebemos mas como eu tenho um prémio de subida, se subirmos eu dou-vos o meu prémio, se eu receber o dinheiro, claro". Nesse ano, quando faltavam 10 jogos, a FIFA obrigou o clube a pagar a vários jogadores brasileiros e foram retirados 12 pontos. Quando acabou o campeonato retiraram mais 5 pontos e mesmo assim a equipa não desceu de divisão. Só que depois a SAD entrou em insolvência, o clube não se inscreveu. Depois fui para o Tondela.

Substituir o Vítor Paneira.
Sim, entrei em novembro. A seguir voltei ao Gil Vicente num ano difícil, com um orçamento baixíssimo, com miúdos. No fim do ano o presidente saiu e saímos todos. E o ano passado [refere-se à época 2018/19) fui salvar o Farense e revolucionar um pouco a mentalidade daquela gente. Fui organizar aquele clube e posso dizer-lhe que foi uma surpresa não ter continuado. Uma surpresa para toda a gente, depois de ter conseguido a manutenção. Porque quando lá cheguei, aquilo estava num momento crítico e consegui construir um grupo bom que criou alicerces para o ano seguinte. Por isso a minha surpresa. Eu próprio disse ao presidente para pensar pela sua cabeça e que não fosse influenciado. Julgo que ele foi influenciado por alguém que não pode andar no futebol português. E criou condições ao treinador que chegou no ano a seguir, para já porque o caminho estava limpo, e foi contratar jogadores para poder fazer uma equipa para subir de divisão.

Depois disso não lhe apareceram mais convites?
Apareceram. Posso dizer que fui burlado por uma pessoa que não merece andar no futebol, não falo o nome, ele se ler a entrevista vai saber muito bem, anda muito nas redes sociais e devia ter respeito pelas pessoas, porque se tem de apontar alguma coisa se tem de falar é na cara. O ano passado estivemos em negociações na Ucrânia, para começarmos em janeiro no Cazaquistão num clube que nos dava condições fantásticas, e em dezembro, depois de termos tratado de toda a documentação, acabamos por ser enrolados, enganados.

Enganados de que forma?
Fomos enganados porque tínhamos tudo preparado para assinar os contratos e passados dois meses dizem que as pessoas do clube nunca mais falaram com os empresários. É mentira. A própria pessoa que nos queria levar para lá enganou-nos. É tudo estranho.

E depois disso?
Depois disso apareceram algumas coisas mas que não me dão garantias de ter sucesso. Uma pessoa como eu, que quer vencer, ganhar e ter sucesso, gosta de ter uma coisa com pernas, com estabilidade. Não posso agarrar um projeto para estar sempre com as calças na mão como se costuma dizer.

Pensa continuar a treinar?
Sem dúvida. Estou à espera, ansioso, e estou triste por não estar a treinar porque mereço estar a trabalhar. Tenho provas mais do que provadas de treinar bem, de liderança, tudo. E os jogadores todos que passam pelas minhas mãos saíram para grandes clubes. Agora, eu tenho uma maneira de ser e de estar de rigor e a disciplina, não é ter mau feitio.

Onde ganhou mais dinheiro?
No Gil Vicente.

Investiu-o em quê ao longo do anos?
Imobiliário e também tive negócios com o meu sogro na área da agricultura.

Tem ou teve superstições?
Benzo-me sempre antes de entrar num jogo. E tenho sempre de fazer o último chichi antes de entrar [risos]. Quando fui adjunto no Benfica, o Moreira, o guarda-redes, vinha sempre ter comigo para me dar um cachaço antes do jogo começar e então eu já sabia e provocava logo a situação de ir ter com ele porque ele tinha aquela superstição [risos].

Qual foi a maior extravagância que fez na vida?
Acho que comprei carros demais. Na altura em que tinha um Renault 5 no início da minha carreira de jogador, como os outros já tinham grandes carros eu quis logo comprar um BMW [risos].

Tem algum outro desporto que goste de seguir, além do futebol?
Hóquei em patins. Adoro. E também gosto muito de futsal.

Hóbis, tem?
Sou muito caseiro. Gosto de estar em casa, gosto de estar com a família. E de vez em quando jantar com uns amigos.

Se não fosse jogador de futebol teria sido o quê?
Tinha tirado um curso em Coimbra, eu era bom aluno, podia ser Economia, Direito...

Na sua carreira qual foi a maior alegria e a maior desilusão?
A maior desilusão foi não ter jogado a segunda mão da final da Taça UEFA, nem a final da Liga dos Campeões em 1990. A maior alegria desportiva foi ter chegado a um clube grande, ser titular, ser campeão e depois representar o nosso país.

Qual a maior amizade que fez no futebol?
Tenho muitas e boas. A maior que tive foi o Camilo, da Académica, que já não está entre nós. Foi uma pessoa importante no início da minha carreira como jogador.

Enquanto treinador qual foi o jogador que mais o surpreendeu? De que não estava à espera de tanto?
O Petit.

Sobre o defeito de nascença que tinha numa mão...
Sobre isso não quero falar. Não vale a pena. Está resolvido."

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