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quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

E O PRÉMIO VAI PARA...

 


"No distante ano de 1930 a FIFA organizou o primeiro Campeonato Mundial de futebol, no Uruguai. José Nasazzi entrou para a história, embora hoje em dia seja um desconhecido (exceptuando historiadores e pesquisadores), ficando para a posteridade como o melhor jogador deste Mundial.
O primeiro Campeonato Mundial de Futsal da FIFA desenrolou-se em 1989, na então Holanda, e logo foram instituídos os prémios “bola de ouro” (Victor Hermans) e “chuteira de ouro” (László Zsadányi). Em 2008 aparece o Prémio FIFA Luva de Ouro para o melhor guarda-redes da prova…
A partir de 2005 a FIFA passa a organizar o Campeonato do Mundo de Futebol de Praia. Também aqui se realça o melhor jogador da prova, tendo nesse ano a escolha recaído no português Madjer.
Em 2009 é instituído o Prémio FIFA Ferenc Puskás destinado a galardoar anualmente o melhor – ou o mais espectacular – golo do ano…
Actualmente os prémios denominados “Bola de Ouro” e “FIFA The Best” são os mais conhecidos no mundo do futebol… Quer sejam atribuídos por jornalistas ou por treinadores e capitães de equipa, sendo certo que os critérios para eleição destes jogadores nunca são divulgados.
A atribuição de todos estes prémios assenta em premissas subjectivas, já que não é possível apresentar dados quantitativos para sustentar os mesmos. Logo, encontram-se longe de constituir consensos, não só entre os elementos que votam, como também entre os votados e o público. Nas semanas seguintes às suas atribuições, a comunicação social possui assunto para dar razão ao “the show must go on”! As pessoas também! Segundo Marc Perelman (1) “o desporto gera um sistema de informação único: o que importa não é o que a imprensa, a rádio ou a televisão dizem sobre o desporto; a mensagem do desporto é o desporto. A ideologia desportiva espalha-se pelo seu próprio canal, sem encontrar a menor resistência.”
O acto de premiar no desporto possui as suas próprias correspondentes na sociedade: desde o prémio em que se liga para um número que passa no rodapé da TV ao Prémio Nobel nas diversas categorias, desde os quadros de mérito nas escolas aos títulos de doutoramento ‘honoris causa’, desde os Óscares aos Emmys… e temos ainda, nos anúncios televisivos, o “eleito o carro do ano” ou o azeite ou a cerveja “premiados com a medalha de ouro”.
Serge Lebovici (2), psiquiatra e psicanalista francês defendia que, pedagogicamente, a recompensa é, tanto como o castigo, uma sanção. O prémio de uns dita a sanção de outros, assim como a vitória de uns dita a derrota de outros. É a base da meritocracia. E, nos dizeres de Daniel Markovits (3), a meritocracia cria elites (repare-se no vértice da pirâmide desportiva) e bloqueia a igualdade (atente-se na base da mesma).
Qualquer recorde, qualquer título, qualquer ‘ranking’ desportivo revela uma existência finita, ou por se ter esgotado no tempo (há campeonatos nacionais todos os anos, europeus de dois em dois anos, e campeonatos mundiais e J. O. quadrienalmente) e se reproduzir (recomeço de uma nova competição), ou porque o recorde pode ser ultrapassado, o título conquistado por outro ou a hierarquia ou a classificação ser alterável. Como diz Jean-Marie Brohm (4) “o sistema desportivo é uma imensa máquina de produzir o precário, o efémero, o transitório. Nada permanece definitivo nessa rotação acelerada de ciclos competitivos, "heróis", modas, modismos.”
O desporto pressupõe de início a existência de condições de igualdade (pressupõe porque essas condições são ilusórias) finalizando com uma hierarquização que não é mais do que um conjunto de condições de desigualdade. A intenção de cada desportista, ao desejar ser um vencedor, acaba por ser, por consequência, um produtor de derrotados (5).
Com efeito, o desporto produz uma inegualdade de ‘status’, isto é, o princípio de toda a prática desportiva é com efeito discriminar os competidores através de uma classificação (6).
No corrente ano a FIFA chegou ao ponto de criar um prémio especial, atribuído a Cristiano Ronaldo por ser o jogador com maior número de golos por seleções nacionais, após ter ultrapassado Ali Daei que detinha há vários anos a marca de 109 golos – este sim, um prémio atribuído com parâmetros objectivos. Mas, mais um… e especial…
Qual a função de um prémio? Em relação a quem o recebe, tanto pode servir para o mesmo se sentir realizado (os humildes assim o encararão) como pode servir para alimentar o seu ‘ego’ ou aumentar o seu ‘status’.
O endeusamento de heróis é um fenómeno necessário ao desporto e à sociedade. São realçadas as características técnicas do desportista, as suas ‘performances’, as suas exibições, as suas vitórias e os seus recordes por uma questão económica e por uma questão de identificação. Os prémios a isso ajudam. E até o herói se endeusa a si próprio. Mostraram-no não só Pelé (“Nunca haverá outro Pelé. Eu nasci para o futebol como Beethoven para a música e Miguel Ângelo para a pintura.”), Mike Tyson (“Sou uma celebridade!”), LeBron James (“Sou como um super-herói. Chamem-me Homem-Basquetebol.”) mas também Cristiano Ronaldo, (“Sou rico, bonito e um grande jogador.”) e ainda Usain Bolt (“Agora podem parar de falar. Sou uma lenda viva.”) – e todos eles receberam os mais variados prémios.
Em relação à entidade promotora o jogador é sempre “galardoado com o prémio”, o “prémio é concedido a”, “atribuído a” ou ainda “conferido a”. O jogador é “distinguido com” ou “consagrado como”… Nunca se enuncia a atribuição do prémio como se fosse algo conquistado, alcançado ou perseguido pelo jogador. Assim, a organização que atribui o prémio autopromove-se e publicita-se sempre em detrimento do jogador (não se atribui o prémio sem o respectivo retorno), pormenor ínfimo, mas de peso, que passa despercebido.
Vivemos numa sociedade de prémios. Prémios para insuflar ‘egos’, para entreter incautos e para promover beneméritos."

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