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quinta-feira, 17 de março de 2022

BENFICA HALLER, HALLER!

 


"Um Benfica preparado para jogar a três tempos (mas que na realidade só conseguiu jogar a dois) alcançou na Johan Cruyff Arena o que a maioria achava impossível. Com uma organização defensiva que impediu o Ajax de finalizações limpas (facto crucial no desfecho desta partida e da eliminatória) e com superioridade nas bolas paradas, o Benfica não chegou a precisar das transições ofensivas que também levava no plano para Amsterdão. Contra um adversário que monopoliza a bola – e que mesmo apesar da eliminação é uma das melhores equipas europeias nesse processo – as águias baixaram linhas e juntaram à linha de quatro (Gilberto, Otamendi, Verthongen e Grimaldo) adições importantes para controlarem o jogo ofensivo de Ten Hag. Se Weigl foi importante a preencher o espaço à frente dessa linha, o alemão foi também preponderante a perceber quando tinha de fechar entre os centrais: facto que ajudou imenso a que um Ajax que chegava à área do Benfica com relativa facilidade nunca tivesse espaço para aquelas finalizações de encostar que são imagem de marca desta equipa. Assim, com Weigl a perceber muito bem essas funções, Veríssimo incluiu-lhe ainda duas adições importantes: Taraabt (na 1.ª parte, Meité na 2.ª) e Everton ficaram a cargo de acompanhar Gravenbach (que teve Adel como companhia para ir ao WC se fosse necessário) e Mazraoui (que viu Everton sempre de muito perto). Um médio para um médio, um ala para um lateral. Tudo para que o Ajax não encontrasse o espaço que tanto gosta para criar superioridades que lhes dão aquelas finalizações que parecem fáceis. E o plano acabaria por resultar porque o Ajax, apesar do controle inegável com bola, ia sendo fustigado mentalmente.

E resultou, também tacticamente, porque o Benfica cedo abandonou o sonho de incluir a organização ofensiva no plano. E fazendo-o, pragmaticamente, nunca desmanchou as linhas que, minuto a minuto, iam frustrando um Ajax que só encontrava caminhos por fora do bloco. E com o Benfica a aguentar em 4+3 ou em 5+4 (consoante a posição da bola) as tentativas (atrás de tentativas) para encontrar o lado de fora de Grimaldo ou Gilberto viram-se goradas, levando o Benfica até à machadada final, algo que os ingleses gostam de chamar de sucker punch (murro à má-fé ou à traição). Para isso contou o Benfica com uma superioridade inegável que já vinha da primeira mão. As bolas paradas, pontapés-de-canto na sua maioria, mostravam as dificuldades que os esquemas tácticos encerram para os neerlandeses, e o Benfica, aguentando cada vez mais facilmente (beneficiando de um Ajax cada vez mais frustrado por não encontrar os caminhos que tanto gosta) acabou por beneficiar de um erro não-forçado de Onana para ver Darwin carimbar a passagem para os quartos. Algo que nos remete para os favoritismos das antevisões e para o risco que é apostar-se sem se saber quais as reações dos jogadores a adversidades que não estão habituados. E se o Ajax é, normalmente, uma das equipas europeias que trata melhor a bola, também, no alto dessa superioridade, se deixou frustrar cedo demais por um Benfica altamente estratégico e pragmático. E prova disso foi uma organização ofensiva de excelência a entrar num declínio evidente a partir dos 60 minutos.

Raio de ação de Weigl, Taraabt e Everton muito importante para controlar investidas interiores de Gravenbach, Berghuis e Mazraoui. Movimentos que nessa perseguição individual muitas das vezes se juntavam aos do quarteto defensivo
Bola atrasada de Gravenbach para Blind (assinalada a amarelo) e a linha defensiva do Benfica a responder bastante bem, subindo em conjunto e deixando Tadic adiantado – numa daquelas situações que dá finalizações limpas e de encostar a Haller – que desta vez viu o golo ser anulado pelo offside do colega.
Lado exterior da linha defensiva do Benfica foi sempre uma meta para o Ajax. E ainda que os neerlandeses o encontrassem várias vezes ao longo do jogo, as finalizações nunca foram declaradamente simples como é costume. Mérito do Benfica na organização, algum demérito do Ajax no discernimento

Assim, tal como na Luz (mas por outras razões) o Ajax, que tantos elogios merece, foi-se deixando banalizar num corrupio de erros que normalmente não acontecem. E não acontecem porque o cenário que essa excelência constrói dá aquela tranquilidade e desapego que criam vantagens (e golos) fundamentais para não se perder o discernimento. E uma das maiores vitórias do Benfica (que levou à enorme vitória de chegar aos quartos-de-final da Champions) foi a de colocar, primeiro, a dúvida ao Ajax. E onde entra a dúvida, há medo. Onde há medo há intranquilidade (bem patente nas finalizações nada limpas e depois até na construção e criação), e isso é o suficiente para, com mérito do Benfica, se vencer uma das mais interessantes equipas da Europa fazendo uso de apenas dois tempos: organização defensiva e bolas paradas. Fica a sensação (e a lição) que os elogios ao Ajax (nos quais me incluo com um extremo apreciador do jogo de Ten Hag) foram precoces. Isto porque a maturidade emocional (até de um técnico que demorou imenso a mexer, fazendo até uma substituição a segundos do jogo acabar(?)), é altamente decisiva quando se aponta a grandes feitos na Liga dos Campeões. Aquele jogo fazia sonhar. Mas para que o sonho se conjugue com a realidade é preciso certeza mesmo em adversidade. E o grande mérito do Benfica foi tirar as certezas ao Ajax e aproveitar o melhor que o jogo lhes daria a partir daí. Ok, foi só uma bola parada e pouco mais. Chegou. E o facto de ter chegado (sem oportunidades fáceis para o Ajax) deixa mais perguntas aos favoritos que ao outsider – especialmente nas reações emocionais ao que o jogo ia dando, dando a sensação que um City, um Liverpool, um Chelsea ou um Bayern não cederiam tão facilmente a essa frustração que tolda a mente e as decisões. O Ajax continuará assim o seu caminho com mais uma lição para aprender, algo que é perfeitamente normal para uma equipa tão jovem e em constante remodelação. O Benfica seguirá o seu sonho e continuará à procura do melhor que o jogo tiver para lhe dar.

Ajax-Benfica*, 0-1 (2-3) (Darwin 77′)


Ajax, como dito, teve jogo interior condicionado pelo Benfica. Procurou fora, com muitas situações de cruzamento onde pretendeu quase sempre chegar ao tal lado de fora dos laterais do Benfica. Organização ofensiva sublime que, ainda assim, foi-se deteriorando ao ritmo da frustração pelo golo que não chegava – muito por culpa do controle que o Benfica exerceu no último terço. Ainda assim, apesar da derrota este foi um Ajax incrivelmente bem sucedido a evitar as transições que na Luz lhe causaram imensos problemas. Faltou clarividência, lucidez e até alguma coragem. E o Benfica que foi o causador dessa dúvida aproveitou e bem o que o jogo lhe deu."

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