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sábado, 5 de novembro de 2022

AS SETE MARAVILHAS DE HERR SCHMIDT


"'Quem gosta de futebol, gosta do Benfica', proclamava aquele alemão quase desconhecido à chegada a Portugal, ainda bronzeado pelos primeiros dias de férias de um verão cheio de promessas - e ainda por chegar.
Não iria tão longe, mas admito que pouco mudaria nessa sentença em forma de gutten tag atirada por herr Schmidt nos idos de maio.
Quem gosta de futebol, gosta deste Benfica 2022/23. Parece-me mais rigoroso. Na verdade, sinto que estes elogios são os mais fáceis que jamais tive de escrever no Campo Pelado.
Dizer bem do Benfica de Roger Schmidt seria, aliás, um bom exercício acertado para o velho La Palice, tão óbvia é a evolução das águias relativamente aos anos anteriores.
Começaria por aí: quem vê este grande Benfica em campo, a querer sempre mais um bocadinho, dificilmente recordará o lodaçal deixado na Luz pelo anterior presidente e, já agora, pelo treinador que tem mais amor próprio do que o mais colorido dos pavões.
Roger Schmidt alterou radicalmente a disposição do Benfica e dos benfiquistas, escolheu bem o plantel e teve a coragem de recuperar jogadores que pareciam perdidos no entra e sai, no vai e vem de empréstimos mais ou menos inúteis.
São muitos os méritos do germânico, desde a postura de profunda correção até à opção de libertar-se da insuportável gestualidade que acompanha os treinadores torturados pela ansiedade. O olhar insondável de Schmidt dá aos jogadores uma segurança paternal.
Esta é a hora certa para os elogios. O Benfica passou em Turim, em Paris, no Dragão, recusou em Haifa o muro das lamentações e chega a novembro com uma saúde que já não me lembrava de ver para aquelas bandas.
Sorte? A sorte é um estado de ânimo. Acredito, ainda assim, que a maior diferença está na forma de como essa sorte/estado de graça é desfrutado. Schmidt opta por sorrir com contenção porque sabe qual é o caminho que pretende seguir. Conhece-o como às palmas das suas mãos.
Vamos às Sete Maravilhas do treinador alemão que Rui Costa foi resgatar a Eindhoven.
Vlachodimos: o internacional grego está a fazer uma época perfeita, isenta de erros, depois de mais um verão a ler que a porta de saída é serventia da casa. Mérito da confiança passada pela equipa técnica desde o início.
Grimaldo: acabou a época passada em desgraça, com o adeus mais do que certo e de hora marcada. Contra todos os prognósticos, Roger Schmidt não abdicou do espanhol e Grimaldo está a viver os melhores momentos de águia ao peito – além disso, tornou-se mortífero na marcação de bolas paradas.
Florentino: não era fácil, nem lógico, apostar com tanta veemência num médio que passou por experiências apenas razoáveis no Mónaco e no Getafe. Schmidt descobriu em Tino o que JJ nunca teve capacidade para ver.
Enzo Fernández: aqui o mérito tem de ser repartido entre o treinador e os elementos da estrutura que identificaram o melhor médio argentino da sua geração. De qualquer forma, Schmidt tem sabido capitalizar a qualidade excelsa do ex-River.
Rafa Silva: o futebol é um mundo de paradoxos e o avançado abdicou da Seleção Nacional na época em que trabalha com o treinador que melhor o percebeu. Rafa tem um feitio peculiar e Roger teve a inteligência necessária para descodificá-lo.
João Mário: o médio que não vivia os jogos, que corria menos do que os outros e que passou a segunda metade da época passada no banco de suplentes é, provavelmente, o elo mais importante na cadeia de escolhas de Roger Schmidt. Viram a forma como festejou o sexto golo em Israel? Schmidt mexeu com as emoções do centrocampista que não parecia ter o coração no sítio certo.
David Neres: outro craque que não parecia encontrar prazer na exigência da competição. Leva seis golos e sete assistências numa época em que está a provar ter pedigree para voltar à seleção do Brasil.

PS: esta é uma excelente época para Benfica e FC Porto sonharem com grandes feitos na Liga dos Campeões. Schmidt e Conceição têm a coragem necessária para pontapear os milhões dos outros e de nivelarem o campo contra qualquer adversário. Há provas evidentes expostas ao longo das últimas semanas. Equipas inacessíveis? Talvez o ManCity, talvez o Bayern, talvez o Real Madrid, talvez nenhuma delas."

Pedro Jorge da Cunha, in ZeroZero 

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