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domingo, 1 de janeiro de 2023

FUTEBOLÊS - C

 


"“Construção” de uma fase só

Há uma terminologia do futebol moderno que me remete sempre para Chico Buarque.
Quando os jogadores estão na “primeira fase de construção” eu recordo e corrompo o verso inicial em “a(r)mou daquela vez, como se fosse a última”. Quando eles passam à fase de criação, que para mim continua a ser de “construção”, cantarolo “atravessou a rua com seu passo tímido, subiu a construção como se fosse máquina”.
E finalmente quando chega à terceira fase, a da finalização - por que não “construção” final? - ou embalo na festa de “dançou e gargalhou como se ouvisse música” se der em golo ou, na maioria das vezes, caio no desespero de “tropeçar no céu como se fosse um bêbado”, por cada oportunidade desperdiçada.
“Construção” é o paradigma do futebol moderno, que transformou um jogo de pintores do belo em trolhas do passe e repasse, autênticos autómatos das “periodizações tácticas”, das “alternâncias horizontais” ou das “progressões complexas”, algumas das teorias assassinas do desporto canalha de que a gente gostava.
“Ergueu no patamar quatro paredes sólidas, tijolo com tijolo num desenho lógico”. O futebol deixou de ser obra de grandes armadores de toques e truques saídos dos becos e dos quintais e passou a ser coisa de construtores e empreiteiros de autênticos condomínios-mamarracho, cheios de regras, circuitos e proibições, para “não estragar a relva”.
Na contracorrente de uma sociedade que tanto valoriza o “gourmet”, o nosso futebol tem-se transformado num repetitivo “comer feijão com arroz como se fosse o máximo”, ainda que por vezes apaladado por um qualquer jogador rebelde com momentos, apenas momentos fugazes e raros, fora da receita. Voltemos à “primeira fase”.
Se nos ativermos a inquestionáveis teorizadores do futebol, como Carlos Queiroz (1983), elas seriam apenas duas, a fase ofensiva ou a defensiva, consoante a equipa possua a bola ou não. Mas em académicos mais jovens, como Gabriel Silva (2008) já encontramos quatro momentos (transição ofensiva, organização ofensiva, transição defensiva e organização defensiva), que, como os mosqueteiros, segundo Jorge Jesus (2020), afinal são cinco, juntando-lhe as bolas paradas. Confusos?
A primeira fase de construção é, pois, um albergue espanhol onde todos cabem, desde o guarda-redes, que “sai a jogar”, ao último passador para a finalização: ou o passe decisivo não contará também como construção de um golo, que é, efetivamente, o edifício acabado?
E é assim que, depois de muito investigar, não consegui encontrar sequer vestígios da segunda fase de construção, muito menos da terceira. Talvez os teóricos que inventaram esta parte, também descritas como momentos ou etapas, ainda não tenham chegado a conclusões sobre onde acaba o primeiro e começa o segundo e assim sucessivamente, de forma a tornar o jogo de futebol tão sugestivo como as quatro partes da poesia - verso, estrofe, rima e métrica. Ou tão arrebatador como as três fases de um conto prosaico: inicio, nó, desenlace.
Poesia brasileira ou prosa europeia, rua ou laboratório, liberdade ou sistematização, como também cantou Chico em “O Futebol”:
“Para aplicar uma firula exacta, que pintor?
Para emplacar em que pinacoteca, nega?
Pintura mais fundamental que um chute a gol
Com precisão de flecha e folha seca”
Portanto, começámos pela primeira fase e agora? Alguém me ajude a descobrir e entender a segunda fase da construção, antes de “morrer na contramão, atrapalhando o público”!

Foto WorldPress (Chico Buarque com Coluna e Eusébio)

A Seguir: D - Duplo pivô"

João Querido Manha, in Facebook

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