"Torres não convencia à primeira vista, mas dentro de campo demonstrou que o talento tem pouco que ver com simetria
'Não se deve julgar o livro pela capa'. É, provavelmente, o provérbio mais repetido, mas possivelmente o menos repercutido. O futebol não é exceção. À chegada de um novo jogador, desconhecido da mairia dos adeptos, a sua aparência é analisada ao pormenor como se daí fosse possível apurar as qualidades. Coluna foi um desses casos, mal desembarcou em Lisboa, 'tem todo o ar de verdadeiro crack (...), mede 1 metro e 73 cm e pesa 68 quilos. Não há dúvida: fisicamente, o novo n.º 9 dos encarnados é bem proporcionado'.
Se no caso do moçambicano a avaliação foi positiva, em relação a José Torres a primeira impressão era completamente oposta. A disputar um lugar, o de avançado, em que se privilegiam características como velocidade, agilidade e técnica, o seu perfil - esguio e com 1,98m - à primeira vista não se enquadrava.
No Benfica desde 1959, as primeiras épocas de águia ao peito foram à sombra de José Águas, não participando nas brilhantes campanhas europeias em que os benfiquistas se sagraram bicampeões. A partir da temporada 1962/63, ganhou protagonismo, assumiu-se como titular e alterou a opinião dos críticos. As suas boas exibições mereceram a chamada à seleção nacional, realizando o primeiro jogo pela equipa das quinas frente à Bulgária, em 23 de janeiro de 1963.
Passou a ser presença assídua nas convocatórias de Portugal a partir do apuramento para o Campeonato do Mundo de 1966 e foi peça-chave na excelente campanha lusa. A seleção chegou à penúltima jornada a precisar de apenas um ponto para alcançar, pela primeira vez, a fase final da competição. No Estádio das Antas, perante o vice-campeão do mundo, a Checoslováquia, Torres demonstrou que a importância de um avançado não se limita ao número de golos. Eleito o melhor jogador em campo no empate a zero, recebeu rasgados elogios por parte da imprensa: 'tendo lutado, de princípio a fim do decisivo e sensacional encontro com os checos, com uma energia e uma generosidade que o tornaram indomável'; a sua acção refletiu-se em tudo quanto de bom fez o onze'.
No Campeonato do Mundo, os portugueses surpreenderam e deixaram o mundo do futebol rendido, num percurso que parecia destinado ao título, interrompido só pela equipa da casa, a Inglaterra. Derrotados nas meias-finais, os lusos defrontaram a URSS no jogo de atribuição do 3.º e 4.º lugar. Torres voltou a ter uma prestação fantástica, ganhou o penálti que permitiu a Eusébio dar vantagem a Portugal e, a dois minutos do final, com os equipas empatadas a uma bola, o avançado garantiu o triunfo num remate em habilidade.
A sua excelente prestação ficou patente na votação para melhor jogador europeu do ano, ao ser o 2.º melhor português nessa lista, classificando-se em 10.º lugar. Aparentemente descoordenado, Torres provou que o seu talento extravasava as medidas, alcançando o estatuto de classe mundial.
Saiba mais sobre a carreira deste fenomenal avançado na área 23 - Inesquecíveis do Museu Benfica - Cosme Damião."
António Pinto, in O Benfica
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