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terça-feira, 12 de setembro de 2023

SACO DE GATOS



 Estes últimos abalos no ‘universo FC Porto’ são apenas novas cenas de alguns velhos capítulos

QUANDO em agosto do ano passado, o FC Porto perdeu em Vila do Conde, com o Rio Ave, por 1-3, já o presidente da Câmara Municipal do Porto, fervoroso adepto portista e vice-presidente do Conselho Superior dos dragões, não se conteve e apesar de ter sido num domínio fechado de uma rede social, nunca desmentiu ter criticado duramente jogadores e acusado o clube de ter a «equipa técnica mais cara da Liga». Agora, um ano depois, Rui Moreira volta a fazer do treinador do FC Porto o alvo de críticas ainda mais duras, de novo em mensagens escritas em ‘circuito fechado’ de uma rede social, que ele próprio admite terem sido tornadas públicas por alguém que não identifica.
Rui Moreira será, porém, apenas a face mais visível de uma atmosfera crítica que vai, aqui e ali, rodeando o técnico portista, e depois do que sucedeu em agosto de 2022, as opiniões do autarca portuense agora tornadas públicas não podem deixar de ser vistas como ‘muito violentas’, num clube há muito habituado a não viver contestações e muito menos a ver questionadas as opções e as estratégias do presidente, que sempre assumiu (como ainda esta semana) a responsabilidade única por ter escolhido o treinador que escolheu. Mas não foi sempre assim?
RUI MOREIRA não podia ter sido mais contundente: «Temos um treinador falhado», foi a síntese escolhida pelo autarca do Porto para atacar, violentamente, como se percebe, o homem que o presidente portista escolheu há seis anos para conduzir a equipa de futebol azul e branca.
«(…) Continua tudo cego. Culpam a SAD, os jogadores, os árbitros, o VAR, até o apanha-bolas, o antijogo dos adversários... Ninguém vê o óbvio. Temos um treinador falhado. Agradeçamos o passado e ‘xau’ que se faz tarde. Porque com ele não vamos lá. E não tem fair-play», escreveu ainda o dirigente autárquico do Porto, até há relativamente pouco tempo, homem da ‘esfera de influências’ do presidente portista. Como se não bastasse, ainda chamou, imagine-se, «Mini» a Francisco Conceição, filho do treinador, agora regressado, por empréstimo, a casa, após um ano de Ajax.
Rui Moreira sempre pareceu, na verdade, homem ao lado do presidente portista. E nunca escondeu a satisfação por ter aberto de novo as portas da câmara ao FC Porto para a celebração de títulos, que se mantiveram fechadas durante 12 anos por Rui Rio, o anterior líder camarário. Também por isso, evidentemente, o líder do FC Porto não deixou de tecer os maiores elogios ao trabalho do atual líder camarário. Amor com amor se paga.
O problema, como se vè, ganha dimensão, como diz o povo, sempre que se ‘zangam as comadres’.
OUTRO conhecido adepto dos dragões (líder da principal claque do clube e a quem os responsáveis azuis e brancos dão, na realidade, como o provam os factos, evidente importância) saiu, entretanto, em defesa do treinador contra o presidente da câmara da cidade, acusando Rui Moreira num muito interessante ping-pong, a fazer lembrar a expressão popular de ‘em casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão’.
«Falhado é o presidente da Câmara arguido num processo de corrupção. Vergonha é ser eleito pelos sócios e não comparecer nas reuniões do Conselho [Superior]», escreveu, na conta pessoal de uma outra rede social, o líder dos Super Dragões. Ataques e contra-ataques impressionantes.
Talvez o essencial do problema tenha precisamente a ver com a ‘falta de pão’ num clube que atravessa (isso parece-me suficientemente claro) uma das mais graves crises financeiras da sua longa história, com evidente reflexo na política desportiva.
PODE a hipocrisia ter várias faces? Pode. E não deixa, na verdade, de ser absolutamente curioso (para não dizer outra coisa) que o conhecido adepto dos dragões que tão fervorosamente defende agora o comandante da equipa portista seja, afinal, o mesmo que há pouco mais de um ano, perante a transferência do jovem Francisco Conceição para o Ajax, se ‘atirou’ ao treinador (e pai do jogador), atingindo-o, até, no caráter. E não foi o primeiro ataque.
Convidado habitual para as galas dos Dragões de Ouro ou para jantares de especiais comemorações (como o dos 40 anos de presidência do líder do clube) o chefe da principal claque portista é, há muito tempo, alguém a quem a liderança do FC Porto reconhece importância, influência, impacto, peso e voz no universo do clube. Não é visto, pois, como um adepto comum, e são os dirigentes portistas (e não os jornalistas) que fazem dele um adepto especial e destacado, apesar de recentes informações o darem de costas voltadas para o presidente.
TODOS os adeptos dos clubes, seja Rui Moreira (apesar de toda a responsabilidade institucional), seja o líder de uma claque (mesmo com toda a relevância que os dirigentes do clube lhe reconhecem), têm o direito de se manifestar sobre tudo o que diz respeito à vida do emblema que seguem e apoiam.
Mas ver-se, como se viu há coisa de um ano, o chefe da claque portista, o tal rosto tão promovido pela própria governação do clube, expor nas redes sociais ataques pessoais ao treinador (a propósito da saída de Francisco Conceição para o Ajax) não pode ser visto propriamente como normal. Assim como não é normal ver-se um líder político como Rui Moreira, destacado membro do Conselho Superior do FC Porto, desferir tão ‘violentos ataques’ especialmente à figura do técnico portista, mas também de jogadores.
A liberdade de opinião é, evidentemente, um direito em democracia. Mas algumas têm mais consequências do que outras. E criam mais impacto. E feridas.
HÁ um ano, quando Francisco Conceição deixou o FC Porto, as águas agitaram-se. Mas não foi também a primeira vez que o líder dos Super Dragões se manifestou contra o treinador, tal como sucedeu agora com o presidente da Câmara do Porto.
Talvez já ninguém se lembre, mas foi também em Vila do Conde, em abril de 2019, que o FC Porto viveu um agressivo e marcante episódio com a claque, quando o líder dos Super Dragões comandou manifestação, na bancada, contra a equipa e treinador, após um empate, 2-2, com o Rio Ave, já na parte final do campeonato que o FC Porto viria a perder para o Benfica, depois de desperdiçar a vantagem de sete pontos que tinha no final da 1.ª volta desse campeonato.
Naquela noite, o líder da claque tirou a camisola e atirou-a para o relvado em sinal de veemente e agressivo protesto, e quando a equipa se aproximou da bancada, deu ordem para que nenhum elemento da claque a aplaudisse.
O pior da instável relação surgiu, porém, uns meses depois (novembro de 2019) quando se deu o episódio da ‘festa da mulher de Uribe’ (lembra-se, leitor?), que levou então ao afastamento de uma convocatória dos sul-americanos Uribe, Saravia, Marchesín e Luís Diaz, e em janeiro de 2020, após a derrota (1-2), no Dragão, com o SC Braga, os lenços brancos dos Super Dragões (mas não só) levaram o treinador a não se conter diante dos jornalistas.
O que desabafou então o treinador portista: «Quando ganho, batem palmas, quando perco assobiam e mostram lenços. Os lenços brancos, esses, utilizo-os para me assoar ou para limpar o suor do meu trabalho (…) Não me condicionam.»
DIAS depois, o SC Braga voltou a ser a ‘besta’ do dragão, batendo os portistas (ainda em janeiro de 2020) na final da Taça da Liga, e entre um e outro jogo, o líder dos Super Dragões disse, numa entrevista, que o treinador do FC Porto era «o principal responsável pelos maus resultados.»
«Só Pinto da Costa é intocável no clube», afirmou na altura o líder da principal claque. «[O treinador] tem de sentir que não é ele que manda ali, ele não é o Porto. O Porto somos nós», sublinhou.
Pelo que se vai percebendo por todos estes significativos exemplos, o FC Porto (ou o universo Porto, como a elite do clube gosta de lhe chamar) já não é o que era.
Ninguém acredita que se chegue a tanto, mas depois destes últimos episódios, só falta mesmo vermos um dia alguns portistas terem a coragem de excomungar na praça pública o papa azul e branco.
Era o fim!

João Bonzinho, in a Bola

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