"Como um miúdo como João Neves pode fazer tão bem ao futebol
Não vemos um treino do jovem João Neves nem como ele, habitualmente, é no dia a dia. Mas não é difícil imaginar o quadro descrito pelo treinador que o lançou no Benfica. Na verdade, por mais ferozes que sejam os ataques ao futebol com o dinheiro da Arábia Saudita, por mais surpreendentes, e ridículas, que sejam as decisões da FIFA de nem querer saber dos jogadores na hora de entregar, dentro de sete anos, um Campeonato do Mundo a países de três continentes, ainda há razões para acreditarmos que o futebol vai a tempo de sobreviver pelo amor de alguns jogadores e pela paixão de muitos adeptos.
«Ele [João Neves] está sempre feliz, mesmo quando não é chamado», disse, sorrindo, Roger Schmidt, a propósito da convocação do jovem do Benfica para a Seleção Nacional. «Quando calça as chuteiras e toca na bola num relvado, está sempre feliz, ama muito o futebol», completou o treinador alemão, responsável, na realidade, pela ascensão de João Neves à equipa principal do Benfica, à Liga dos Campeões e, portanto, ao topo do futebol.
Para Schmidt, João Neves (tal como António Silva) é um exemplo. Creio que vale a pena determo-nos nas palavras de Schmidt sobre os dois: «Estão a jogar bem, têm boa atitude, a mentalidade certa, sempre focados na equipa, assumem muita responsabilidade, trabalham muito. E ainda assim, humildes, não pensam que são os melhores.»
Depois de quase ter julgado que era uma piada, tive, entretanto, tempo de digerir a inacreditável decisão da FIFA de tornar o Campeonato do Mundo de 2030 uma exploração financeira de países de três continentes, levando jogos para palcos tão distantes como os da América do Sul (Uruguai, Argentina e Paraguai) e Europa/África (Portugal, Espanha e Marrocos), esticando a competição por quase dois meses sem a mínima preocupação de cuidar dos interesses (e da opinião) dos artistas que fazem o espetáculo, continuando a alimentar, assim, a ideia de que a poderosa indústria explora até ao tutano os atletas porque os compra por bom dinheiro.
Julgava eu que tinha sido suficientemente revelador e inadequado o sonho de Michel Platini (assumido há uma década enquanto presidente da UEFA) de fazer com que a edição de 2020 (que a pandemia levou para 2021) do Campeonato da Europa acabasse por ser jogada, como foi, sublinho, em 11 cidades de 11 países.
Salva-nos a inocência e a pureza de jogadores como João Neves, um fenómeno a vários níveis e um exemplo de paixão autêntica que parece ter pelo clube que defende, mas sobretudo pelo jogo, que olha para o futebol sem a maldade ou a manha dos rufias e maus rapazes, por saber que não precisa disso para competir ou tentar ganhar. Por mais dinheiro que lhe injetem, na hora do jogo o futebol não é mais do que a comunhão de ideais, entre equipas, jogadores e adeptos, ou de cada um com as respetivas paixões e emoções. Se o forem destruindo a favor da exploração, do dinheiro e do poder, talvez dentro de algumas décadas choremos de desilusão.
Exemplos como o de João Neves (o miúdo, ele não me levará a mal a linguagem, tem mesmo ar de ser realmente especial…) fazem-nos, porém, acreditar que nada está, afinal, irremediavelmente perdido. Falo de João Neves por ser a mais jovem pérola a deixar a ostra, mas também pela lição de integridade que já nos deixa. No nosso contexto, posso, felizmente, falar de outros exemplos que já chegaram também ao topo como António Silva, Gonçalo Inácio, Diogo Dalot, Vitinha, Rafael Leão... que se foram juntando a nomes como os de Bernardo Silva, Rúben Neves, João Palhinha, João Félix, Gonçalo Guedes, entre outros, todos ainda jovens jogadores e boas referências do jogo, que se divertem sem se imporem pela falta de respeito ao adversário ou ao público ou pela ideia de que para se ganhar é preciso desafiar a integridade e a ética da competição.
Os fins não justificam todos os meios. São, pois, jogadores como João Neves que fazem verdadeiramente bem ao futebol, e é neles que devemos pôr os olhos se queremos, também, fazer a nossa parte."
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