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segunda-feira, 25 de dezembro de 2023

O LEÃO CONTA!

 


"Rúben Amorim sabe que no futebol o mais difícil é criar o hábito de ganhar

Quando, na tarde de 1 de julho de 2015, Jorge Jesus foi apresentado no Sporting, o discurso do treinador ficou marcado sobretudo pela frase: «A partir de hoje, não há só dois candidatos ao título; a partir de hoje, há três candidatos ao título!» Jorge Jesus vinha de seis anos consecutivos no Benfica e estava habituado a olhar para o Sporting como um rival, sim, mas não como um competidor direto, porque nesses seis anos o grande competidor com o Benfica foi sempre o FC Porto e por isso os dois clubes dividiram em partes iguais, nesse período, os títulos de campeão nacional.
Jesus esteve três anos como treinador do Sporting e é verdade que não chegou a ser campeão como tanto queria e tão perto chegou a estar (e merecia) na primeira época, 2015/16, quando viu a equipa leonina terminar o campeonato a dois escassos pontos do campeão Benfica. Apesar do insucesso na Liga, ninguém pode ignorar que o Sporting pareceu realmente ressuscitar com Jesus.
Já antes, o clube vivera alguns anos de bom futebol, com equipas magníficas, treinadores competentes e entusiastas e jogadores brilhantes, mas sobretudo pela instabilidade permanente — relações quase sempre muito conflituosas entre adeptos e dirigentes e quase sempre muito impacto negativo gerado pela existência de várias fações e sensibilidades no universo leonino —, raros objetivos foram alcançados.
O hábito pareceu criar então um monge destinado a perder o comboio de uma competição que foi sendo muito dominada pelo FC Porto, em primeiro lugar, e depois, já na última década, pelo Benfica.
A chegada de Jesus a Alvalade criou um terramoto no futebol nacional. Já outros acontecimentos tinham abalado a esfera dos dois grandes rivais de Lisboa (e nem vale a pena recordá-los e muito menos enumerá-los), mas creio que nenhum provocou sismo tão forte como o gerado pela passagem de Jorge Jesus, então o treinador bicampeão nacional, da Luz para Alvalade.
Em 2015, Jesus fechou assim um profundamente marcante ciclo de seis épocas no Benfica, onde na verdade, convenhamos, foi também decisivo para devolver à águia a aura de campeã e a capacidade de discutir os títulos (entre 1994 e 2010, os encarnados tinham sido apenas uma vez campeões, em 2004) e apostou em conseguir fazer o mesmo no Sporting.
Pouco lhe importava verdadeiramente a cor, porque Jesus é, como bem sabemos, o profissional de eleição que é, mas no Sporting todos sentiam que Jesus tinha finalmente chegado ao clube do coração e poderia, por fim, prestar homenagem ao grande sportinguista (e jogador leonino) que fora seu pai.
A frase «a partir de hoje há três candidatos ao título» ficou tão gravada na memória dos sportinguistas que naquela primeira época voltou a ver-se em Alvalade o entusiasmo e a paixão que há muito não se via. Não foi suficiente para ganhar o título. Mas deixou, creio, uma semente importante.
O que veio a suceder no Sporting até à eleição de Frederico Varandas e à chegada de Rúben Amorim é história. O mais importante, agora, é reter a dinâmica que o clube voltou a saber aproveitar. O título de campeão em 2021 veio apenas confirmar como o leão conta, de novo, nas discussões dos títulos, e de tal forma conta que hoje, praticamente a meio deste campeonato (e quando à partida para a Liga 2023/24 parecia visto como condenado a estar fora das principais batalhas), é o líder isolado e é reconhecido por muitos observadores e analistas como a equipa que melhor futebol tem jogado na época, a par, talvez, de um SC Braga que continua a crescer muito como equipa competitiva, à espera de conseguir crescer também como potencial candidato ao trono do futebol nacional.
O leão conta. E conta, como se tem visto, não apenas para incomodar a habitual luta entre Benfica e FC Porto, mas para se envolver nela, porque já bem lhe chega que nos últimos 15 campeonatos o FC Porto tenha ganho sete, o Benfica outros sete e o leão apenas um.
Saberá Rúben Amorim (em Alvalade, saberá provavelmente melhor do que ninguém) o quanto será difícil conseguir inverter uma tendência que se tornou histórica no futebol português. E sabe o jovem treinador leonino, desde logo, como seria fundamental não ficar excessivamente exultante por ter chegado, em 2021, ao primeiro título de campeão em 19 anos. O Sporting não pode só ganhar; o Sporting tem de se habituar a ganhar.
É um bocadinho como Rúben Amorim, sobre um dos seus jogadores (o jovem Eduardo Quaresma), afirmava no final do clássico da última segunda-feira com o FC Porto: «Um jogador de talento pode sempre fazer um grande jogo; o problema é depois, nos jogos seguintes.»
Ou seja, o que Amorim me pareceu ter querido dizer é que o melhor jogador não é o que faz um grande jogo; o melhor jogador é o que faz vários jogos bons. O que pode nunca ser brilhante, mas o que nunca deixa ficar mal a equipa.
Ora o Sporting candidato ao título tem de ser o Sporting que Rúben Amorim procura construir, em primeiro lugar, na mentalidade, no foco, no espírito, na resiliência. Prepará-lo não para ser bom um ano, mas para ser bom vários anos. Ser candidato ao título é um estatuto e não um acaso. E o que Rúben Amorim visivelmente procura em Alvalade é que o Sporting ganhe esse estatuto e não se satisfaça simplesmente com o acaso.
Ter sido campeão em 2021 foi, evidentemente, muito bom para o leão, mas creio que Amorim sabe como esse foi um título conquistado em condições muito especiais (criadas pela pandemia), ainda que com muito esforço, mérito e bom futebol.
Rúben Amorim é um jovem treinador e pode ter (e tem) naturalmente muito para aprender, mas ninguém o pode acusar de não ter ideias claras e aquela chama que fará certamente do jovem treinador um grande treinador. Não é fácil explicar, mas parece fácil de compreender. Como dizem os italianos, há os que têm e os que não têm. Por isso, e até por ter passado, como jogador, pelo Benfica (os sportinguistas que me perdoem, mas é a verdade), Amorim sabe o que é preciso não só para se ganhar, mas sobretudo para criar o hábito de se ganhar, que é a essência de qualquer grande equipa de futebol.
Sendo, pois, o hábito a fazer o monge, é do hábito que se criará em Alvalade o estatuto de verdadeiro candidato ao título para o qual Rúben Amorim tem vindo a trabalhar, mesmo com experiências menos bem sucedidas, alguns erros de avaliação, hesitante, e algo ilusória, aposta nos jovens, mas muito, e reconhecido, trabalho estrutural, sem improvisação e sem grandes riscos.
Se aparentemente era arriscado pagar tanto, por exemplo, por um ponta de lança vindo da segunda (mas muito forte) divisão inglesa (contratado ao Coventry, Gyokeres pode, segundo o próprio Sporting, vir a custar 26 milhões de euros), para Amorim e restantes responsáveis leoninos o risco, percebe-se agora, foi bem calculado e revela como está bem estudado e analisado o estado atual do futebol do Sporting, o que não significa estarem encontradas todas as mais indispensáveis soluções. Uma coisa é avaliar, outra encontrar solução. Mas se não avaliarmos bem, nem sabemos que solução encontrar. E hoje, o Sporting dá ideia de saber exatamente o que procura, como se conclui pela contratação exemplar de um internacional sueco que está a mostrar-se demolidor no ataque da equipa.
É nesse sentido que o futebol leonino, do presidente a Hugo Viana e de Hugo Viana ao treinador, parece agora uma estrutura coesa e objetiva. Percebe-se que não abana por um mau resultado. Pelo contrário. Dá ideia de mais se unir ainda. Lá dentro, mas também para fora, com permanentes posições críticas seja sobre arbitragens, seja sobre disciplina, seja sobre adversários ou as entidades que regulam o futebol. E é assim que qualquer estrutura se torna mais forte. O Sporting parece ter hoje muito claro qual é o objetivo, mas parece ter ainda mais claro qual é o caminho para o poder alcançar.
Goste-se ou não do estilo de comunicação ou até mesmo de um certo comportamento na competição, num ou noutro caso, até mais guerrilheiro (um bocadinho à imagem do que tem sido prática no FC Porto, por exemplo), o Sporting passou, com Varandas e seus pares, a querer fazer do ataque a melhor defesa. Parece, com isso, ter a convicção de ficar mais perto de ganhar.
E não apenas dentro de campo!"

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