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terça-feira, 16 de janeiro de 2024

A EUROPA "RICA" COM DEBATE DE "POBRES" E NÓS, OS "POBRES" COM MANIAS DE RICOS

 


Adivinhem lá qual é o tema que começa a marcar a agenda nos países com o futebol mais rico, normalmente chamados de Big Five (Espanha, Inglaterra, Alemanha, Itália e França)? A redução do número de clubes, tornando os quadros competitivos mais atrativos e rentáveis. Nesta altura, já toda a gente percebeu que o dinheiro gerado pelas competições não vai crescer muito mais (aliás, se a Liga Portugal atingir os números a que se propõe com a venda centralizada dos direitos televisivos dos clubes, que representam um aumento significativo face ao que existe, serei o primeiro a tirar-lhe o chapéu…), e que os espectadores, face à oferta que lhes chega de todo o mundo pelas mais variadas plataformas, podem escolher desde os jogos mais interessantes dos grandes campeonatos, até às atuações de Cristiano Ronaldo na Arábia saudita, ou de Leo Messi nos Estados Unidos, o que implica que, para sobreviver nesta selva que está mais competitiva que nunca, é preciso apresentar produtos alternativos de qualidade, que justifiquem a escolha do consumidor.

Ora, isso só será conseguido através de melhores jogos, e estes só serão conseguidos através de melhores jogadores, que só serão conseguidos através de maiores investimentos. Como já anteriormente referi, o dinheiro não estica, será preciso, para manter as maiores Ligas competitivas com as concorrentes, reduzir o número de participantes e, nalguns casos, multiplicar o número de jogos por época entre as melhores equipas.
O debate italiano
Em Itália, neste preciso momento, o presidente da Federação Italiana (FIGC) quer implementar uma reforma, para a qual conta com o apoio dos maiores clubes, no sentido de reduzir a Serie A para 18 clubes, passando de 38 para 34 jogos por época e dividindo o bolo televisivo não por 20, mas por 18. Ao mesmo tempo propõe-se racionalizar o número de clubes com futebol profissional, que atualmente chega a uma centena.
Esta mudança, na antecâmara de um novo modelo da Champions que trará mais jogos a partir de 2024/25, tornaria o calendário dos grandes menos preenchido e os seus cofres mais preenchidos. Naturalmente, este projeto tem a oposição dos clubes que normalmente vivem na corda bamba, e que sobrevivem, como iô-iôs, entre as Series A e B, que veriam as suas hipóteses de permanecer no primeiro escalão reduzidas, o que teria implicações negativas nas receitas televisivas, de bilhética e de sponsorização.
No próximo dia 11 de março haverá uma Assembleia Geral da FIGC decisiva, de onde poderá sair, independentemente da vontade da Liga de Clubes italiana, uma reforma dos quadros competitivos. Se a redução do número de clubes prevalecer, a Itália ficaria com uma Serie A com a mesma dimensão da Bundesliga ou da Ligue 1, o que aceleraria o debate em Espanha, onde há muito se reclama contra a irracionalidade de ter 20 clubes em La Liga, e até a Inglaterra, onde, pese o sucesso da Premier League, os treinadores protestam contra o número de jogos (ainda há a Taça de Inglaterra e a Taça da Liga), meses antes de entrar em vigor o novo modelo da Champions, que além de mais jogos deverá incorporar mais uma equipa inglesa, passando de quatro para cinco.
Necessidade de equilíbrio
Há muito que os norte-americanos, peritos em rentabilizar a indústria do Desporto, perceberam que a chave do sucesso está no equilíbrio entre os competidores e na incerteza quanto ao resultado. São esses fatores que levam os adeptos aos estádios e aos pavilhões e os mantêm colados às televisões (ou aos telefones, ou aos tablets, através da plataforma que escolherem). É por isso que existe o sistema do draft, onde as equipas mais mal classificadas na época anterior têm a primazia na escolha dos melhores jovens jogadores, vindos das Universidades ou do estrangeiro, e ainda a imposição de tetos salariais, tudo em nome do equilíbrio que abre as portas da mina. Sendo a realidade europeia diferente no modelo como são construídos os plantéis, o princípio da necessidade, para captar interesse, de jogos entre equipas com meios tão semelhantes quanto possível, permanece verdade universal. É por isso que quem sobe do Championship à Premier League recebe um bónus que lhe permite apetrechar-se para poder lutar com os adversários, é por isso que os alemães levam esta premissa ao ponto do Bayern de Munique, numa altura de necessidade do seu principal rival, o Borussia Dortmund, lhe ter emprestado dinheiro, e é também por isso que vamos vendo por essa Europa fora — exceção feita a Portugal — modificações que tornam as competições melhores e que já permitiram aos Países Baixos ultrapassar, no ranking da UEFA, o nosso País, e a Bélgica andar a ameaçar, mais ano, menos ano, fazê-lo.
E o que fizeram os clubes neerlandeses, que os seus congéneres portugueses recusaram? Decidiram criar, através das mais-valias geradas pelas competições europeias, um fundo de solidariedade com os restantes clubes, que lhes permitiu construírem equipas mais competitivas. Já na Bélgica, o modelo foi diferente: reduziram a primeira divisão e criaram um sistema de play-offs, um entre primeiros e outro entre últimos, que revitalizou a competição e que, por um caminho diferente, acabou por ter um efeito semelhante ao neerlandês: tornou mais forte a classe média, chave que abre a porta do elevador do ranking da UEFA e permite um melhor posicionamento.
Nós, por cá, todos mal
Em Portugal, onde a FPF remodelou todos os quadros competitivos do futebol não-profissional, criando a Liga 3, o CNS e a Liga Revelação, os clubes que integram a Liga agem como a orquestra do Titanic, que continuou a tocar durante o naufrágio, e recusam as mudanças que são vitais para o nosso futebol, embora a Direção do organismo presidido por Pedro Proença tenha ideias mais arejadas, que não consegue implementar. O mais triste é que todos vão ficar a perder, a começar pelos grandes, que já viram reduzida a presença na próxima Liga dos Campeões, que passou de dois certos e um no play-off, para um certo e outro no play-off. E porquê? Se virmos bem as coisas, as participações lusitanas na Liga dos Campeões e na Liga Europa têm sido, até, bem interessantes. Ou seja, nessas duas competições, a macrocefalia do nosso futebol até pode ter compensado. Mas como, parafraseando Zeca Afonso, uns «comem tudo, comem tudo e não deixam nada», a chegada da Liga Conferência, que acaba por ser relevante para o ranking da UEFA, destapou completamente a careca do nosso futebol: sem classe média, asfixiada pelos grandes e depauperada por uma I Liga com clubes a mais, que baixa o nível competitivo, Portugal, durante as três épocas da nova competição da UEFA, nunca conseguiu meter um representante que fosse na fase de grupos da Liga Conferência.
Se estes argumentos não forem suficientes para convencer, os grandes e os outros, de que ou há uma reforma profunda, que reponha o verdadeiro equilíbrio (e não aquele conseguido com autocarros que servem para mascarar resultados, mas, ao mesmo tempo, traduzem a impossibilidade de muitas equipas jogarem taco-a-taco com as mais bem apetrechadas), ou aterraremos, só com bilhete de ida na II Divisão europeia, não sei o que o fará.
E não pensem os clubes que lutam por uma (ou duas) presença na nova Champions, que um sucesso nesse campo poderá ser a panaceia para os seus males. Porque, como dizia António Guterres, «é uma questão de fazer contas».

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