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quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

OS DEUSES ESTAVAM CONNOSCO...



O Benfica chega aos oitavos de final da Liga Europa, mas a verdade é que escolheu uma estrada cheia de curvas apertadas e perigosas. Valeu-lhe S. Cristóvão, o santo padroeiro dos automobilistas, que o salvou da incrível atração pelo abismo.
Além da mão protetora do santo, muita sorte e Trubin evitaram o desastre que tantas vezes pareceu inevitável. E é, de facto, difícil perceber a razão pela qual esta equipa, por vezes, bloqueia as suas ações e congela o seu raciocínio normal, tornando-se tão insegura e tão frágil que transforma qualquer adversário menor num gigante assustador.
Olhando a realidade do jogo, surgem como evidentes dois factos aparentemente contraditórios. O primeiro é que o Benfica tem melhores jogadores do que o Toulouse; o segundo, é que o Toulouse mostrou em campo ter muito melhor equipa. Há razões que explicam a contradição. O Benfica, sob a pressão de um adversário corajoso e nada complexado com a diferença de qualidade, perdeu a coerência exibicional de uma equipa confiante em si própria. Por isso, durante os primeiros vinte minutos, procurou ter a bola o mais tempo possível nos pés, mas sem intenção de baliza. Teria a ideia de roubar o fogo francês, mas, na verdade, apenas se expôs à noção de que apenas o fazia apenas por receio e numa tentativa desesperada de defender a magra vantagem que levava de Lisboa, depois de um jogo onde também não se pode queixar da sorte.
PIOR FORAM AS EMENDAS
Mais rápido, mais forte, mais solidário e com mais estrutura global de equipa, o Toulouse podia e devia ter chegado ao intervalo em vantagem, mesmo considerando que Di Maria, aos 33 minutos, e António Silva, aos 45 +1, tambem poderiam ter chegado ao golo. Se tivesse acontecido, talvez o Benfica tivesse, enfim, conseguido a paz de espírito de que precisava para controlar o jogo e marcar a sua superioridade. Mas nem essas claras oportunidades de marcar apagaram o sofrimento psicológico de uma tripulação de um barco à beira do naufrágio.
Roger Schmidt percebeu que a eliminatória estava em sério risco e procurou mudar para a segunda parte. Tirou Morato, que não acertava com a velocidade e o desequilíbrio de homens na sua ala, e apostou em Carreras. E tirou Tengstedt, que tinha feito uma primeira parte esforçada, mas inócua, optando por Cabral, mais experiente e mais poderoso.
Não se pode dizer que tenha sido uma decisão despropositada. Fazia sentido, mas foi pior a emenda do que o soneto. Carreras começou a segunda parte com uma falha quase fatal e Arthur Cabral mostrar-se-ia lento e perdido na torrente avassaladora dos franceses.
UM SOFRIMENTO FELIZ
Com mais uma preocupante onda de erros individuais e de falta de organização coletiva, o Benfica foi sofrendo o abalo de ver sucessivas oportunidades de golo do adersário desbaratadas de uma forma que se tornava traumática. Umas vezes, o golo era falhado por imperícia dos jogadores do Toulouse, de outras por mérito de Trubin e ainda outras por uma constelação de estrelinhas da sorte.
Schmidt procurou salvar a situação, dando mais força e presença ao meio campo com a entrada de Aursnes (67 minutos) e depois de Kokçu (aos 84), abdicando de Neres e de Di María, ou seja, abdicando de tentar o tal golo que tudo poderia serenar. Mas não era, de facto, momento para ousadias. A ordem era defender a qualquer custo e sofrer até ao fim.

 

 

 O melhor em campo: Trubin (7)



Duas defesas fáceis durante a primeira parte não davam, nem de perto nem de longe, uma ideia clara de como o jogo estava difícil para o Benfica. A segunda parte, todavia, deixaria perfeitamente à vista de toda a gente os riscos que o Benfica corria em Toulouse. O domínio francês começava a traduzir-se então em oportunidades de golo e Trubin teve de trabalhar seriamente, primeiro com a sorte do seu lado, quando ouviu o som da bola a bater no ferro da sua baliza, depois, então sim, mostrando aquilo em que é mesmo muito bom: instinto e velocidade de braços impressionantes para deter bola de Spierings, desviada mesmo à sua frente, depois um voo rasante para deter tentativa do capitão do Toulouse, Sierro, a acabar.
Bah (5) — Momento de pressão alta seguido de cruzamento tenso para a área, ao seu estilo, ia resultando no primeiro golo do Benfica, Di María não aproveitaria. Foi esticando o flanco, mas também combinando o bom e o mau.
António Silva (7) — Depressa começou a mostrar serviço, face ao domínio dos gauleses no início da primeira parte, e em cima do intervalo apareceu surpreendentemente perante Restes, mas não evitou a mancha do guarda-redes. Manteve a fasquia em boa altura e logo no início da segunda parte fez interceção seguida de passe ofensivo de grande qualidade a isolar Arthur Cabral do lado direito. Não foi perfeito, os franceses apareciam de todos os lados, mas intercetou e cortou em zona perigosa para a sua equipa inúmeras bolas, mantendo sempre o setor de pé.
Otamendi (6) — Discreto na primeira parte, apesar da necessidade de ir dando apoio a Bah e ao meio campo, e muito em foco na segunda, com pelo menos três cortes de boa qualidade, um deles dentro da sua área. Foi subindo de produção à medida das necessidades, mesmo tendo passado também por maus bocados.
Morato (4) — Início de jogo delicado, com muito trabalho e pelo menos uma intervenção pouco feliz. Foi agravando a sua exibição com as constantes investidas de Doennum e a necessidade de mostrar que também ele seria capaz de colocar o adversário em dificuldades. Não colocou, perdeu bolas, permitiu que o adversário lhe fizesse um túnel, um desastre. Acabou por sair ao intervalo, pois Roger Schmidt pressentia o perigo. Pode ter terminado a aventura do central brasileiro como lateral-esquerdo.
João Neves (6) — Veterano em corpo de rapaz de 19 anos. Quando o Benfica não jogava ou não conseguia jogar, quando parecia ter como ideia de jogo esperar pelo Toulouse na sua própria área, eis que o pequeno médio surgia em missões de salvação.. Sofreu faltas, chegou primeiro, manteve a calma, mas também não foi perfeito. Jogou mais atrás, mais longe da ação positiva, remetido ao papel de médio defensivo.
João Mário (5) — Tanto organizava e impunha a calma, como perdia bolas inesperadas a meio campo, nada ao seu estilo. Foi assim a primeira parte, mas melhorou consideravelmente na segunda.
Di María (5) — Até o argentino foi visto a fazer cortes importantes na área do Benfica, face ao perigo que chegava pelos flancos. Também lhe foram vistos momentos ofensivos de qualidade, mas sobretudo na primeira parte. Aos 33’ parecia que ia desviar para o 1-0, mas chegou à bola em esforço e fê-la passar a poucos centímetros do poste esquerdo, depois, em cima do intervalo, um disparo por cima da trave e um passe a isolar António Silva. Arrefeceu claramente na segunda parte.
Rafa (6) — Aos 24’, sinal de presença, disparo perigoso, no coração da área, primeira ocasião da equipa. Errou o alvo, como errou quando apareceu isolado aos 50’ (atrapalhou-se, permitindo que a bola tocasse o calcanhar e ficasse para trás), mas livrou a equipa da pressão muitas vezes, quando em velocidade fugia e guardava a bola, permitindo respirar.
Neres (5) — Cruzamento de pé direito, do lado esquerdo, bola na bancada dos adeptos do Toulouse, que fizeram a festa. Primeiro sinal no jogo. Aos 24’, porém, poderia ter-se vingado de quem o gozara com uma assistência, quando rompeu bem na área pelo lado esquerdo e passou para Rafa, mas o companheiro não acertou na baliza. Neres foi tentando jogar, mas raramente conseguiu.
Tengstedt (4) — Uma tentativa de desvio mal sucedida e um disparo enganado que levou a bola a Di María. Jogo difícil, a ver a bola ao longe.
Arthur Cabral (5) — Era o homem certo para o ataque, fartou-se de correr e trabalhar, mesmo sem uma chance para marcar. Impôs respeito.
Álvaro Carreras (4) — Entrou mal, manteve o flanco aberto e também cometeu erros a sair a jogar.
Aursnes (5) — Entrou aos 68’ e esteve perto do golo, mas errou o alvo, quando estava a uns 40 metros da baliza. Foi rápido, ainda assim, a recolher a bola mal reposta por Restes. Depois, foi sobretudo ajudar a defender.
Kokçu (5) — Entrou para a reta final, mas apareceu muitas vezes com posse de bola. Nem sempre decidiu bem, até levou um alerta de Schmidt, mas guardou algumas bem guardadas.

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