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terça-feira, 18 de março de 2025

MAURO XAVIER E UMA CANDIDATURA A PRESIDENTE DO BENFICA

 


Sócio do Benfica, gestor, comentador televisivo e alguém que participa ativamente na vida do clube, Mauro Xavier lançou o livro A Nossa Camisola, que pretende que seja encarado como um plano estratégico não apenas para as águias, mas para o futebol português. E que quis apresentar fora de um contexto de competição ou período eleitoral. Numa entrevista a A BOLA, fala das ideias dele. Pela primeira vez não recusa a ideia de um dia ser candidato a presidente do Benfica. Não estando nos planos, também não concretiza se já nas eleições de outubro.

«Todos devemos contribuir para um Benfica melhor. E quis focar-me em identificar problemas para responder a alguns dos desafios do Benfica. Como vamos dobrar as receitas, como se vai resolver o problema da centralização, como conseguir ter receitas operacionais iguais às despesas operacionais, como podemos vencer mais vezes em campo, alavancar melhor a formação, um conjunto de questões que não tinham resposta direta. Dediquei-me a estudar, perceber como se resolvem noutros clubes, modalidades, países, e achei que era um contributo que quis colocar à disposição de qualquer presidente do Benfica, de qualquer Direção e disponibilizá-lo no imediato», esclarece.
«Se o objetivo do livro fosse abrir uma candidatura, este não era o timing certo apresentar o documento e as ideias a todos os outros, seria apresentado em campanha eleitoral. Agora, também deixo duas ideias claras. Em nenhum momento farei parte de uma Direção do clube, ou serei funcionário do Benfica. O Benfica para mim é paixão, não é pão [...] Mas não posso deixar de dizer que se há portas que fecho, de participar em outros projetos, há algumas portas que não fecho. Não sendo previsto neste momento ou estando em planos para o curto prazo, o Benfica é uma paixão tremenda que tenho, não tenho nenhuma ansiedade sobre isso Portanto, não está previsto, mas não é uma porta que feche.»
«Uma das coisas que tento dizer no livro, porque acho que somos sempre muito emocionais e olhamos sempre para a última época, mas eu gosto de trazer indicadores em que saiba o que é sucesso antes de começar o mandato [...] Temos de colocar um objetivo claro, que para mim é ganhar no mínimo dois em cada quatro campeonatos. Rui Costa ainda o pode atingir no seu mandato, ainda pode ganhar o segundo campeonato em quatro, e, portanto, penso que vamos estar dependentes desse segundo campeonato para avaliar se a perfomance dos quatro anos é positiva», diz Mauro Xavier.
«Do ponto de vista financeiro, acho que está a ter uma perfomance negativa. Se somarmos o valor global nas contas entre o total gasto e recebido, estamos com um saldo negativo. As contas não estão equilibradas. O Benfica não pode gastar mais do que faz na sua operação e penso que a sua operação pode crescer muito mais, hoje não chega a €200 milhões, acho que pode chegar a €400 milhões, e são esses caminhos para o futuro que tento exemplificar no livro», aponta.
«Termos os novos estatutos é o mais importante. Acredito que nenhum sócio saiu a achar que são perfeitos, incluo-me nesse grupo, mas achei que eram bons os suficientes para merecer o meu apoio. É com estes estatutos que vamos trabalhar nos próximos 15 anos e sinto-me confortável com isso. São melhores do que os anteriores, ajudam-nos a organizar, mas não trazem troféus para o museu. É um capítulo que está encerrado, foram aprovados por 90 por cento de nós, foi fator de união, o apoio dos sócios a estes estatutos é claro e inequívoco. Parabéns à Direção, a Pereira de Costa por ter conduzido este processo numa fase difícil, a Fernando Seara por ter iniciado o processo e parabéns a todos os sócios que participaram com propostas. Foi um momento importante da vida associativa do Benfica, agora ainda temos muitos momentos importantes, a começar ainda esta época, da SAD, do futebol, das modalidades, para preparar o médio prazo.»
«Acho que é um bom saldo positivo, mas não acho que sejam umas boas contas. O Benfica tem de ter como norte o sucesso desportivo, as contas só por si não traduzem nada. O que me preocupa é que nos últimos anos o Benfica gasta mais do que aquilo que recebe. E tem de compensar essa falta de dinheiro com a venda de jogadores. Esse modelo, não acho que seja sustentável. Não estou a dizer com isto que o Benfica não tenha de vender jogadores, pelo contrário, mas na minha opinião, e é isso que escrevo no livro, a venda de jogadores só pode estar alocada a três coisas e nunca à sua operação: a mais investimentos — a modernização do estádio, a expansão do Seixal, a construção da cidade para as modalidades —, a abatimento da dívida, ou para cobrir uma receita extraordinária que desapareça, como uma não participação na Liga dos Campeões. Mas não pode fazer parte de um orçamento necessário para pagar salários ou passes de jogadores, a limpeza, a segurança, ou qualquer outra operação.»
«É fundamental apostar na formação de treinadores»
«Há pouca gente apostada em formar treinadores. E é esse caminho adicional que tento apontar no livro. Até podemos dizer que Bruno Lage veio da formação e cresceu na formação do Benfica, mas aquilo que entendo é que o Benfica, para poder alavancar a sua formação, a internacionalização das suas escolas, com as suas metodologias, precisa de ministrar e dar cursos de treinadores e gerir os treinadores como um ativo. Para não fugir à pergunta, Lage, como qualquer treinador que não prepara uma época, tem trabalho mais difícil. Esta está a ser uma época atípica; o Sporting vai no terceiro treinador, o FC Porto no segundo, o Benfica também, são excecionais os anos em que o segundo treinador é campeão. Bruno Lage já teve a experiência de entrar com o carro em andamento e conseguir ser campeão. Espero que volte a ser feliz, pegar num carro preparado por outro, tirar o melhor das peças e correr mais rápido que todos.»
«O Benfica precisa de atenção se não quiser passar por problemas iguais aos que se passaram em Barcelona, que se passam em Manchester ou no nosso rival, o FC Porto. É muito rápido o momento em que se passa de umas contas aparentemente equilibradas a um desequilíbrio. Não entendo que estejamos no vermelho, ou perto do fary-play financeiro, mas que precisam de ser dados outros passos para construir mais receitas e reduzir despesas. É esses caminhos que aponto no livro.»
Está nas mãos do Estado viabilizar um futebol melhor?
«O futebol português é a sétima indústria nesta área, e ambicionamos ser a sexta, à frente da Holanda. Poucas indústrias portuguesas no Mundo conseguem competir com os melhores. Entendo que cabe ao Estado incluir, não apoios, mas regulamentação. O Benfica foi o clube português que mais atletas olímpicos levou aos últimos Jogos! Se queremos investir nas modalidades, na promoção do desporto e estilos de vida saudáveis, temos de ter condições para competir com todos os outros, e o Estado não nos está a dar essa oportunidade. Posso dar alguns exemplos de coisas que já deveriam estar resolvidas.»
«Os bilhetes para ver futebol custam mais do que para ir ver uma tourada, o IVA não é de 6%, é de 23%; não é permitido vender bebidas alcoólicas no estádio, mas nas imediações, sim. A maior receita do Bayern Munique em dias de jogo não são os bilhetes, mas a cerveja. Isto é limitar brutalmente as receitas em dias de jogos dos clubes. Em Portugal paga-se cerca de 8% de seguros de vida devido a uma regulamentação muito apertada, só Portugal e a Bélgica é a que têm a nível de seguros; mas vamos ter de ir mais longe! Segurança Social: o Benfica paga 23% de cada salário, como cada empresário, a única diferença é que estes trabalhadores do futebol não trabalham nunca o suficiente para terem uma reforma e pensão. Estava na altura de se encontrar um valor máximo para profissões de desgaste rápido e que não seja aplicado o mesmo estatuto de toda a gente».
«Mão pesada para aqueles que prejudicam constantemente o clube e a equipa»
Como se resolve o problema da pirotecnia nos estádios? A resposta não é simples, mas Mauro Xavier entende o Benfica deve «dar o exemplo» no que lhe compete. «Não é com a lei do adepto que se resolve, claramente. Os clubes têm acesso aos meios audiovisuais e quem não tem o comportamento correto tem de deixar de ser sócio e de poder entrar nos estádios. Pirotecnia antes do jogo, sim; quando jogo começar, não. Temos de ser livres de apoiar, mas mão muito pesada para aqueles que não se comportam e prejudicam constantemente o clube e a equipa. O Benfica deve dar o exemplo. Ainda vivemos muito na lógica das coisas mais fáceis... temos estádios de futebol que põem uma câmara num poste de iluminação e depois uma sede da Liga como não existe em quase nenhum país do Mundo... Não sou contra a nova sede, gostava era de ter VAR automático e linha de golo em todos os estádios, que não chovesse na maioria dos estádios, iluminação, um manual de transmissões, gostava que o produto fosse melhor. Muitas vezes começamos pelo telhado. »
«A mesma coisa se aplica no tipo de rendimentos e impostos. Em Itália, por exemplo, paga-se uma única vez 200 mil euros, independentemente de tudo o resto. Se queremos atrair os melhores e manter os nossos melhores mais tempo, temos de ser competitivos. Não o posso ser com uma taxa de IRS, mais Segurança Social de mais de 60% para um jogador de futebol quando ele quer fazer uma negociação comigo líquida. O Benfica tem de liderar esta conversa com o Estado. Temos de ter um regime mais favorável para o futebol português.»
Remodelar competições, arbitragem e disciplina
«Estamos com sobrecarga de jogos. Vamos ter de reinventar as nossas competições. O que entendo é que a primeira volta os 18 clubes — e entendo que não deve baixar dos 18 na primeira Liga é porque ninguém consegue concentrar mais produto com menos jogos — jogam entre eles só uma vez, sem um jogo em casa e outro fora; como aconteceu na Champions. A seguir, os oito primeiros classificados jogam entre eles e numa segunda fase os 10 classificados seguintes jogam para não descer. Isto vai permitir que o campeão em vez de 34 jogos faz 31, poupa três jogos, a sobrecarga que está a ter na Europa. Isto permite aumentar de dois Benfica-Sporting e Benfica-FC Porto para três, melhora o produto, não aumenta a sobrecarga de jogos e cria um modelo inovador para o campeonato. Acho que deve ser extinta a Taça da Liga, que não faz sentido, e alargada a Supertaça com uma pool de Final Four, nunca fora do País, há várias coisas que podem acontecer.»
«Em relação às arbitragens, sou muito crítico, têm impacto maior do que deveriam. Como se resolve? Os árbitros vão ter de ser profissionais, não há alternativa. É importante também para a autonomia da arbitragem, não estar dependente da Federação e dos clubes, tem de estar fora, de ser uma entidade autónoma e transparente, responsável diretamente num outro organismo. A mesma coisa se passa com a disciplina. Não podemos ter os clubes a votar se querem multas mais pesadas. Nenhum clube vai dizer multem-me mais, ou que queremos perder pontos se houver um determinado comportamento. Não vamos conseguir justiça desportiva mais célere se vamos perguntar aos clubes.»
Centralização dos direitos televisivos
«Temos de centralizar, sim. Só nós e Chipre, na Europa, é que não temos os direitos centralizados. A questão é como. Os caminhos que estão a ser discutidos são, na minha opinião, más centralizações. Modelos assentes em canais premium, que têm canais adicionais para subscrição. A única coisa que faz é aumentar a pirataria. O que proponho é que a BTV seja canal exclusivo de um operador, mas sem ser pago. E que a seguir a Liga TV também. Quem quer ver o futebol vai subscrever esse operador e isso permite a concorrência, a cada dois anos lançar um concurso a saber qual vai ser o operador.»
«Depois, a chave de distribuição, fazer o bolo maior e depois saber como se corta as fatias. Não posso contar que seja a Liga a internacionalizar os nossos direitos. O que defendo é que cada clube possa internacionalizar os seus jogos [...] 30% do valor que faça seria a dividir por todos, 70% para quem angariou o mercado. As receitas de televisão são a segunda maior receita do Benfica, o Benfica tem de duplicar as suas receitas. Esta estratégia de dizermos que pelo menos temos de ficar com o mesmo, não acho boa. É possível dobrar as nossas receitas de televisão.»
Como equilibrar despesas com receitas operacionais?
«Proponho recompra de ações e saída da Bolsa»
«O Benfica decidiu ir em Bolsa, por volta dos anos 2000, quando não tinha dinheiro para se financiar. Foi a maneira de angariar. A SAD, hoje, com as ações todas disponíveis, vale 75 milhões de euros, menos do que o passe de alguns jogadores do plantel. Não é aceitável que o Benfica tenha quase 40% dividido, não precisamos de financiar o Benfica, consegue financiar-se no mercado, não dá dividendos, e estes sócios, nos quais eu me incluo, não contribuem nada para a estratégia do Benfica. O que proponho é que o Benfica recompre as suas ações, que saia de bolsa e alinhe com parceiros estratégicos que possam ajudar onde podem fazer a diferença: a experiência de dia de jogo, os patrocínios e merchandising e direitos televisivos. Trocar acionista de coração por parceiros que nos fazem crescer.»
«Primeiro assumir isso como objetivo e depois perceber os fatores que pesam mais. 75% das despesas do Benfica são salários, amortizações de passes de jogadores e dívida. O resto é a sua operação. Se reduzirmos 10% da operação é importante, mas não resolve o problema. O clube tem de abater dívida e a venda de jogadores deve entrar aí; tem de deixar de comprar jogadores pelo preço que estão a comprar, temos uma limitação de cinco anos para os contratos e a amortização não pode demorar mais que isso. Mas também aumentar as nossas receitas. Não podemos gastar o que estamos a gastar hoje enquanto não aumentarmos as receitas.»
Quando olha para as eleições de outubro, Mauro Xavier parte da recandidatura ou não de Rui Costa para um olhar mais abrangente aos nomes que se posicionam.
«Há três ou quatro nomes hoje incontornáveis no universo benfiquista. Estamos ainda a falar se Rui Costa se recandidata, é essa a dúvida, começa por aí. Temos o João Noronha Lopes, que já foi candidato, que na altura em que concorreu disse que era uma única vez e não voltaria a ser candidato, e que vejo como uma pessoa, que se quiser dar um contributo ao futebol português, como um potencial excelente candidato para a Liga de Clubes», concretiza.
«Acho que o seu perfil, visto que já fechou a porta ao Benfica no passado, dizendo que era uma única vez que se candidatava, se quiser dar um contributo importante... E vi-o ativo em dois momentos importantes, um nos estatutos do Benfica, e com a questão dos direitos televisivos; João Noronha Lopes tem falado sobre essa questão. Falou muito sobre o apoio ou não à Liga de Clubes e sobre a eleição na Federação e, portanto, vejo-o como alguém que está preocupado com esta parte do ecossistema e tenho olhado para os candidatos à Liga e não vejo nenhum que possa assumir ainda essa situação, era com gosto que veria João Noronha Lopes a tentar assumir esse compromisso», sublinha.
Marco Galinha
«Alguém que tem sucesso empresarial, Marco Galinha, mas que não tenho visto ligado ao universo Benfica. E fiquei um pouco surpreso que tenha encomendado um estudo para analisar as contas do Benfica. Sendo empresário, penso que seria normal nós próprios fazermos o trabalho de casa, foi com espanto que o vi recorrer a uma entidade terceira para fazer uma análise ao Benfica. A única vez que o vi dar uma entrevista não fiquei positivamente impressionado, não vi pensamento sobre o futuro do Benfica e desse ponto de vista não acho que tenha condições para ser uma alternativa no Benfica», conclui.
João Diogo Manteigas
«João Diogo Manteigas é alguém que faz parte do movimento associativo do Benfica, que participa ativamente desde sempre na vida do clube, que se preocupa com a vida do clube, que sente o Benfica e desse ponto de vista percebo a sua legitimidade e a sua ambição, mas acho que temos de entender que por vezes também temos de discutir a capacidade», começa por situar Mauro Xavier.
«O Benfica é uma empresa que gere 400 milhões de euros de orçamento, tem dois mil funcionários e acho que vamos precisar de alguém com um perfil ligeiramente diferente. Não basta a vontade, é preciso ter capacidade, e acho que o João faz muito bem em mostrar o seu benfiquismo, aquilo que pensa e o seu projeto, mas acho que claramente não tem experiência profissional para gerir uma organização desta dimensão. Cabe aos sócios tomar essa decisão, para mim é claro e transparente que faltam ali outras coisas, gerir seis pessoas, uma pequena equipa, não é a mesma coisa que gerir o Benfica, o custo da aprendizagem seria demasiado alto para uma organização; não estou a dizer que o João não aprenda, não tenha capacidade para o fazer, mas acho que é um salto demasiado grande para ele», acredita.
Nélson Feiteirona, in a Bola

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