A história do jogo era previsível. É certo que entre os desportos coletivos só o futebol permite, de quando em vez, um verdadeiro agigantamento de Davides contra Golias, mas é isso — de quando em vez. E era muito complicado prever esse cenário para este Tirsense-Benfica.
Ora, se a história era previsível, ficou praticamente desvendada logo aos 16 minutos, com a infelicidade do autogolo de João Pedro. A partir daí seria questão de saber que volume atingiria a vitória encarnada. Foi aos cinco golos sem resposta, pelo que meio Estádio Nacional fica desde já reservado para 25 de maio. Os stakeholders do futebol (com exceção, eventualmente, das forças de segurança) estarão desde já a esfregar as mãos de contentes com a perspetiva de um dérbi na final da Taça, mas a outra meia-final pia mais fino. É certo que o Sporting já leva vantagem para a visita ao Rio Ave e quer muito reservar a outra metade do Jamor, mas é sempre possível colocar a hipótese de uma reviravolta, ao contrário do que sucede com esta parte da meia-final.
Para a história desta noite de quarta-feira, além dos golos, ficam a festa nas bancadas, a romaria de adeptos jesuítas entre Santo Tirso e casa emprestada de Barcelos e o tremendo feito do Tirsense, primeira equipa do quarto escalão do futebol nacional a atingir esta fase da Taça de Portugal. Com um adicional: enquanto teve pernas e pulmão, a equipa da casa já perdia, é certo, mas só depois do estoiro físico a goleada começou a desenhar-se.
O Benfica entrou cheio de caras novas no onze e por isso, naturalmente, não se lhe viram grandes rotinas e entrosamento. Os novos, porém, vinham sedentos de mostrar serviço e o líder da Primeira Liga impôs ritmo forte, sob a batuta, na esquerda, de Dahl e Schjelderup, dois dos sobreviventes das habituais escolhas de Bruno Lage. Logo após o quarto de hora, com alguma naturalidade (e azar supremo do capitão tirsense), o médio norueguês serviu o lateral sueco na área, este cruzou e João Pedro enganou o guarda-redes Tiago Gonçalves com a tentativa de corte. Dez minutos mais tarde Schjelderup rompeu a linha defensiva de cinco dos donos da casa e serviu João Rego para a estreia do médio a marcar pela equipa principal do Benfica.
Na segunda parte o Tirsense deixou os três centrais e passou a alinhar em 4x2x3x1, o que lhe permitiu pressionar um pouco mais à frente e dar a ideia de que poderia regressar ao jogo com um golo. Nunca se sabe, lá está: é futebol e existem bolas paradas, contra-ataques... Mas o fôlego, já o escrevemos, só durou 15/20 minutos.
Aos 65 minutos Bruno Lage refrescou e sacudiu a equipa com as entradas de Prestianni, Arthur Cabral e Tiago Gouveia (regresso ao cabo de sete meses de lesão, depois de já ter atuado pela equipa B). O prodígio argentino não demorou mais de dois minutos a mostrar a sua classe e marcou o golo mais bonito da noite.
O Benfica jogava então, na prática, em 4x2x4, sendo que os extremos confluíam amiúde para o meio (o que já sucedia desde a primeira parte) e davam espaço aos laterais para se projetarem junto à linha. Cinco minutos depois do 3-0 Tiago Gouveia, que entrou para lateral-direito, rompeu por ali fora e serviu Arthur Cabral para o regresso aos golos. E assim se completou, em sete minutos, o pleno de influência dos três jogadores recém-entrados. Mas ainda havia mais Prestianni: aos 84 minutos fez gato-sapato da estafada defesa jesuíta e ofereceu o 5-0 a Schjelderup, numa espécie de justiça poética para os dois melhores jogadores da noite.
DESTAQUES DO BENFICA:
O melhor em campo: Prestianni (nota 8)
Não jogava pela equipa principal desde setembro e, depois do que fez com o Tirsense, em apenas em 25 minutos, só reforçou a ideia de que o Benfica teve muito tempo uma pérola argentina guardada no cofre, escondida de todos. Entrou e mexeu num jogo que estava aborrecido. Aos 67', entre três adversários, lançou Tiago Gouveia para uma autoestrada de perigo. Aos 68' recebeu de Schjelderup na área e rematou, carregado de classe, em arco e com força, para o terceiro golo. Aos 72' voltou a encontrar Tiago Gouveia, que cruzou para o golo de Arthur Cabral. Conduziu ainda mais dois ataques antes de roubar a bola a André Fontes, escapar ao corte de Jorge Silva e entregar a Schjelderup para o último golo. Ficou mais que provado que só precisa de jogar mais.
Samuel Soares (6) — Sem muito que fazer, fez o que tinha de ser feito, com segurança. Agarrou quatro cruzamentos, outras bolas que lhe chegaram sem força e mostrou qualidade com os pés.
Leandro Santos (6) — Mais ativo o ofensivo na primeira parte, ensaiou um remate forte com pé esquerdo à entrada da área, depois de uma diagonal, que o guarda-redes segurou.
António Silva (7) — Usou a braçadeira e foi o líder da defesa. Foi por ele que todos alinharam. Jogo confortável que lhe permitiu usar o recurso do passe longo, sem oposição, quatro vezes com sucesso e uma com insucesso. Noite serena e muito competente.
Bajrami (6) — Primeira vez titular na equipa principal, o canhoto albanês controlou movimentos de quem lhe caiu na zona. Com a bola no pé jogou simples. Apenas um erro: mau passe que permitiu ao Tirsense chegar (sem perigo) à baliza de Samuel Soares.
Dahl (7) — Jogou sempre para a frente por não precisar de se preocupar muito em defender. Combinou bem com Schjelderup, de quem recebeu um passe na área para cruzar e João Pedro desviar e marcar na própria baliza. Manteve sempre uma via aberta para o ataque.
Florentino (6) — De um passe para Belotti (que não tocou na bola) que acabou em Schjelderup nasceu o segundo golo, assinado por João Rego. Ganhou influência a partir dos 25 minutos, alargou a área de ação, cortou linhas de passe e recuperou bolas. Abrandou no segundo tempo, passou mais ao modo de controlo.
Leandro Barreiro (6) — Sempre muito intenso, ajudou na pressão no meio-campo, impedindo o Tirsense de se libertar para o ataque. Aos 35' bom passe para deixar Belotti em boa posição. Faltou-lhe arriscar mais com a bola.
João Rego (7) — Servido por Schjelderup, apareceu na pequena área com velocidade para finalizar como um avançado. Nem tudo lhe saiu bem, mas depois do golo até parece que lhe saiu um peso das costas, jogou mais soltinho e confiante, num toque de calcanhar lançou Dahl para entrada na área. Bom passe aos 51' deixou Amdouni em boa posição.
Amdouni (5) — Aos 2' tentou remate de bicicleta, aos 35' rematou forte com o pé esquerdo para defesa de Tiago Gonçalves, aos 51' não deu o melhor seguimento a bom passe de Rego. Jogou no apoio a Belotti, sem significativa influência positiva.
Schjelderup (8) — Carregadinho de vontade de mostrar serviço, atrevido e veloz, do improviso dos lances individuais e da geometria das combinações com os companheiros nasceram os melhores lances. Encontrou Dahl no primeiro golo, assistiu João Rego no segundo e Prestianni no terceiro, marcou o quarto num remate forte e ainda esteve perto de fazer mais golos. Sempre a prego a fundo.
Belotti (6) — Muito castigado pelos defesas adversários, mas sem virar a cara à luta, com inteligência abriu caminho — deu o corpo a Gonçalo Cardoso, impedindo o corte do passe de Florentino —ao segundo golo. Sofreu três faltas e também sofreu por ter pouco jogo.
Tiago Gouveia (7) — Aí está o novo defesa-direito, regressado à equipa principal, mais de sete meses depois. Superofensivo, combinou muito bem com Prestianni e ofereceu, num centro perfeito, o quarto golo a Arthur Cabral.
Arthur Cabral (7) — Teve uma oportunidade para marcar e... marcou — disparo de primeira na área após centro de Tiago Gouveia. No lance do 5-0 arrastou dois defesas, permitindo o disparo sem oposição de Schjelderup.
Nuno Félix (5) — Jogou ao lado de Leandro Barreiro e apenas um bom apontamento, a controlar a bola e a entregá-la com segurança, apesar da pressão adversária à entrada da área.
Joshua Wynder (5) — Estreia na equipa principal do central norte-americano de 19 anos, que, sem trabalho perto da área, ainda foi cortar uma bola ao meio-campo cortar uma bola e à área adversária num canto.





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