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sexta-feira, 25 de julho de 2025

CARTA DE UM BENFIQUISTA CANSADO: OU O QUE AINDA ME VAI RESTANDO DO BENFICA

 


"Há dias em que me pergunto se o Benfica ainda é o Benfica. Ou melhor, se ainda é o meu Benfica.
Cresci com o meu pai a gritar os golos do Isaías - ídolo máximo do meu velhote - e com o antigo Estádio da Luz como fotografia colada no meu quarto da minha infância. O Benfica, nesse tempo, mesmo no seu Vietname, era vivido com amor e esperança. Mas hoje, com 38 anos, o que sinto é que me estão a empurrar para fora do meu grande amor. Aos poucos, às escondidas, com luvas brancas e sorriso falso, tratam-me como um mero cliente, seja na loja, no site ou até numa visita impessoal ao museu.
A atual direção — e sim, falo de Rui Costa com o peso do desgosto — parece ter feito um curso acelerado de desumanização do clube. A ligação entre adeptos e a estrutura está completamente arruinada. Tudo cheira a plástico, a marketing feito em PowerPoint por gente que se esqueceu que o Benfica é feito pelo e para o povo.
As contas? É olhar para os relatórios com calma — e uma caixa de ansiolíticos. Um passivo que teima em crescer, um clube refém de empréstimos obrigacionistas, com vendas cirúrgicas só para equilibrar colunas no Excel. Onde está a sustentabilidade? Onde está a transparência? Onde está a verdade? Há um nevoeiro à volta das contas que nem o nevoeiro da Luz do velho Coluna era tão cerrado. E ao contrário deste, este não tem nada de romântico. É só preocupante.
Mas talvez o que mais me doa — e nisto a dor é literal — é o abandono da formação. O Seixal, outrora a jóia da coroa, foi transformado num cenário de filme parado. O que se fez ao talento? Onde estão os nossos miúdos? Substituímos a aposta nos nossos por um festival grotesco de jogadores medianos, contratados com selo de agentes que conhecem bem as portas giratórias do futebol moderno. Cada contratação tem cheiro de comissão. E o que nos sobra é um plantel gordo, sem identidade, onde o benfiquismo é vendido por atacado e sem garantia de devolução.
Depois temos o Benfica District, esse parque temático da ilusão. Uma espécie de Disneyland para adeptos ingénuos. Um projeto que mistura Zaras, Mangos e sonhos em leasing. Populismo puro. Como se construir paredes fosse resgatar valores. Como se betão fosse alma. O Benfica é desporto, não imobiliário.
Falo aqui de direção, de rumo, de verdade. Falo de paixão maltratada. Porque a maior derrota que estamos a viver é emocional: é o afastamento silencioso dos adeptos. O estádio enche mas os adeptos sentem menos. E no fim de cada época, o que devia ser esperança transformou-se em fadiga.
Mas ainda acredito. Porque o Benfica, apesar de tudo, não é isto. É maior do que as pessoas que o gerem. É o povo. Somos nós. E por isso, não podemos falhar. A mudança não é uma opção. É uma urgência. Porque quando o Benfica volta aos benfiquistas, tudo volta a fazer sentido. Unidos. Só assim. Como fomos. Como ainda podemos ser."

Gonçalo Marcos, in Benfica Independente

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