Páginas

segunda-feira, 29 de setembro de 2025

BENFICA PRECISA DO MOURINHO ARROGANTE



 Será este José Mourinho ponderado capaz de ter o mesmo impacto do revolucionário do Dragão? Ou, ao abdicar da ousadia do discurso, prescinde também da aura que o tornava único?

Quando saiu a convocatória de A BOLA para os estágios de pré-temporada do verão de 2001, divulgada ao final da noite pelo João Paulo, companheiro da secretaria de redação, calhou-me em sorte o União de Leiria, em Tábua, distrito de Coimbra. Não podia desejar melhor, ao leme dos leirienses estava José Mourinho, prestes a iniciar a primeira temporada logo na linha de partida, após estreia como técnico principal no Benfica no ano anterior.
Nos campos secundários da antiga Luz, sempre cercado por um batalhão de camaradas de ofício — tempos em que os treinos ainda eram janelas abertas para todos —, assisti a algumas sessões das águias lideradas por um falcão. E ali percebi que Vale e Azevedo, como um relógio parado que marca a hora certa duas vezes por dia, apostara no alvo certo, tal a lufada de ar fresco que soprava daquela metodologia fora do comum. A este propósito, lembro-me de conversas com João Bartolomeu, então o presidente do clube do Lis, nas quais manifestava estranheza pela ausência de corridas na mata ou na praia nesse defeso de 2001/2002...
Os indícios que observara na passagem meteórica ao serviço dos encarnados confirmaram-se naqueles dias na bonita vila beirã, onde o convívio diário com Mourinho me deixava a sensação de estar a ver uma pequena chama a transformar-se em labareda incontrolável. Aos meus olhos, nascia uma estrela.
Já no FC Porto, a partir de finais de janeiro de 2002, não fiquei surpreendido com as palavras desafiadoras — «Tenho a certeza de que na próxima época seremos campeões, mas 2002/2003 não interessa agora para nada e foi isso que disse aos jogadores», afirmou, à data — a moldar futuro que seria de glória.
Era a voz de um general jovem, ambicioso e implacável, que falava com uma confiança arrogante, um revolucionário que rompeu com os lugares-comuns e não só acreditava no sucesso como garantia ter condições imbatíveis para materializá-lo.
Agora, ao voltar ao Benfica, 25 anos depois, o tom foi outro. Por estes dias, tropecei no Youtube na apresentação de José Mourinho no Chelsea, uma obra-prima na arte de comunicar que recordei com o prazer da primeira vez. Mas o special one que regressa a Portugal já não precisa de se afirmar como... especial. O currículo fala por ele. A argumentação na nova pele, enquanto «cumpre o destino de vida», a forma de André Villas-Boas insinuar que o sadino é, afinal, benfiquista desde pequenino, revela pragmatismo e maturidade. Aos 62 anos, é um homem mais preocupado com a gestão de expectativas, a necessidade de estabilidade e a valorização da estrutura que o rodeia. Não há promessas incandescentes, apenas apelos à união, à paciência, à medida que se queixa da falta de tempo para treinar.
Será este Mourinho ponderado capaz de ter o mesmo impacto do revolucionário do Dragão? Ou, ao abdicar da ousadia do discurso, prescinde também da aura que o tornava único? Não é que lhe interesse muito a minha opinião, mas prefiro a versão que fazia faísca e acredito que, ao Benfica amorfo que vegetou em campo diante do Gil Vicente, um pouco de arrogância à Mourinho para agitar as águas talvez desse jeito.
Paulo Cunha, in a Bola

Sem comentários:

Enviar um comentário