"Todos os aways (expressão inglesa que os adeptos da bola se habituaram a usar para descrever uma viagem ao estrangeiro para ver um jogo do seu clube) começam da mesma maneira. Sai o sorteio e o grupo de Whatsapp fervilha com ideias e entusiasmo.
"Tchiii, Newcastle deve ser do caraças! E ainda nunca ninguém lá foi!"
"Sim, mas deve ser difícil. E Amsterdão? Cidade e estádio espetaculares. Embora muitos de nós já lá fomos".
"Há a opção Turim e Londres é sempre aquela cidade incrível. Temos é que ter todos passaporte!".
Vários do grupo acabaram por optar por Londres e Chelsea. O passo seguinte são as viagens. E aí entram em ação os especialistas do grupo, os gurus destas viagens que começam a vasculhar tudo o que é escalas e ligações.
O objetivo é sempre um: qual é a maneira mais barata de chegarmos ao destino que queremos? Se tiver que ser Lisboa - Pólo Norte - Londres, assim seja. Até porque além do barato, já se tornou um pouco o charme destas viagens fazer escalas intermédias noutras cidades e países em vez do aborrecimento de ir lá ter direto.
Após alguns dias de análise, chegou a decisão, desta vez até mais simples que o habitual: Autocarro até Faro e daí voo para Londres. Com um senão: a viagem para lá seria feita no dia do jogo e não no dia anterior, como de costume, devido à tal questão do preço. Um dia antes já os custos estavam todos disparados. Para satisfazer a curiosidade de quem se pergunta quanto dinheiro gastam os adeptos que vão a estes aways, aqui fica.
O autocarro + avião até Londres e o percurso oposto ficou em 100 euros. 50 para lá, 50 para cá. A estadia numa camarata ficou em 20 libras e o bilhete do jogo mais 50 libras. O resto foi em cerveja e em comida de fast food. O orçamento total ficou em 200 e poucos euros. Bom, com a quantidade de cerveja paga talvez a aproximar-se aos 300 euros. Referir que o bilhete do jogo é sempre comprado depois da viagem e estadia pagas e o site do Benfica mata-nos sempre do coração, porque é sempre uma tragédia grega para conseguir arranjar bilhete para todos. Felizmente, voltámos todos a ter sorte. Mas irá chegar o away que não conseguiremos bilhete e veremos o jogo num bar ao lado do estádio...
O autocarro para Faro partia às 6h30 e pessoas sérias, adultas e responsáveis dormiriam até às 5h da manhã e apanhariam um uber até à Gare do Oriente. Mas claro que o grupo decidiu ir beber copos para um bar até às 2h da manhã e depois andar a conversar e a fazer tempo até ao autocarro partir. "Depois lá no autocarro e no avião dormimos!"
Assim foi, dormitar até Faro e dormitar até Londres. E quando se dá por ela, são 15 horas e aterramos em Gatwick. Já se sabe que a capital de Inglaterra é uma cidade gigante e foi necessário apanhar um comboio até ser financeiramente aceitável apanhar um Uber até ao hotel. Bom, chamar aquilo de hotel é uma forma simpática. Tínhamos todos uma cama, digamos assim. Que chega e sobra porque já sabemos que nestes aways pouco vamos dormir.
Deixar as mochilas no "hotel" e arrancar de metro para Earl's Court onde sabíamos estar a concentração de adeptos do Benfica. Connosco já vinha um casal de um inglês e uma americana que devido à amizade com um amigo nosso, nos acompanhariam ao jogo. O inglês já muito familiarizado com o Benfica, fruto da amizade com o nosso amigo, até sabia cantar algumas músicas do Glorioso. A americana era uma curiosa total, mas recordo-me de dizer divertida que, fruto de algum conhecimento do espanhol, percebia perfeitamente o que nós dizíamos quando gritávamos a expressão "filhos da.....truta". If you know what I mean...
Ainda deu para uma meia-hora no bar a beber cerveja e cantar músicas do Benfica até à curta deslocação a pé até ao estádio. Adeptos de Benfica e Chelsea misturados sem tensão alguma e polícias simpáticos sempre a perguntar-nos se sabíamos para onde ir e se precisávamos de alguma coisa. Já dentro do estádio, a surpresa de nos bares venderem cerveja, apenas não as podíamos levar para as bancadas. Acabemos então a última e avancemos, que o jogo está prestes a começar e a equipa precisa de nós.
O estádio é relativamente pequeno e velho. À volta das bancadas vêem-se várias referências a Drogba, John Terry e a todos os títulos internacionais que o clube já tem, mas o ambiente não é nada de extraordinário. Aqui e ali, alguns cânticos, algum entusiasmo, mas não é um estádio intimidante. E não pareceu de facto que a equipa do Benfica tenha sentido qualquer medo cénico. Até porque a mancha vermelha desde o início não se calou um segundo.
Só que surgiu o auto-golo e o jogo foi sempre muito morno, sem Benfica e Chelsea criarem grandes ocasiões de golo. Houve o momento de maior tensão com o Enzo Fernandez a vir marcar um canto junto de nós e perceber da pior maneira que não gostamos da forma como saiu do clube e perto do fim o Glorioso ainda apertou em busca do empate, mas acabou por ser mais um jogo num away sem grandes emoções.
No último que o cronista foi o Barcelona venceu 1-3, no anterior o Bayern venceu 0-1, no anterior a Real Sociedad venceu 1-3 e por aí afora. Quem vem a estes jogos no estrangeiro, já sabe que poucas vezes o Benfica vence. Faz a viagem já sabendo que o resultado mais provável é a derrota. Mas insistimos. Até porque às vezes surge um golo do Darwin de cabeça em Amsterdão e durante 20 segundos a surpresa e a euforia é total.
Depois foi comer um kebab, beber mais alguma cerveja e ir para o "hotel". Vá, para a cama. No dia seguinte turistar um pouco, ir para o aeroporto de Luton, avião para Faro e autocarro para Lisboa. Chegar a casa à 1h da manhã.
Em 2 dias gastou-se centenas de euros, passou-se quase 15 horas em transportes e o Benfica perdeu. Valeu a pena? Claro que sim. Daqui a 1 semana, 1 ano, 10 anos, a recordação vai ser aquela vez que fomos com amigos a Londres e bebemos, rimos, viajamos, conhecemos...vivemos.
Um dia e o ser humano é o único animal à face da Terra que sabe que esse dia chegará, sentiremos que temos pouco tempo para viver e faremos uma retrospectiva sobre a nossa vida. E ninguém se vai lembrar das vezes em que ficou em casa a ver TV ou que esteve no horário de trabalho. Mas sim estes momentos, estas viagens, estes convívios. E isso talvez ajude a um último sorriso."
Filipe Inglês, in ZeroZero

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