Jogo e regras
1. Gabriel Garcia Márquez, nascido em Aracataca, 6 de Março de 1927; morreu na Cidade do México, a 17 de Abril de 2014. Foi um escritor, jornalista, editor, activista e político, prémio Nobel, o principal eixo do chamado realismo mágico.
Em Cem anos de solidão fala-se dessa estranheza de estar diante de adversários que concordam com o essencial:
«Em certa ocasião em que o padre Nicanor levou para junto do castanheiro um tabuleiro e uma caixa de pedras para o convidar a jogar às damas, José Arcadio Buendía não aceitou porque, segundo disse, nunca conseguiu compreender o sentido de uma contenda entre dois adversários que estivessem de acordo quando aos princípios. O padre Nicanor, que nunca tinha encarado por esse lado o jogo de damas, não pôde voltar a jogá-lo».
Pensar no jogo que consiste em discutir as regras. Ou seja: ganha quem impuser as suas regras. De certa maneira, a guerra é isso.
Relato
2. O relato da guerra é feito pelos vencedores, ouve-se muitas vezes. E sim, o mesmo com a guerra e com o jogo. O relato é feito pelos vencedores. A melhor história, a única aceitável, a única que os outros estão dispostos a ouvir, é a de quem vence.
O prazer
3. Falemos do jogo puro, amador, não profissional. O lúcido puro não tem «consequências na vida real», com diz Huizinga.
Fazes o que quiseres no jogo e aconteça o que acontecer isso só tem efeitos ali, dentro daquele espaço e tempo específicos. Saímos do campo de jogo e do tempo de jogo e nada mudou. Não somos mais ricos, não produzimos nada.
Mas claro que há a questão: podes magoar-te.
E o cansaço.
Depois do jogo regressas à vida real, porém eventualmente mais cansado. E eventualmente mais alegre.
Uma boa síntese do prazer puro do jogo amador. Mais cansado, mais alegre.
Sorte e azar
4. A sorte pode acertar com grande precisão no preguiçoso. E o azar cair na cabeça do esforçado e trabalhador.
Porém, essa não é a norma geral do acaso. A sorte fareja, à distância, os dorminhocos e os esforçados. E a sorte gosta dos segundos.
Diálogo de surdos
5. Diálogo de surdos: «Debate em que nenhuma das partes escuta ou pondera os argumentos ou razões do outro».
Não há audição, só há visão. Dos argumentos e das frases do outro, eu só vejo os gestos, aquilo que acompanha as palavras. É como de um prato cheio de comida só ver o prato.
Quando duas pessoas se juntam não podem ser sujeitos emissores ao mesmo tempo. O diálogo é um jogo em que tua atenção vai da tua boca para o teu ouvido. Uma vez emites, outra vez recebes. O básico, excelência.
Psicopatologia
6. Transformar tudo em números é uma das psicopatologias do século XXI. A linguagem da informática aí está a querer mostrar que o vasto e variado universo afinal é simples e monótono, ou seja: nada entusiasmante.
Mas, de facto, quem tirando os profissionais da especialidade algébrica, e quem joga na bolsa, se entusiasma com números?
Ou se assume o jogo como um espectáculo, aquilo que faz com que a intensidade cardíaca e dos olhos mude a cada momento, ou então se assuma a coisa como um armazém que, em vez de guardar produtos de alimentação ou objectos, aloja tempo de posse de bola, passes certos e errados, e etc.
Foi isto que disse Jonatham, um amigo.
Ser feliz não basta
7. Sobre o mundo e o humano em geral. Jules Renard, um cínico dos bons, dizia: «Ser feliz não basta; é preciso que os outros sejam infelizes»."
Gonçalo M. Tavares, in A Bola
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