"Quando o Benfica não renovou com Jorge Jesus e foi buscar Rui Vitória, o objectivo era simples: mudar o modelo de plantéis do clube. Jorge Jesus tinha desperdiçado jogadores como João Cancelo e Bernardo Silva. O Benfica não queria desperdiçar as gerações que vinham a seguir nomeadamente as geração de 97 (Rúben Dias, Renato Sanches, Ferro, João Carvalho, Diogo Gonçalves), de 99 (João Félix, Jota, Florentino e Gedson), de 2000 (Tiago Dantas, Pedro Álvaro e Nuno Tavares) e 2001/02 (Kokubo, Tomás Tavares, Rafael Brito, Paulo Bernardo, Ronaldo Camará [2003], Tiago Gouveia e Gonçalo Ramos). O modelo consiste em ter uma base de jogadores experientes (Jardel, André Almeida, Samaris, Grimaldo, Gabriel, Taarabt, Pizzi, Rafa, Seferovic) e ir lançando jovens que estão já com alguma experiência de Segunda Divisão. A ideia é boa e os resultados apareceram com ela. Desde da saída de Jorge Jesus, o Benfica ganhou três dos quatro Campeonatos. Mas há um erro particular no modelo que depois do último mês começa a ficar mais visível.
Com Rui Vitória, o Benfica não entrou em ‘full-mode Seixal’, isto é não começou a viver quase exclusivamente do Seixal, mas a verdade é que apareceram Ederson, Lindelof, Rúben Dias, Nélson Semedo, Renato Sanches e Gonçalo Guedes. Todos estes jogadores, excepto Rúben Dias e Gonçalo Guedes, foram essenciais nos dois títulos de Rui Vitória. Todos esses jogadores tinham em comum uma coisa na época que Rui Vitória não ganhou (2017/2018). Não estavam lá. Sendo que o maior problema não foi o facto de não estarem lá, mas sim o facto de nunca terem sido devidamente substituídos, excepto Lindelof que foi substituído por Rúben Dias. O Benfica vendeu Ederson em 2017 e só em 2018 foi buscar Vlachodimos. O Benfica vendeu Nélson Semedo e ainda não foi buscar um lateral direito decente para equipa principal desde então. O Benfica vendeu Renato Sanches em 2016 e só dois anos depois foi buscar Gabriel. João Félix não foi substituído. É no ano a seguir a vendemos Ederson, Lindelof, Nelson Semedo que perdemos o Campeonato para o Porto. Cada vez mais parece que é no a seguir a não substituirmos João Félix que vamos perder o Campeonato para o Porto.
O ano passado fizemos uma recuperação incrível. Mas só depois de despedir Rui Vitória e promover Ferro, Florentino e Jota. Além de começarmos a utilizar João Félix como deve ser. Este verão vendemos João Félix, uma peça fundamental do título do ano passado e acabámos por não o substituir. Ao mesmo tempo, a equipa tem tido dificuldades exactamente nas funções que João Félix fazia, que era aparecer no espaço entre linhas, criação de espaços e finalização. Bastaram as lesões de Gabriel e André Almeida, e os resultados caíram a pique. Fomos eliminados da Liga Europa, por pouco não fomos eliminados na Taça de Portugal e ainda perdemos 8 pontos em 12 possíveis no Campeonato. Tudo no espaço de pouco mais de um mês.
É aqui que o modelo do Benfica falha. O Benfica falha nas transições de época para época. Os jogadores jovens regra geral nunca estão mais de duas épocas na equipa principal e se não houver ninguém pronto a dar o salto, ou não se contrata, ou então promove-se alguém à pressa.
1. Ederson. Ederson saiu no verão de 2018. Na altura na equipa B andava Ivan Zlobin, que não oferecia grandes garantias. Não havia nenhum guarda-redes que parecesse que poderia assumir um lugar na equipa principal num futuro próximo. Era obrigatório ir buscar alguém fora do Seixal. O clube tentou contratar André Moreira e para suplente foram recuperar Bruno Varela, que tinha feito uma boa época no Setúbal. Quando o Atlético pediu 10 milhões pelo André Moreira, o Benfica devolveu o jogador, que já andava a treinar no Seixal, contratou um miúdo belga muito promissor e acabou por entregar a baliza a Bruno Varela quando o plano inicialmente era ser suplente. O substituto de Ederson só chegou em 2019 quando Vlachodimos chegou ao clube.
2. Nélson Semedo. O Tomás Tavares é um jogador com potencial. Mas antes de se estrear na equipa principal num Benfica-Leipzig, tinha três jogos na equipa B. Porque é que foi lançado já? Porque desde que o Benfica vendeu Nelson Semedo, tivemos Pedro Pereira, Douglas, Mato Milos, Corchia e Tyronne Ebuehi. Nenhum correspondeu. Tomás Tavares seria uma aposta para 2021, na melhor da hipóteses para 2020. Este era o plano inicial do Benfica. Mas acabou por ser promovido logo em 2019 a meio do verão quando a estrutura percebeu que Ebuehi não servia. Nessa altura, Tomás Tavares estava no Europeu S19. Se o Tomás Tavares fosse o plano inciial do Benfica, nem sequer tinha ido ao Europeu S19. O Benfica podia ter pedido para o jogador não ir, como fez com o Tiago Dantas e com o Nuno Tavares que fizeram a pré-época com a equipa principal. Mas não pediu porque a aposta ia ser Tyronne Ebuehi. Em vez contratar alguém por empréstimo, o Benfica optou por promover logo Tomás Tavares à pressa. O resultado está à vista.
3. Victor Lindelof. Há pouco a dizer aqui. Foi uma das poucas transições bem feitas. O Rúben Dias quando foi promovido à equipa principal já tinha 58 jogos na equipa B. Algo particularmente inédito.
4. Renato Sanches. O Renato surge no Benfica depois de Rui Vitória ter testado cinco ou seis duplas de centrocampistas no onze inicial. Testou Samaris-Talisca, André Almeida-Talisca, Samaris-André Almeida, Fejsa-Pizzi, Pizzi-Samaris e Fejsa-Samaris. Eventualmente, depois de três derrotas com o Sporting, no Cazaquistão nasce a dupla Samaris-Renato Sanches. Oito meses depois, o Renato é vendido, num verão onde o Talisca e o Gaitan também saem. Na equipa B/juniores começava a aparecer Gedson e Florentino. Mas ainda não tinham experiência suficiente. O Benfica contrata André Horta, Filipe Augusto e Guillermo Celis, mas quem acaba por substituir Renato Sanches é o Pizzi que é adaptado a médio centro e faz a época praticamente toda com Samaris e Fejsa. No ano seguinte contratámos Krovinovic, depois de vendermos Celis e emprestarmos André Horta e Filipe Augusto. Quando o Krovinovic se lesiona, voltámos às adaptações com Zivkovic a fazer a posição. Só quando Gabriel chega ao clube, dois anos depois da venda de Renato Sanches, é que voltámos a ter um grande médio centro.
5. João Félix. O Félix assumiu um lugar no 4-4-2 do Benfica como segundo avançado, depois de Bruno Lage assumir o clube e acabar com o 4-3-3 de Rui Vitória. Na altura o Benfica não tinha outro segundo avançado. Logo, ainda antes de vender João Félix, o Benfica já estava a precisar de outro segundo avançado. Contratámos Chiquinho, mas não chegou mais ninguém. Muito provavelmente por causa de Gonçalo Ramos, um miúdo de 2001, que - imagino eu - o Benfica não quis tapar contratando alguém já, que deverá ser hipótese já no início da próxima época. O resultado está à vista de todos. Andámos a época toda a jogar com jogadores adaptados a segundo avançado quando o Chiquinho estava lesionado ou numa fase menos boa.
Este é o erro do Benfica. Vendemos jogadores mais rápido do que os conseguimos formar. E quando os vendemos, ficamos à espera até formarmos alguém. Somos muito lentos a substituir os jogadores que vendemos e a equipa sente-se. As soluções para isto são óbvias:
1. Não vender passado seis meses. O Benfica podia perfeitamente ter aguentado João Félix mais uma temporada e quando o vendesse já poderia promover Gonçalo Ramos. O mesmo é válido para Renato Sanches que também nem um ano fez na equipa principal.
2. Contratar por empréstimo. Se Tomás Tavares não estava preparado já para 2019, devíamos ter contratado alguém por empréstimo. Não precisava de ser muito bom. Mas pelo menos cumprir. Ao mesmo tempo, Tomás Tavares iria crescendo na equipa B e seria aposta em 2020 ou 2021.
3. Contratar em definitivo. Quando o Ederson foi vendido, o Benfica não tinha nenhum jovem guarda-redes a aparecer. Se não íamos ter ninguém porque demorámos um ano e abdicámos de um potencial penta para ir buscar o seu substituto? Parece sempre que temos x nomes para numa lista de contratações e se não conseguirmos nenhum desses, não contratamos ninguém. Ainda neste inverno andámos o mês de Janeiro todo atrás do Bruno Guimarães. Quando não contratámos o brasileiro, acabámos por não contratar ninguém.
4. Não ter jogadores banais a ocupar espaço. Filipe Augusto ocupou um lugar que poderia ter sido de Pêpê. Caio Lucas tirou minutos que podiam ter sido de Jota. Ferro foi tapado por Lema e Conti. Alfa Semedo tapou a ascensão de Florentino. Quando há jogadores banais a ocupar lugares de jogadores de formação, corremos o risco de perder jogadores muito talentosos ou de pelo menos atrasar a sua progressão.
No fundo é tudo um erro de planificação."
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