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domingo, 31 de agosto de 2025

PAIXÃO E NEGÓCIO

 


O Benfica está oficialmente na UEFA Champions League. A vitória sobre o Fenerbahçe fecha o primeiro capítulo da época. E fecha-o com sucesso.

Esta não é uma época como as outras. O Mundial de Clubes baralhou calendários, misturou finais e inícios de temporada, obrigou a uma preparação diferente, mais exigente, mais intensa. Os jogadores tiveram de acelerar processos, a equipa técnica foi obrigada a redesenhar métodos e os adeptos também sentiram que o tempo passou mais depressa. Chegados aqui, o Benfica soma já sete jogos oficiais, seis vitórias, zero golos sofridos. Uma Supertaça erguida diante do Sporting. Uma qualificação conquistada diante do Nice e do Fenerbahçe. Um arranque firme, sem deslizes, que devolve confiança.
Estar na fase de liga da Champions é mais do que cumprir calendário. É prestígio, é identidade, é pertença. É o lugar onde o Benfica tem de estar, porque faz parte da sua história e da sua dimensão. Mas é também receita, sustentabilidade, futuro. É a síntese perfeita do que o futebol é hoje: emoção e racionalidade, alma e estrutura, paixão e negócio. É essa dualidade que quem lidera, ou quem ambiciona vir a liderar o Benfica, não pode nunca perder de vista.
É também por isso que, quando se fala do futuro, importa separar o essencial do acessório. O Benfica não precisa de catálogos de promessas nem de listas improvisadas de nomes que soam bem no papel mas que pouco dizem sobre a realidade. Precisa de consistência, de projetos claros, de uma ideia de clube que resista ao tempo. Não precisa de fugas para a comunicação social com possíveis treinadores apresentados à boa moda de quem, para sobremesa, pede fruta da época. Não precisa de discursos que soam mais a acerto de contas com o passado do que a projeto de futuro. O Benfica não se alimenta de caricaturas, alimenta-se de substância.
O futebol, afinal, é este choque permanente entre paixão e negócio. Vive do que o sustenta e do que o pode corroer. A paixão é a raiz. O negócio é o tronco. Sem raiz não há árvore. Sem tronco a raiz não se ergue. O risco está sempre aí: o tronco crescer mais depressa do que a raiz consegue alimentar. É neste equilíbrio, tantas vezes frágil, que se decide o futuro de um clube.
A paixão é o que nos leva ao estádio ao domingo, faça chuva ou faça sol. É o que nos faz ligar a televisão ao sábado à noite. É o que nos faz sofrer por um lance, discutir uma substituição, repetir um jogo que já conhecemos de cor. Essa paixão não se compra nem se fabrica. É herdada. Vem da voz do pai, do abraço do avô, da camisola guardada como relíquia. É intocável e é, no fundo, a energia que mantém viva a alma do clube.
Mas o futebol não vive apenas dessa chama. Vive também do negócio que entrou de vez e não tem como sair. Os salários milionários, os contratos televisivos, os patrocinadores, os fundos de investimento. Tudo isso faz parte e tudo isso é o que permite que o espetáculo seja global. O problema não está na existência do negócio. Está em esquecer que o negócio só faz sentido porque existe paixão a sustentá-lo. Sempre que se esquece esta ordem, corre-se o risco de matar aquilo que se quer proteger.
No Benfica, essa tensão é diária. O sócio paga a sua quota e sente que o clube é dele. E tem razão em sentir isso. Quer ser ouvido, quer ver a sua voz respeitada. Do outro lado está a engrenagem que não pára, que exige receitas, contratos, números, resultados. Liderar é caminhar por esse estreito caminho sem cair para nenhum dos lados. Quando se privilegia em demasia a emoção, fala-se em amadorismo. Quando se privilegia em excesso a gestão, acusa-se de falta de alma. A virtude está no equilíbrio, e é nesse equilíbrio que se constrói a verdadeira liderança.
E é precisamente isso que se espera ver até às eleições. Que os candidatos saibam apresentar propostas que conciliem alma e negócio, emoção e racionalidade. Que tragam futuro, e não apenas passado. Porque, até agora, o que se ouviu fica muito aquém da ambição necessária para defrontar quem está no poder.
O percurso de quem lidera o Benfica não foi perfeito. Nem todos os resultados foram alcançados. Ficaram títulos por conquistar e há decisões que se podem discutir com legitimidade. Mas a verdade é que, mesmo com falhas, esse caminho tem mostrado mais solidez do que aquilo que os benfiquistas têm escutado nos últimos tempos. E convém nunca esquecer que o sócio sabe distinguir entre quem apresenta um caminho e quem aparece apenas com slogans fáceis, com nomes lançados à la carte, com frases mais voltadas para o passado do que para o futuro.
A responsabilidade é imensa. Liderar o Benfica não é estar na montra. É estar na raiz do que faz o clube resistir e no tronco que o faz crescer. É proteger a chama da paixão e, ao mesmo tempo, alimentar o motor do negócio. É saber que o Benfica não se mede apenas em relatórios ou em resultados desportivos de um ano, mas na continuidade de um projeto que resiste às ondas curtas e se afirma no tempo. É ter visão de longo prazo sem perder o rigor do imediato. É unir a alma e a razão no mesmo gesto.
Escrevo estas palavras apenas com a vontade de ver uma campanha eleitoral que engrandeça e enobreça o Benfica. Com projetos claros e caminhos distintos. Que não continue a centrar este momento importante da vida do clube em Proença, Conceição ou Amorim. O Benfica merece mais do que isso. Merece uma discussão elevada, com substância e com visão. Merece candidatos que mostrem a grandeza de um clube que não é apenas desporto, mas também identidade, comunidade e memória.
E é isso que os benfiquistas esperam. Mais do que listas de nomes, querem ideias. Mais do que ajustes de contas, querem futuro. Mais do que promessas, querem consistência. A Luz pode ser palco de glória, mas também é tribunal de exigência. Ali não se perdoa vazio de propostas, ali não se perdoa falta de visão. Quem quiser liderar tem de ter essa consciência.
Hugo Oliveira, in a Bola

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